20.9.06

Gunter Grass, o "caso Mateus" e George Steiner

22 de Agosto – Gunter Grass é um dos ícones da esquerda europeia. Habituou-nos a reconhecê-lo como alguém que corta a direito e que gosta de dar lições aos outros. A verdade é que não passa de um hipócrita. Aos 78 anos revelou ter pertencido a um corpo de elite das tropas SS alemãs. Em 1985 foi um dos que protestaram por Reegan e Kohl terem visitado um cemitério militar porque nele havia… soldados SS. Onde pára a ética?
O ministro Costa continua a enaltecer o facto de existir este ano menos área ardida. Esquece-se que o que ardeu nos anos anteriores não volta a arder este ano. Entretanto, Sócrates está de férias pelo segundo ano consecutivo na altura dos fogos, pelo que se presume que não perca muitas horas no resto do ano a tentar arranjar uma solução. Aproveitando a época estival, o ministro da Agricultura, Jaime Silva, responsável pela manutenção e limpeza das florestas, teve a brilhante ideia de pôr as meninas dos Morangos com Açúcar a comer maçãs de forma a ajudar a Associação dos Produtores de Maçã de Alcobaça. Em pleno Agosto, o grave não é ele ter-se lembrado disso, é gabar-se…
Os não fumadores pertencem a uma minoria. Por isso não têm direitos. Ao contrário, os fumadores estão do lado da força, podem entrar em qualquer lugar público e exigir um espaço para poder exercer o seu direito. Por momentos, o mundo tremeu, o governo preparava-se para legislar contra esse direito e determinava que em espaços públicos o tabaco ficava à porta. Calma, não se entusiasmem. Se o governo governa para a maioria pensou, pensou e afinal decidiu que caberá aos gestores dos espaços públicos decidir se devem ou não proibir os fumadores. Quem é amigo, quem é?

24 de Agosto – Dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. O jornal anuncia:”O Hospital Distrital de Évora anunciou ontem o arranque das obras de instalação do sistema de ar condicionado, abrangendo a totalidade das 238 camas do edifício do Espírito Santo…”.Em Portugal ainda há hospitais sem ar condicionado? A instalação deste equipamento merece comunicado da administração do hospital? As obras vão demorar um ano? E tudo isto é notícia de jornal? O “sim” às três questões é o mais terrível dos sinais da nossa miséria.
Um filme português que teve 488 espectadores recebeu do Estado 135 mil contos, 518 mil euros. Façam lá as contas, dou-vos algum tempo…, …, …exactamente, são 277 contos, mais de mil euros por espectador que todos nós pagámos…
Apesar de todos as perseguições feitas aos funcionários públicos, a despesa pública cresce a olhos vistos. Como é possível? Inaptidão ou incompetência? Por certo as duas. Quem serão os próximos perseguidos?

26 de Agosto – Numa notável peça jurídica, um Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, falando do “caso Mateus” e do Gil Vicente, concluiu: “pelo exposto, indefere-se o decretamento provisório das medidas cautelares requeridas. A linguagem parece-me curda e, confesso, eu não a domino. Como cidadão médio, o meu objectivo é querer saber se vivo num país com uma língua oficial que um cidadão médio entenda. Tenho dúvidas.

3 de Setembro – Nas primeiras vezes que atravessei a Espanha, admirei-me com a quantidade de campos e tabelas de basquetebol nos jardins, praças e outros espaços verdes. Lembrei-me da história hoje quando assisti em directo ao jogo da final do Campeonato do Mundo da modalidade que se realizou no Japão. A Espanha ganhou.

5 de Setembro – Na nossa sociedade, o silêncio deixou de ter qualquer importância. Em todo o lado nos dão música, seja ao telefone ou em S. Lourenço. O simples gesto de pegar na chávena e beber o café tem de ser acompanhado, por vezes, com um som estridente e, na maior parte das vezes, desajustado. É também sobre isto que fala George Steiner, provavelmente o maior pensador ocidental vivo, em “Os Logocratas” ( Relógio D’Água, Lisboa, 2006, 198 pp. ). As reflexões de Steiner conduzem-nos ao dado central nos últimos anos que tem sido o fim da relação entre o indivíduo e o livro. Não se lê. Não se memoriza. Não se pensa. Não se escreve. Os nossos adolescentes não conseguem ler em silêncio e necessitam do apoio da música como pano de fundo. A frase de Steiner “o mundo da web é a oralidade colectiva” ( p.149 ) significa que esta Internet de uso colectivo em rede representa uma ruptura com a individualidade e com os hábitos clássicos de leitura e escrita. Hoje, desenvolvem-se hábitos que apenas sobrevivem ao ruído e na constante agitação, que necessitam de uma esfera colectiva e que dependem da substituição do livro por imagens, ícones e links.

