31.12.06

O Ensino Superior, o Charquinho e Pinto da Costa

2 de Dezembro - O Ministro do Ensino Superior anda preocupado com o estado da educação. Daí não virá mal ao mundo. Só que, num destes dias, sugeriu que os alunos do ensino superior devem trabalhar enquanto estudam, adiantando que está a preparar legislação para beneficiar financeiramente aqueles que o façam. Esta medida vai, obviamente, gerar agitação estudantil e situações de injustiça objectiva. Com facilidade imaginamos a enorme quantidade de declarações de prestação de serviços em empresas familiares que, com tanta facilidade abrem actividade nas Finanças, declarando-se terminadas pouco tempo depois.
Por isso, sugeria-se ao senhor a aplicação de outro tipo de medidas. Por exemplo, uma muito simples, em vigor no Brasil, da responsabilidade do governo Lula. Chama-se «ProUni - Universidade para Todos», e consiste num programa federal de concessão de bolsas aos alunos sem recursos, após seriação e exame prévios, cujo valor - que pode ir (e vai frequentemente) até à isenção completa, é integralmente deduzido à matéria colectável da sociedade proprietária da Universidade escolhida pelo aluno. Trata-se, por conseguinte, de uma espécie de cheque educação negativo, porque não há verdadeiramente dinheiro vivo em cima da mesa, mas uma sucessão de operações contabilísticas. Descoberta da pólvora? Nada disso, só que com este programa, simples de executar, as Universidades têm alunos, os alunos com dificuldades financeiras têm a possibilidade de frequentar Universidades, e o Estado não precisa de gastar dinheiro nem na sua formação nem a subsidiar as escolas.


6 de Dezembro - «Façam-na no bairro dos ricos!» - foi assim que reagiram os habitantes do bairro social do Charquinho à decisão da Câmara Municipal de Lisboa de instalar uma sala de chuto naquele bairro.
Duvido mas duvido mesmo que os habitantes do Charquinho venham a ser bem sucedidos na sua reivindicação. Eles deveriam ter seguido o exemplo dos habitantes de um bairro rico como Alvalade aquando da sua bem sucedida contestação à instalação dumas capelas mortuárias que a CML licenciara naquele bairro. Como se sabe as ditas capelas acabaram atiradas para a periferia ou seja para uma zona de pobres.

Não sei avaliar com rigor o impacto que tem na vizinhaça uma sala de chuto mas parece-me que não será certamente menor que o dumas capelas mortuárias.
Tenho a certeza que quem mais condena a reacção dos habitantes do bairro do Charquinho não vive lá. Tal como também não colocam os seus filhos nas escolas públicas muitos daqueles que produzem as mais belas teorias sobre o espaço de ensino-aprendizagem e muito menos frequentam os transportes públicos em determinadas áreas ou horários aqueles que discursam em seminários sobre multiculturalismo.
Estes são os cidadãos que conseguiram organizar a sua vida sob o um modelo que se pode classificar como modelo do 'condomínio fechado'. Este caracteriza-se por os seus membros defenderem para os outros tudo aquilo de que se conseguiram preservar a eles mesmos. Tudo está previsto para os outros. Até onde devem fazer as compras!
A mesma pessoa que é considerada muito corajosa e empenhada quando denuncia a violência doméstica passa ao estatuto de reaccionária e populista quando denuncia a violência nos transportes públicos. É uma destas forma de violência menos importante do que a outra? Não. O que é diferente é o discurso que sobre elas existe.
Por isso aquele inconveniente «Façam-na no bairro dos ricos!» pronunciado a propósito da criação da sala de chuto no Charquinho é uma das frases que melhor retratam as novas formas de segregação. Essas de que não se quer falar.

10 de Dezembro - Jorge Nuno Pinto da Costa gosta de mulheres. Tendo em conta os tempos que correm, aquilo que vai para aí e a sua já razoável idade, é um facto assinalável e merecedor de respeito.
Como os anos já não ajudam, tem, eventualmente, de visitar com mais assiduidade do que desejaria os cabarés da cidade do Porto. Lá as coisas parecem mais fáceis e o encanto é imediato: uma dança mais apertada, uma conversa mais íntima, uma troca de olhares, tudo isto, e mais a avançada técnica e conversa das profissionais de serviço, contribui para resultados rápidos. O homem apaixonou-se. Passeia-se em público com os frutos da sua paixão, leva-os ao «Dragão» ver a bola, apresenta-os a Primeiros-Ministros e a Presidentes da República, deixa-se fotografar na sua companhia para revistas de sociedade, escreve bilhetes amorosos, proclama juras de amor eterno. Enfim, a “primeira-dama” é credível.

Um dia, pelo excesso de evidências, apercebe-se que, afinal, aquele amor não era «sincero». Temperamental, põe a moça na rua com os trapos que trazia no corpo quando a conheceu, e ela não aprecia o tratamento. Daí até deixar de ser credível foi um pequeno passo. Diz-me com quem andas, dir-te-ei se és credível…
O resto da história já todos conhecemos. Resta apurar se ela tem alguma moral que valha a pena enunciar, e é evidente que tem. Mas… não coloquemos a carroça à frente dos bois. Atentemos na Justiça portuguesa e tenhamos esperança que ela ainda existe.


