31.10.07

O rugby, correr com o Sócrates, os portáteis e a legislação

30 de Setembro - O rugby é dos poucos desportos colectivos com bola – senão o único – em que é praticamente impossível fazer ronha e “anti-jogo”, passar tempo, jogar à defesa: a única defesa possível é conquistar a bola e atacar, atacar sempre. Não há atrasos, floreados do tipo venham cá ver se me tiram a bolinha, olhem que bem que eu jogo: quem a tem, ou corre para a frente ou a passa, porque no próprio segundo em que a agarra tem sempre uma matilha de adversários em cima dele, danadinhos para o mandar ao chão.
É um jogo de força física, e sobretudo de persistência, sacrifício, disciplina colectiva e entreajuda. Admitindo que haja uma coisa chamada carácter português, seria difícil encontrar um jogo com exigências a que ele fosse tão avesso. É talvez por isso que tem tão pouca expressão entre nós.
2 de Outubro - Sócrates voltou a dar uma corridinha antes de se encontrar com um dirigente mundial. O facto de o PM português correr não é nem louvável nem reprovável, o facto de só o fazer em público quando vai ao estrangeiro ( por cá nunca o vimos correr quando sai de casa para São Bento nem quando visita Cinfães do Douro ), faz-nos suspeitar que a corrida é uma espécie de seguro de interesse jornalístico. Se mais nada houver, há sempre a história da corrida.

Ou é isso ou é apenas uma obsessão provinciana. Assim como havia um doido que gostava de beijar figuras públicas, o Primeiro-Ministro português é capaz de gostar de poder contar que correu ao pé delas.
Fazíamos uma vaquinha e comprávamos uma passadeira para o PM por no gabinete. Sempre saia mais barato que lhe andar a pagar as viagens.


3 de Outubro - “Sete ministros e 13 secretários de Estado distribuíram cerca de dois mil computadores portáteis a professores e alunos em estabelecimentos de ensino de todo o país”

O governo deu os números oficiais da mais "emblemática medida do choque tecnológico". Vinte ministros e secretários de estado distribuíram dois mil computadores. Dá 200 computadores na mala de cada carro do estado. As mesmas fontes ainda gabam as 70 mil inscrições para o projecto. É fazer as contas: se distribuíram dois mil, quer dizer que há 68 mil portugueses que foram enganados.

4 de Outubro - A ideia de não permitir mais lojas chinesas na Baixa é bastante infeliz por dois motivos: primeiro: porque, salvo em casos excepcionais e transitórios, em que esteja em causa o interesse da comunidade como um todo, o Estado (central e local) não deve intervir no comércio, senão na estrita medida necessária para garantir o cumprimento de normas gerais e abstractas - isto é, aplicáveis a todos, sejam chineses, portugueses, neozelandeses ou outros que tal; segundo: porque, ainda que uma medida deste tipo fosse objectivamente legítima (o que não parece ser o caso), ela sempre seria errada do ponto de vista político, pois estaria a proteger não o bem comum (a população), mas quem não justifica qualquer tipo de protecção. O dito “comércio tradicional” da Baixa é vergonhoso. Livremente vergonhoso. Abre quando quer e lhe apetece; não oferece um mínimo de qualidade; e só sobrevive à custa de um mercado muito pouco existente e pobre (como é o nosso) e de uma lei de rendas que tem sido ruinosa para a cidade.

Questão diferente é a possibilidade de, por acordo, se criar uma zona onde possa concentrar-se um número significativo de lojas e restaurantes chineses. Em várias cidades civilizadas do mundo ocidental há anos que isso acontece, e ninguém parece queixar-se do facto. Mas esta é uma questão que já não tem nada a ver com a Baixa. O “comércio tradicional” da Baixa, com mais, menos ou nenhumas lojas chinesas, enquanto não for alterada a situação das rendas e renovada a população residente e transeunte, continuará a ser miserável.

7 de Outubro - António Barreto revela-nos hoje uma preciosidade de um Ministério que alega ser da educação, assinada por um secretário de estado, que no entender de Maria Filomena Mónica alega ser "Dótor".

