27.11.08

A Gebalis e a Justiça Inglesa

2 de Novembro - É preciso colocar em letras garrafais o nome dos senhores ex - administradores da Gebalis, em Lisboa, não vá dar-se o caso de os "reciclarem" um dia destes. Francisco Ribeiro, Mário Peças e Clara Costa usaram dinheiro público para propósitos que nada tinham a ver com o propósito da Gebalis. «O prejuízo causado totaliza 200 mil euros, gastos em viagens, refeições (no Gambrinus, Bica do Sapato, Porto de Santa Maria, etc.) e artigos de luxo. Sublinhar que 200 mil euros corresponde a 40% do subsídio anual atribuído pela Câmara de Lisboa à Gebalis. Um dos arguidos comprou duas canetas Mont Blanc, uma no valor de 1700 euros, outra no valor de 990. A única mulher do trio fez quinze viagens ao estrangeiro, num período de 20 meses, gastando nelas 34 mil euros (2267 euros por viagem). O senhor das canetas só fez três, nas quais gastou 6600 euros (2200 cada). O outro fez quatro, tendo gasto 1900 euros nos passeios, o que não deixa de ser um extraordinário exemplo de contenção de despesas.» Há gente presa, ameaçada de prisão ou com "medidas de coacção" por um mil avos disto. Ora isto é "pretralhismo" à portuguesa. No caso doméstico, é a fusão de um português com um "metralha", "dos Irmãos Metralha, sempre de olho na caixa forte do Tio Patinhas", o cofre público. Se vasculharem com método, verão que o que não deve faltar por cá é destes. Os de olho, mão e o resto na caixa forte.

6 de Novembro - Um camionista português foi acusado da morte de seis pessoas e vai ser presente a tribunal em breve. Paulo Jorge Nogueira da Silva é suspeito de condução perigosa num acidente ocorrido na terça-feira, na auto-estrada M6, em Inglaterra.
Segundo noticia a Sky News, Paulo Silva, de 46 anos, vai ser julgado pela morte de uma família de seis pessoas. Oriundos de Llandudno, no País de Gales, morreram carbonizados quando a viatura em que seguiam ficou, alegadamente, debaixo do camião conduzido pelo português.
Entre os mortos, todos da mesma família, encontrava-se uma bebé de 10 semanas, Ellouise Statham, que perdeu a vida, juntamente com os pais, David e Michele. faleceram, ainda, os outros três filhos do casal, Mason, 20 meses, Reece, 13 anos, e Jay, 9 anos.
Isto aconteceu na Inglaterra, cujo sistema judiciário é totalmente diferente do nosso, quanto ao modelo seguido. Nem os juízes, lá, são escolhidos como cá. Nem os procuradores são figuras comparáveis, às de cá. Nem, principalmente, as leis processuais, são idênticas às de cá.
Na Inglaterra, com séculos de democracia e atenção aos direitos individuais, uma pessoa como este português que interveio directamente num acidente de viação, tem este destino:
Depois do gravíssimo acidente ocorrido na terça-feira, portanto há dois dias, a polícia deteve-o e levou-o para a esquadra nessa condição. Provavelmente, teve direito a advogado, intérprete, defesa circunstanciada. Passados dois dias, é formalmente acusado de homicídio e segundo o jornal, já será julgado pela morte de seis pessoas.
Deve descontar-se, ao jornal, a notícia sobre o "julgamento". Estes jornalistas julgam-se dispensados do rigor dos termos informativos e muito mais do rigor conceptual que leva a explicar a quem não entende, o significado de expressões e assuntos que exijam algum conhecimento técnico.
Assim, um julgamento, não equivale a um interrogatório para aplicação de medida de coacção. E que pode ser a prisão preventiva, remível, neste caso, à famosa caução que só pode ter a natureza de carcerária, ou seja, para substituir a prisão.
E como acontece em Portugal?
Tomemos o caso paradigmático do acidente ocorrido há uns meses numa estrada rápida do Nordeste transmontano e que vitimou vários idosos, que seguiam num autocarro, abalroado por um veículo ligeiro.
Na altura, apareceu no local toda o circo mediático costumeiro, para tentar dar a explicação do sucedido. A única pessoa interveniente e sobre quem surgiram suspeitas de comportamento inadequado na condução ( confirmado indiciariamente meses depois), ficou em liberdade e nem sequer foi ouvida em declarações na altura. Muito menos detida ou com prognóstico nesse sentido.
O que a polícia de estrada ( GNR-BT) nesse caso, faz, é o trivial: tomar conta do caso, participar ao Ministério Público, e depois, investigar. A audição das testemunhas e suspeitos, com recolha de provas fica por conta da polícia, também. Ao fim de alguns meses, por vezes longos, elaboram um relatório onde dão conta do resultado da investigação. Nesta altura, esses relatórios são tecnicamente bem elaborados, com indicações concretas das causas possíveis do acidente e dos responsáveis.
Só depois disso, o MP, elabora o despacho final no processo com vista ao destino que pode ser a acusação penal.
E depois dessa acusação, decorre um prazo de algumas semanas, para uma eventual instrução a cargo de um juiz e para reapreciar os fundamentos da acusação, se for esse o caso.
Só então, passados mais uns meses ou semanas, o processo chega à barra do tribunal propriamente dito. Com o julgamento a demorar o que tiver que demorar ( alguns, pelos vistos, demora anos!).
Tudo isto em resultado das leis que temos e nada mais. E em boa parte dos casos, para inglês ver.
Mesmo dando o devido desconto, pelo julgamento aqui anunciado, a verdade é que a formulação de um "indictment", de uma acusação formalizada no sentido de a polícia ter recolhido provas do facto criminoso, suficientes para apresentar o suspeito ao juiz, em dois dias, é motivo de reflexão sobre os nossos métodos. Que não sobre o modelo...