Pergunta da quinzena: até quando vão ter os moradores do centro histórico a água castanha mais cara do mundo?



Nova Aliança, 15 / 09 / 2006

Rothschild, os incêndios e o Líbano

1.Existirão limites para a interpretação? Uma boa informação será tudo o que importa? Deixem-me contar-vos a história do banqueiro Rothschild. Ao fim do dia 18 de Junho de 1815, alguém lançou um pombo-correio de Waterloo. A ave levava a primeira notícia entretanto chegada a Londres sobre o destino da Europa e aterrou nas mãos do dono, Nathan Rothschild, banqueiro e jogador na Bolsa. E foi para lá que ele entretanto se dirigiu. Encostado a uma coluna, enviou pequenos gestos tácitos aos seus empregados: “Vendam”. Eles puseram-se a vender títulos a uma velocidade tal que rapidamente a Bolsa inteira suspeitou: “Rothschild sabe!”, “Rothschild sabe!”. A notícia propagou-se como um rastilho, Napoleão tinha ganho e Wellington tinha perdido. Por isso, toda a gente se pôs a vender. Nesta confusão, ninguém reparou num “pequeno” gesto e numa mudança de ordem. “Comprem”, disse Rothschild aos empregados. Em poucos minutos, multiplicou por vinte vezes a sua fortuna e a economia da Grã-Bretanha passaria a estar nas mãos da sua família.
Lembrei-me desta história ao ouvir o ministro dos fogos, António Costa, todo ufano na televisão, que este ano é que era, o total da área de terreno entretanto ardida era a menor dos últimos anos, tinham sido feitos estudos, havia mais dinheiro, os bombeiros estavam melhor equipados, a consciência cívica era diferente, tinha havido “uma boa detecção e intervenção no controlo das ignições”, etc, etc. “Rothschild sabe!”, lembram-se? Esta atitude assemelhava-se à de um treinador de uma equipa de futebol que se congratula por não ter sofrido ainda qualquer golo aos dez minutos de jogo. Lançar foguetes antes da festa nunca dá bons resultados. Afinal de contas, estávamos a 5 de Julho. Esse estado ufano e prazenteiro durou pouco. Poucos dias depois, o avião russo Beriev quase se estatelava e, ironicamente, causou incêndios na subsequente operação de emergência, cinco bombeiros chilenos e um português morriam, as temperaturas subiam, os bombeiros queixavam-se da falta de meios, não havia meio de chegar novo material prometido desde Maio, etc, etc. O ministro mudou então de discurso: pois as temperaturas não se podiam controlar ( como se 40 graus fosse estranho em Agosto ), pois os fornecedores não tinham cumprido os prazos, pois os portugueses são uns malandros porque não limpam as matas, pois os populares são uns desleixados, pois… Sinceramente, senti pena do sujeito. Quando a jornalista da TVI lhe perguntou no meio de um incêndio de um matagal do Estado em Oliveira de Frades por que razão esse mesmo Estado não limpa as matas de que é proprietário, nem autoriza as autarquias a fazê-lo, ele respondeu que não estava ali para responder a isso. “Rothschild sabe!” Uma pergunta feita no momento oportuno deitou por terra várias horas de propaganda.

2. Existirão limites para a interpretação? Como se viu atrás, a guerra tem muitos defeitos mas sempre deu, além de excelentes romances, bons negócios. O do petróleo, por exemplo. Sabendo que no conflito em questão ninguém está isento de culpas, o primeiro-ministro libanês chorou numa reunião da Liga Árabe ao condenar um novo “massacre” de 40 civis por um bombardeamento israelita em Houala. Veja-se o vocabulário utilizado: 40 ( número redondo ), civis ( e não terroristas ), em Houala ( e não numa qualquer aldeia vizinha ). Quando acabou os soluços, o líder libanês reconheceu que, afinal, só tinha morrido uma pessoa no ataque.
Há poucos dias, a agência de notícias Reuters teve de denunciar um fotógrafo seu que tinha manipulado imagens das consequências de bombardeamentos israelitas, para as tornar mais chocantes. Outro funcionário da agência tornou-se notícia por enviar mails ameaçadores ao responsável de um site pró-israelita. “Anseio pelo dia em que vos cortem as gargantas”, era a “delicada” e “agradável” mensagem.
Nos nossos jornais, são relatados todos os dias os mortos do conflito. Os israelitas, de um lado, são divididos entre militares e civis. Os do Líbano, do outro lado, são simplesmente civis. Procurando limites para a interpretação, somos levados a concluir uma de duas coisas: ou os soldados de Israel são tão incompetentes que não conseguiram acertar num único terrorista ou então que o Hezbollah não distingue entre civis e combatentes.

Nova Aliança, 31 / 7 2006