"[...]A existência de constrangimentos na operacionalização do regime de permeabilidade estabelecido pelo Despacho n.º 14387/2004 (2.ª Série), de 20 de Julho, bem como os ajustamentos de natureza curricular efectuados nos cursos científico-humanísticos criados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, implicaram a necessidade de se proceder ao reajuste do processo de reorientação do percurso escolar do aluno no âmbito dos cursos criados ao abrigo do mencionado Decreto-Lei n.° 74/2004, de 26 de Março. Desta forma, o presente diploma regulamenta o processo de reorientação do percurso formativo dos alunos entre os cursos científico-humanísticos, tecnológicos, artísticos especializados no domínio das artes visuais e dos audiovisuais, incluindo os do ensino recorrente, profissionais e ainda os cursos de educação e formação, quer os cursos conferentes de uma certificação de nível secundário de educação, quer os que actualmente constituem uma via de acesso aos primeiros, criados ao abrigo do Decreto-Lei n.° 74/2004, de 26 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.° 44/2004, de 25 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.°24/2006, de 6 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 23/2006, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.° 272/2007, de 26 de Julho, e regulamentados, respectivamente, pelas Portarias n.° 550-D/2004, de 22 de Maio, alterada pela Portaria n.° 259/2006, de 14 de Março, n.° 550-A /2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.° 260/2006, de 14 de Março, n.° 550-B/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.° 780/2006, de 9 de Agosto, n.° 550-E/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.° 781/2006, de 9 deAgosto, n.° 550-C/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.° 797/2006, de 10 deAgosto, e pelo Despacho Conjunto n.° 453/2004, de 27 de Julho, rectificado pela Rectificação n.°1673/2004, de 7 de Setembro. Assim, nos termos da alínea c) do artigo 4.° e do artigo 9º do Decreto-Lei n.° 74/2004, de 26 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.°44/2004, de 25 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 24/2006, de 6 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.°23/2006, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.° 272/2007, de 26 de Julho, determino:[...]"

Depois de ler em voz alta, como Barreto solicita, verifiquei que o meu grau de iliteracia (na definição da ilustre Benavente) é muito elevado. Por isso chego à conclusão que Maria Filomena Mónica está enganada. Valter Lemos é um verdadeiro "Dótor" pois, para ter elaborado a peça legislativa que parcialmente acima reproduzi, muitos livros de leis deve ele ter carregado.


Nova Aliança, 18 / 10 / 2007

9.10.07

A nova Chinatown, o quadro desaparecido e a ambulância de tipo A-1

18 de Setembro - A acreditar na mitologia de alguns, a América é um vasto campo de sombras, assolado pelo “neoliberalismo”, onde se arrastam, gemebundas e inanes, multidões em sofrimento, esquálidas e cobertas de moscas e crostas. Neste tormentoso mundo de horror e morte, a besta negra maldita é o sistema de saúde americano, dado como o pior do universo, e não faltam especialistas que tal juram pelo seu coiro, começando pelo senhor Michael Moore, e acabando nos alegres “jornalistas” que se citam uns aos outros, em círculo fechado, como fontes credíveis.

19 de Setembro - Quem é que António Costa quer enganar? Vem dizer que «não devemos misturar as ideias pessoais de Maria José Nogueira Pinto sobre essa matéria com um projecto relativamente ao qual ela esteve ligada e que poderá vir a estar ligada no futuro».
Perdão, mas as coisas não se podem separar só porque tal seria o desejo do presidente da câmara. Evidentemente que as ideias pessoais de MJNP são relevantes. Tanto o são que a própria MJNP entende que sejam uma prioridade no seu novo cargo: «Outra prioridade imediata, diz, “é travar o declínio (da Baixa-Chiado)”. A antiga vereadora dá como exemplo “travar a proliferação das lojas chinesas, porque se continuam naquele território, nunca mais vai ser possível deitar mão ao pequeno comércio”. Nogueira Pinto considera que o comércio “é central” para a Baixa, mas sem as lojas chinesas, que “estão a dar cabo do comércio da cidade”.».

