10.12.07

A ASAE e a Ginjinha do Rosssio

Lembram-se da história do homem que mordeu o cão? Muito pouca gente se lembrará e estará agora a pensar: que diabo!! Não será o contrário? Então não terá sido o cão que mordeu o homem? Talvez tenham razão mas às vezes fazemos confusão…

O leitor ou conhece ou ouviu falar da “Ginjinha do Rossio”, em Lisboa. Sim, é essa mesmo. Esse estabelecimento de bebidas especializado na venda de uma das mais populares bebidas portuguesas, a ginjinha. Com o tempo, a “Ginjinha do Rossio” tornou-se uma referência para turistas que passam pela zona e para várias gerações de frequentadores despretensiosos que, por razões certamente inexplicáveis, continuam a passar pelo seu balcão e a pedir "uma com elas" ou "sem elas". Uma ginjinha, no fundo. O estabelecimento nunca envenenou ninguém, sendo certo que também não é um modelo de limpeza. Mas todos a conhecem. É a “Ginjinha do Rossio”.

De acordo com investigações recentes, a melhor ginja é a da zona de Óbidos e a “Ginjinha do Rossio” servia-a, claro. Seja como for, Óbidos por um lado, e a “Ginjinha do Rossio” por outro, enchem-se de turistas e de apreciadores que vão em busca dessa bebida simpática, comovente e em risco de vida.

Ora bem, a ASAE, Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, decidiu partir agora em busca da “Ginjinha do Rossio”, encerrando-lhe as portas. O argumento é a falta de higiene, tendo sido capturadas algumas garrafas da bebida. Não, não se pense que algum turista se queixou de ter sido atingido por uma ginja. A questão é outra e nada cómica.

Ao capturar as garrafas e ao encerrar o estabelecimento, a ASAE estava apenas a cumprir a sua função, que está distribuída pela segurança alimentar, pela segurança de produtos e instalações, pelas questões de propriedade intelectual e industrial e também - naturalmente - pelo turismo. Ou seja, a ASAE zela pelo cumprimento da lei. E zela de forma muito eficiente, apresentando-se ao serviço público de colete à prova de bala e de gorro de lã. Por aí já o leitor vê como é arriscado o seu trabalho e como é perigoso o mister de fiscal das actividades relacionadas com a segurança alimentar. Os seus agentes preparam-se para aquilo que não aconteceu ao inglês. O lema é: se não aconteceu podia muito bem ter acontecido.

Acontece que Portugal é, segundo a ASAE (e depois das suas investidas) "um dos países mais seguros no que diz respeito à higiene e qualidade dos alimentos". Isso é uma vantagem enorme. Pensem bem no que aconteceria caso não o fôssemos. Hoje já não há castanhas assadas embrulhadas nas Páginas Amarelas nem bolas-de-berlim nas praias. Os tremoços manuseados com aquelas medidas de madeira estão sob suspeita.

A “Ginjinha do Rossio” era um monumento nacional. Uma referência que todos procuravam para provar uma das melhores ginjinhas portuguesas. Aquele espaço “tresandava” a história e a convivialidade, a sorrisos largos e a um leve ondular de fígados conservados em ginja. Pois que se varresse o seu chão com mais frequência. Que se pusesse um médico à porta. Que se emprestasse um capacete a cada cliente.
O mal, porém, não é apenas o encerramento da “Ginjinha do Rossio”, esse parapeito da história da cidade e do país. O mal é a onda de lixívia sintética que vai passando por tudo quanto é "segurança alimentar" nas vetustas tascas onde vinhos fatais fizeram literatura e, certamente, doenças hepáticas. Essa onda que prega a normalização dos costumes alimentares acabará com a pequena alma dessas nobres instituições de pecado, como a “Ginjinha do Rossio”.

Portugal aplica estas leis melhor do que ninguém. A breve prazo, agentes policiais entrarão nas nossas casas apreendendo bacalhau com excesso de sal, os enchidos de Alpalhão, o medronho do Algarve e os bolos com excesso de açúcar. Seremos saudáveis, faremos jogging e usaremos Armani. Tudo o resto será encerrado. Um último conselho, não se esqueçam de apagar a luz à saída…

Nova Aliança, 29 / Novembro / 2007