Nova Aliança, 22 / Dezambro / 2006

13.12.06

A RTP, os salários dos privados e o preço das drogas

12 de Novembro - Para quem tem dúvidas sobre a governamentalização da RTP, o telejornal de hoje deve ser visto muito atentamente e deve motivar muitos estudos. Hoje foi o dia do debate parlamentar sobre o OE. Até aos primeiros minutos tudo esteve bem: o debate foi animado e permitiu uma peça dinâmica de contraditório. À saída o primeiro-ministro é questionado sobre declarações de Jardim. O problema é que, depois dos 15 segundos que são aceitáveis para a resposta, seguiu-se uma longa exposição de vários minutos, uma imensidade de televisão que desequilibra totalmente a reportagem, em que, num discurso limpo, se repetem pela enésima vez argumentos conhecidos das teses governamentais sobre o OE.

Ao contrário do que sucede muitas vezes, em que os próprios jornalistas, “ávidos” de informação, não deixam falar os convidados, o primeiro-ministro acaba por nunca ser interrompido por uma corte de jornalistas silenciosos ( pelo menos da RTP ) e por repetir, sem contraditório, o que acabara de dizer dentro da sala, reforçando nessa fala límpida tudo o que o governo queria dizer. Do ponto de vista jornalístico não há aí nada de novo, e é isso que é favorecer a propaganda do governo.

16 de Novembro - Nos últimos dois anos fez-se passar a ideia de que os funcionários públicos são mais bem pagos do que os trabalhadores do sector privado. E, desde a tomada de posse do actual governo, com a revelação em série de vários regimes de excepção ( os subsistemas de saúde de magistrados e polícias, as bonificações na contagem do tempo de serviço dos enfermeiros, a generosidade do fundo de pensões dos administradores do Banco de Portugal, etc ), os funcionários públicos tendem a ser vistos pela opinião pública como profissionais remunerados acima da média. Sucede que o actual governo encomendou um estudo à Capgemini Portugal sobre o perfil de salários no sector público versus sector privado. Esse estudo, elaborado em parceria com a Mercer Human Resource Consulting, contradiz as conclusões de um trabalho idêntico, da responsabilidade do Banco de Portugal, feito em 2001. De acordo com esta instituição bancária, há cinco anos, «os salários dos funcionários públicos, em especial no caso das mulheres, são significativamente superiores aos salários dos trabalhadores do sector privado [com] iguais qualificações.» Por seu lado, a Capgemini, num relatório de quase 300 páginas entregue há cinco meses ( em Junho ), e que contém «centenas de tabelas comparativas», prova o contrário. Consta que o ministério das Finanças não gostou do que leu ( isso explicará o atraso na sua divulgação? ). Na impossibilidade de transcrever tudo, ficam dez exemplos: director-geral ( + 114,10% no privado ), engenheiro ( + 76,50% no privado ), director de serviços ( + 73,70% no privado ), mecânico ( + 65,00% no privado ), gestor financeiro ( + 64,52% no privado ), assistente administrativo ( + 57,30% no privado ), electricista ( + 44,30% no privado ), enfermeiro ( + 36,80% no privado ), telefonista ( + 12,00% no privado ), investigador científico ( + 5,21% no privado ). Em contrapartida, os contabilistas (- 6,40% no privado ), os economistas ( - 5,40% no privado ), os educadores de infância e os professores do ensino básico ( - 3,28% no privado em ambos os casos ) e os arquitectos ( - 2,00% no privado ), são melhor remunerados ao serviço do Estado. A favor dos funcionários públicos têm jogado alguns factores não despiciendos: estabilidade no emprego, acesso à ADSE ( mediante desconto próprio ), carga horária de 35 horas semanais, e pensões de aposentação em regra superiores às da Segurança Social ( o cálculo é diferente ). Quanto ao dinheirinho, estamos conversados.
24 de Novembro - A capa do Público de hoje é um enigma: “Aeroporto da Ota vai ficar mais caro do que o previsto”. Fará sentido para um jornal diário de grande informação, um verdadeiro jornal de referência, comunicar no século XXI a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia? Ou publicar em tipo grande na capa "Os elefantes têm uma tromba"? Ou "A Serra da Estrela é mais alta que o Outeiro de S. Pedro"? Alguém imagina um título como "A Terra Gira em Torno do Sol"? Títulos incompreensíveis, de tão óbvios que são. Espera-se sempre que uma notícia informe, ensine, traga algo de novo. Escolher como parangona o que já toda a gente sabia? Ora…

25 de Novembro - «Os grupos privados [do sector da saúde] têm a sua política e pagam aos senhores jornalistas para porem notícias nos jornais e nas televisões.» O autor desta pérola é o ministro da Saúde. O que dizer de uma afirmação desta gravidade? No mínimo, que Correia de Campos deve - ou melhor, tem de - apresentar provas que sustentem as suas afirmações?
26 de Novembro - Ainda segundo o Público, o haxixe e o LSD são mais baratos em Portugal do que no resto da Europa. Fiquei preocupado, devem ser os únicos produtos e serviços que são mais baratos "cá" do que "lá". Imagino que tudo o resto é "cá" mais caro: a água, a luz, o gás, a gasolina, os telefones, a tv cabo, a couve, a alface, o iva, enfim: tudo aquilo onde o estado pode pôr a mão e taxar convenientemente é mais caro "cá" do que "lá".
Um conselho aos toxicodependentes: não abram muito a boca. Ou este governo decide aproveitar-se da situação e a coisa vai ficar bem mais cara. E com iva a 21 %...

Nova Aliança, 8 / 12 / 2006