24.1.07

As esperanças do novo ano, a vida privada e Carolina Salgado

1 de Janeiro – Que esperanças para o novo ano? Existe a visão dos bons e a dos maus.O terrorismo no Iraque desaparecerá e as tropas americanas retirarão em paz. Guantanamo fechará em menos de seis meses e os presos voltarão para os seus países. Os Taliban serão finalmente derrotados. Fidel Castro e Hugo Chavez reconhecerão a grandeza dos EUA. Bin Laden será finalmente capturado. Miguel Sousa Tavares escreverá um artigo sobre a felicidade que é ter a América de volta ao seio das nações civilizadas. O Congresso atribuirá direito de voto nas eleições americanas a todos os cidadãos do mundo. O planeta começará a arrefecer ( aliás, já se nota, hoje já está mais frio que ontem ). O McDonalds começará a servir alta cozinha francesa. O Irão desistirá de fazer uma bomba nuclear, pedirá a adesão à União Europeia e Portugal apadrinhará. Uma investigação do Congresso revelará novas provas sobre a conspiração para destruir o World Trade Center e iniciar guerras no estrangeiro. Bush será julgado por um tribunal internacional, que o condenará a prestar serviço cívico por crimes contra a humanidade. Grandes esperanças para 2007. Grandes esperanças...


3 de Janeiro - Os cidadãos sentem que a sua vida privada está ameaçada, que todos os dias podem ser abusados, observados, escutados, controlados, frustrados, ameaçados; sentem que a todo o momento alguém lhes pode entrar pela casa dentro e devassar a sua vida privada até ao mais ínfimo detalhe, e têm a certeza que essa pessoa será alguém que o faz a título oficial e na qualidade de funcionário do Estado.

Um homem decide lançar um negócio de restauração. Fez o investimento, arrendou um espaço e contratou os empregados. Mas ele não pode começar o negócio antes que lhe sejam feitas uma multiplicidade de inspecções e concedidas licenças e alvarás. Tudo demora uma eternidade. Passou mais de um ano, as licenças não estão todas concedidas e faltam ainda os documentos de algumas inspecções. Ele continua a pagar a renda do espaço, os salários dos empregados, os painéis publicitários. Com o desespero próprio de quem está perto da ruína, decide abrir o restaurante ao público. Mas ele não vai conseguir dormir porque sabe que a todo o momento lhe podem fechar o restaurante, mover-lhe um processo administrativo ou mesmo criminal e o seu nome aparecer nos jornais. Será a ruína financeira e pessoal.

Uma pessoa compra uma casa antiga para a mandar restaurar e vir a habitá-la. Porém, não pode iniciar as obras, sem que uma multiplicidade de autoridades administrativas, desde a câmara municipal ao serviço de abastecimento de águas, lhe aprovem uma multiplicidade de projectos e lhe concedam uma multiplicidade de licenças. O tempo vai passar e ela vai dar-se conta que, quem manda na casa e quem vai decidir qual o tipo de caixilhos, de portas e de janelas e se a casa poderá ou não ter um jardim, não é ela, mas uma massa anónima de burocratas, engenheiros, políticos, arquitectos que trabalham na câmara e numa grande multiplicidade de outros serviços administrativos.

A administração fiscal decide que um contribuinte tem de pagar um imposto que ele, de facto, já pagou. O cidadão protesta, faz requerimentos e mais requerimentos para que o erro seja reconhecido e corrigido, sem obter resposta. O Fisco persiste no erro e ameaça-o que, senão pagar até ao dia tal, ser-lhe-ão penhorados o vencimento e as contas bancárias. O cidadão acaba por se render, e paga outra vez aquilo que já pagou, ainda por cima com juros e com coimas. O simplex afinal complica. E, não obstante, passados quinze dias, o seu patrão e o seu banco recebem ordens da administração fiscal para lhe penhorarem o vencimento e a conta bancária. Quantos requerimentos, quantos meses vão ser necessários para levantar as penhoras? E os danos que o contribuinte sofreu e a vergonha por que passou? E quem, na administração fiscal, responde por este abuso? A resposta é evidente: ninguém.


6 de Janeiro - Os que falam dela na rádio, nos jornais ou na televisão não conseguem pronunciar sequer o seu nome. Afinal a mulher era uma alternadeira. Como o mercado é flutuante, o emprego é precário. Os locais de trabalho são bares e clubes, alimentados por homens que precisam de divertimento. Trabalham muito, fazem andar a roda das nossas existências e precisam de divertimento. Sempre foi assim. É chamada a mais velha profissão do mundo. E sempre houve poderosos que se apaixonaram por elas, porque tão antigo como elas é o amor e a necessidade de amor dos homens, mesmo quando são poderosos e usam as mulheres como bens de consumo descartáveis. De vez em quando, uma mulher sai do bordel para a corte. Alguns poderosos não gostam. Acham mal. É o início da desordem, o princípio da catástrofe. As coisas não devem ser mudadas de lugar. O bordel não deve ser confundido com o sítio das outras mulheres, as donas compassivas, as nossas mulheres, que as visitam nos lares de abrigo, lhes ensinam a virtude, o bom caminho e se for preciso lhes dão ajuda de berço. Esta mulher chama-se Carolina Salgado. Viveu com os poderosos, conhece-os, aprendeu-lhes as manhas, joga o jogo deles. Há quem não queira ouvir a história. Percebe-se.

