6.6.06

Tribunal de Menores, 14º Mês e Carrilho

1. Expliquem-nos, se faz favor, como se fôssemos muito burros: uma menina, Mónica, de 12 anos, foi retirada à mãe devido a desleixo, especialmente na higiene, por decisão do Tribunal, e a Comissão de Menores da sua área de residência não sabia sequer da existência do caso?

Respondam-nos: outra criança da mesma progenitora ficou à sua guarda alegadamente por ter apenas três anos – piolhos, pulgas e tudo o que esses parasitas indiciam só causam dano a partir de que idade?

Depois, a instituição onde a criança estava interna: então a Mónica tinha uma consulta no hospital, na manhã de uma quinta-feira, e a instituição autorizou-a a permanecer, de quarta para quinta-feira, na casa materna, de onde fora retirada? Mais: o seu cadáver só foi descoberto na madrugada de sexta-feira – alguém, responsável pela dita casa de acolhimento, se inquietou com a sua ausência injustificada?

Já agora, que iniciativa tomou para procurar uma menor que estava à sua guarda? Mais e muito pior: a criança faltou à escola na quinta-feira – esse facto desencadeou algum sistema de alerta? E se tivesse desencadeado, poderia Mónica ainda ser salva?

De cada vez que mais uma criança em risco morre no nosso país, a reacção da Imprensa tende a esbater-se perante o ‘déjà vu’. Nada há de mais errado: cada caso dramático grita ainda mais alto que a responsabilidade é do sistema e, em cada caso, de pessoas concretas que o deveriam servir.

2. Discretamente, na coluna da esquerda da primeira página do “Expresso”, surge a notícia: “O secretário de Estado do Orçamento, Emanuel dos Santos, alertou ontem em Coimbra para a possibilidade de os pensionistas deixarem de receber o subsídio de férias, para ajudar a equilibrar o Orçamento de Estado. Uma decisão que não será fácil, mas poderá ser inevitável, disse”. Mais tarde, o senhor veio desmentir que tenha dito o que disse ou, pelo menos, que estivesse a pensar no curto-prazo, embora repetisse que, “em teoria”, a medida deve ser pensada.

Não sei se estão a compreender esta forma de fazer política. Atira-se uma ideia, por mais espatafúrdia que pareça, para o ar com o objectivo de avaliar a sua recepção. Uma espécie de deitar barro à parede, a ver se pega. Algo que é feito à sucapa, clandestino e silencioso. Não há explicações nem especiais cuidados na sua divulgação. Falamos de que pensionistas?

Daqueles que recebem duzentos e trezentos euros por mês, normalmente trabalhadores agrícolas que habitam no Portugal profundo e não só e que vivem com o mínimo possível? Estes contam com o subsídio de férias para equilibrarem as despesas e pagarem as suas dívidas. É a estes que o Governo, preocupado com o equilíbrio das contas públicas ( embora não se compreenda como, apesar de tantas medidas, a situação económica estar cada vez pior de acordo com todos os relatórios, nacionais e internacionais ) quer cortar o subsídio de férias?

Ou falamos dos pensionistas que recebem milhares de euros mensalmente, que beneficiaram muitos deles de regimes especiais que possibilitaram a reforma aos quarenta e poucos anos? Aqueles que, como os deputados e os autarcas, atingem valores inimagináveis e conseguem a reforma com alguns anos de serviço?

Então agora “as pessoas ( já não ) têm de estar em primeiro lugar”? Então agora “todos os sacrifícios pedidos ( não ) precisam de ter em conta a dignidade mínima do modo de vida da população”?

Ficarei atento para ver se os membros do Governo serão os primeiros a dar o exemplo, prescindindo do 14º mês e trocando as férias no Quénia, na Suiça, em Cancun ou na Tailândia por um destino mais nacional como a praia do Meco.

3. Pensei que me estavam a gozar mas parece que é mesmo verdade. Pedi a duas pessoas que compraram o livro de Manuel Maria Carrilho que me dissessem que nomes ele me chamou. Garantiram-me que o analisaram à lupa, procurando em cada parágrafo um pequeno impropério, um adjectivo violento, um comentário agressivo sobre a minha pessoa. Nada! Apetece-me perguntar: onde é que eu falhei?

Por estas e por outras é que me passou pela cabeça acabar com esta coluna: uma pessoa esforça-se, escreve artigos violentos, utilizamos expressões como “egocêntrico”, “pavão”, “nariz empinado”, “projecto político”, e o que recebo em troca? O silêncio. Dizem-me que trinta e sete jornalistas e onze comentadores são nomeados no livro, vítimas de traulitada, má-língua e acerto de contas.

Ninguém me acusa de ter sido comprado por Cunha Vaz, de ser movido por uma sanha persecutória, de estar movido pela inveja que nos impede de ver a luz que se liberta do seu cerebelo. Por favor, Manuel Maria, bem sei que este é um jornal regional e o meu nome não é conhecido mas não se poderá arranjar um insulto só para mim?

Onde é que eu falhei?...


Nova Aliança, 26 / 05 / 2006