Ora, temos então uma de duas situações: ou António Costa desconhecia as ideias de MJNP e então não se entenderá porque a convidou, pois apenas restaria a incompetência política ou favor pessoal. Ou sabendo o que ela pensava e com isso a convidando, apenas agora aparentemente se afastará dessas ideias, pela reacção que as mesmas provocaram. O que será um sério desvio à verticalidade política, com resultado agravado pela manutenção do convite.
20 de Setembro - O Centro Cultural de Belém anunciou hoje ter encontrado no seu acervo um quadro de Júlio Pomar, intitulado “Camões”, dado como desaparecido há quatro anos.

Num comunicado enviado às redacções, o gabinete de imprensa do CCB adianta que a pintura de 1989 foi encontrada durante “a reorganização dos espaços das reservas” do centro, tendo já sido comunicado o facto ao pintor e à Polícia Judiciária, que abrira um inquérito ao desaparecimento. O quadro, um acrílico sobre tela de grandes dimensões (1,95mx1,30m), foi dado como desaparecido em Setembro de 2003, quando a Presidência da República solicitou ao Ministério da Cultura a sua cedência, a fim de ser integrado numa exposição de Arte Portuguesa que iria realizar-se em Istambul, adianta a nota.Um inquérito interno ao caso, ordenado pelo Ministério da Cultura, terminou meses depois sem que a obra tivesse sido localizada, conseguindo-se apenas apurar que fora vista pela última vez em público em Junho de 1994, numa exposição em Paris, tendo sido entregue ao CCB três meses depois.

Nos dois anos seguintes, surge listada em documentos internos, mas após 1996 não há mais informações sobre a sua localização no acervo. Referindo-se às conclusões do inquérito, em Janeiro de 2004, o semanário “Expresso” noticiava que a então directora do centro de exposições, Margarida Veiga, sublinhava “não era possível assegurar a total inviolabilidade das reservas” do CCB. Apesar do desaparecimento, nem o CCB nem o Ministério da Cultura apresentaram queixa às autoridades, mas a Polícia Judiciária acabaria por incluir o quadro na lista de obras de arte furtadas de colecções públicas – uma informação que é ainda visível no seu site. O acrílico foi adquirido a Júlio Pomar, por dez mil contos (50 mil euros), quando Vasco Graça Moura dirigia a Comissão dos Descobrimentos, tendo ficado registado como propriedade do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), ficando na posse do CCB.

22 de Setembro - O presidente dos Bombeiros Voluntários de Arcos de Valdevez apontou ontem o centro de saúde local e uma empresa privada de ambulâncias como "os maiores responsáveis" no caso que culminou com a morte de um doente.
Para o presidente dos Voluntários de Arcos de Valdevez, Luís Sá, a BT "apenas fez o seu papel", já que "viu uma ambulância do tipo A-1, que não pode fazer urgências, com as luzes de emergência ligadas e alegadamente a cometer algumas infracções ao Código da Estrada e mandou-a parar, para ver o que se estava a passar".
Se este homem não fosse presidente dos bombeiros e se os agentes em causa não fossem da Brigada de Trânsito da GNR, alguém, ao ler esta notícia, poderia ser levado a pensar que um homem morreu porque alguns guardas estavam a fazer um frete para garantir aos Bombeiros o monopólio de transporte de doentes. Mas logo percebemos que não.

O que está em causa é apenas a observância escrupulosa dos preceitos estabelecidos numa sociedade civilizada. Fez a BT muito bem em obrigar o transporte ilegal a uma paragem de meia hora. Se o doente tinha pressa, que esperasse.

E, como cidadão cumpridor, aqui aviso desde já que se um dia alguém tiver que chamar uma ambulância para mim, exijo uma ambulância que não seja do tipo A1. Até posso falecer à espera, mas numa A1 nunca. Se o senhor presidente dos bombeiros de Valdevez diz que não servem, eu acredito.

Nova Aliança, 4 / Outubro / 2007