8.1.07

As crianças nos hotéis, Carolina e os portáteis nas escolas

13 de Dezembro - Segundo os jornais, já deram entrada nos tribunais do Porto e de Gaia pelo menos seis processos contra Carolina Salgado, por difamação. A confirmar-se tal informação, o Ministro da Justiça estará já a considerar convidar Carolina para ser ouvida a par das 15 maiores utilizadores empresariais que entopem a justiça portuguesa. O objectivo é aliviar os tribunais das inúmeras cobranças de dívidas relacionadas com empresas.
16 de Dezembro - Há silêncios diferentes uns dos outros: os que calam por conveniência e os que calam por desinteresse. No primeiro, e para não sair de Portugal, os que perguntavam pelo MIT; os que explicavam o génio de destruir Arafat e inventar a democracia pelas armas no Médio Oriente; os que gritavam contra Israel e o ocidente mas não se interessam pela nova guerra civil no Líbano apesar (até por causa) da «força» da ONU; os que falam em censura na RTP mas não clamam pela intervenção de quem de direito; os que percebiam imenso de futebol em Agosto e Setembro; os que não perdem tempo a saudar a «crítica» anónima ordinária até perceberem que não estão a gabar quem pensam; etc., etc. Precisam tanto do silêncio para continuar sempre na mesma, sempre a escrever mais depressa do que pensam, que até apagam as referências aos outros. Os outros escreveram a tempo. E não precisam de se repetir. Moral da história: quem precisa, cala-se, de preferência fazendo muito ruído para entreter e continuar. Quem não precisa, cala, por saber que em Portugal ter razão antes do tempo é o menos; não se pode é querer saber da razão, isso é insuportável para os que dispõem sempre da razão no tempo certo, o deles.
18 de Dezembro - Segundo uma reportagem na SIC Notícias de ontem, parece que há uma espécie de hotéis e de restaurantes em Portugal que “desaconselham” o uso de crianças pela clientela. Felizmente, para eles, não “desaconselham” o uso de “pretos”, de “chinocas”, de “gays”, de “lésbicas”, de “anormais”, de “pobres” por serem “pobres”, ou de canídeos. É que se assim fosse, certamente já lá teriam há muito tempo à porta, literalmente, toda a indignação do “politicamente correcto” português, desde as mais variadas organizações “libertárias” e contra as “injustiças”, representativas daquilo que mais "puro" há na sociedade civil, até ao Governo e à generalidade dos partidos políticos - do CDS ao BE, passando pelo PSD e pelo PS. Mas como se tratam de crianças que, provavelmente, nem sequer são mal tratadas pelos paizinhos, não há lei, não há Constituição. Isto é... a Constituição que se lixe! E já agora tenhamos esperança de que não se ande por aí a "desaconselhar" a entrada a "velhos" e "velhas" em estabelecimentos afins.
20 de Dezembro - Segundo variadíssimas cabeças com provas dadas, parece que não se pode acreditar em Carolina Salgado. E não se pode porquê? Porque a Carolina está ressabiada. Ora, convém colocar algum travão na hipocrisia. A senhora decidiu escrever um livro, procedimento ainda pouco habitual em Portugal, mas vulgar em Inglaterra ou nos Estados Unidos. Se tivesse soprado as informações aos jornalistas a coberto do anonimato não haveria qualquer escândalo. Felizmente, resolveu dar a cara. A senhora Carolina Salgado pode ser a mais miserável e mesquinha das personagens, mas o que está aqui em causa e deve ser averiguado é o que ela diz, e não as razões que a levaram a dizer.
22 de Dezembro – Lembram-se dos PC’s portáteis adquiridos pelo ministério da educação? Alguns terão sido atribuídos de forma errada. Na sequência deste processo, o ME, tentando reparar o erro, mandou um ofício e uma guia de transporte (via fax), solicitando às escolas, que não tinham recebido portáteis, que os fossem buscar às outras escolas.Como provavelmente, nenhuma escola (ou nenhum professor responsável pela escola) resolveu fazer essas viagens, o ministério encontrou uma solução que não é de todo imaginativa nem será inédita, “desbloqueando uma verba para se comprar mais portáteis” para as escolas que não receberam a encomenda inicial. Ninguém me convence que isto não faz parte de um plano bem gizado para, à revelia de critérios economicistas, aumentar o parque computacional das escolas públicas e contribuir para aumentar os efeitos do plano tecnológico.
24 de Dezembro – A Polícia britânica interrogou o primeiro-ministro Tony Blair, durante cerca de duas horas, no âmbito das investigações em curso sobre as suspeitas dum negócio de títulos nobiliárquicos. É a primeira vez que no Reino Unido um primeiro-ministro, ainda para mais em exercício, é chamado a “ajudar a Scotland Yard” em investigações criminais. O caso foi levado à Justiça depois de levantadas suspeitas a indícios de alguns financeiros e industriais terem apoiado o partido que suporta o Governo, aceitando “emprestar” avultadas somas solicitadas para dispendiosas campanhas, para serem posteriormente agraciados com títulos nobiliárquicos que, por proposta do Governo, a Monarquia lhes concedia. Sem desmerecer a pinderiquice nacional, e mal comparado, este caso seria o mesmo se a Polícia Judiciária se pusesse agora a investigar o que poderia estar por detrás dos quilos de condecorações que Sampaio distribuiu quando esteve em Belém, dando comendas e oficialatos a torto e a direito, já que cavaleiros, condes e barões não podia armar.