Nova Aliança, 13 / Novembro / 2008

7.11.08

A ERC, o equilíbrio na televisão e a "literatura" de José Rodrigues dos Santos

4 de Outubro - Leio no Expresso online: “No relatório intercalar de avaliação do pluralismo político-partidário divulgado esta semana, a ERC diz que a RTP deve "promover uma representação mais plural de forças e sensibilidades político-partidárias". (...) A direcção da RTP já decidira diminuir, depois de sucessivas insistências da ERC, o tempo de antena de Marcelo para o equilibrar com o do socialista António Vitorino. Segundo o Expresso apurou, em preparação estará uma nova grelha de comentário político que deverá dar espaço aos outros partidos durante o ano eleitoral que aí vem. O professor, cujo comentário dominical na televisão pública foi reduzido no regresso de férias em 15 minutos - passou dos 35 habituais para 20 minutos, para ficar mais equilibrado com os 15/20 que Vitorino ocupa à segunda-feira -, acha bizarro associarem-no a uma mera voz do PSD”.
Ora bem: depois de mais este momento ASAE da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação), sugiro que a RTP tome medidas profundas no sentido da poupança dos custos com pessoal. É que começam a não fazer falta na casa directores de informação, editores, chefes de redacção. Basta um elemento designado pela ERC, munido de um cronómetro, e o jornalismo da estação pública tornar-se-á impoluto, isento e livre. Com tempos marcados para cada partido, cada instituição, talvez mesmo uma distribuição equitativa e justa do tempo dedicado ao crime em função da sua representatividade no espectro nacional...
Bizarra não é a peregrina ideia de ver Marcelo como um “representante” do PSD – para mim, o seu valor acrescentado é a capacidade de expressão, a inteligência, a cultura e o raciocínio que exibe semanalmente -, bizarra mesmo é a existência da ERC...

PS - A subversão de todos os valores que identificam e marcam o jornalismo – trabalho editorial, escolha, hierarquia da informação -, é levado ao extremo por esta Entidade, que quer transformar os espaços jornalísticos da RTP numa versão pós-moderna dos Tempos de Antena. Triste sina, a do jornalismo televisivo nos dias que correm: voltar àquelas longas e penosas horas de emissão a preto e branco, nos idos de 70, com espaço e tempo marcado para partidos, movimentos, associações, grupos jantaristas, escuteiros, produtores de leite, eu sei lá...
8 de Outubro - Manuel Sebastião (aquele que comprou uma casa ao ministro Manuel Pinho, ao que dizem, sem contrato promessa nem escritura), elucidou hoje, no Parlamento que demora cerca de um mês para que os preços dos combustíveis reflictam as oscilações do preço do barril do petróleo.
O amigo de Pinho deve ter feito a média: é que quando se trata de subir o preço demora muito menos - mas quando já é para descer o período de tempo parece-me ser bem maior…
10 de Outubro - «Os meus romances são muito meus. Não conheço nenhum autor que escreva os romances como eu os escrevo. (...) Sinto-me à vontade com qualquer género, o que importa é que eu e o leitor tenhamos prazer.(...) Construo o livro na minha cabeça e o problema é os meus dedos serem suficientemente rápidos para acompanhar as ideias que fluem da minha mente.» Não, não é Hugo, Flaubert, Dostoievsky, Roth, Clezio, Coetzee ou mesmo Rosa Lobato Faria. É apenas Rodrigues dos Santos em delirante auto-retrato. A avaliar por esta fantástica "percepção" de si mesmo - do seu "prazer", da sua "cabeça" e dos seus "dedos" - JRS ainda um dia fará literatura a partir do leite derramado nos calhamaços que deposita periodicamente nos supermercados. Por enquanto não.


Nova Aliança, 30 / 12 / 2008

O património de Lisboa e o ensino do português

29 de Setembro - "Estou de plena consciência. Aluguei um andar, legal, com valores legais", disse a sra. D. Ana Sara Brito, ao lado de Costa, o presidente da CML de quem é vereadora. Acrescentou que se tratava de "uma casa atribuída legalmente e de acordo com critérios à época e a situação à época." Talvez a criatura quisesse dizer que "estava de consciência tranquila" e saiu-lhe a "plena consciência" que, afinal, com a explicação posterior dos "critérios", acaba por ser freudianamente mais adequada. Pelo meio mencionou a inevitável "ética" e a "confiança" de Costa. Está certo. Trinta anos de maus hábitos não se mudam de um dia para o outro. Mesmo que lhe chamem "património disponível". Só o nome da coisa é todo um programa.

30 de Setembro - Em poucos dias - não é "notícia" porque estraga o falso "glamour" em que o regime vive - suicidou-se uma meia dúzia de agentes policiais, ora da GNR, ora da PSP. Desde quase adolescentes (vinte e pouco anos) até homens mais maduros, esta gente que supostamente vela pela nossa existência, decidiu colocar um termo à deles porquê? A presença constante de uma arma é tentadora? A vida "privada" e a de agente da autoridade cruzaram-se em algum nó górdio irreversível? Sem provavelmente terem lido muita filosofia, estes homens, no acto limite do suicídio, descobriram aquele que alguns consideram o único "tema" verdadeiramente filosófico. E levaram, para a eternidade, esse segredo. Falo disto porque eram pessoas com uma função especial que, diz-se, o regime tem o dever de acarinhar para que eles cumpram o dever de nos proteger. Afinal, nem eles conseguiram proteger-se de si próprios. Dá para pensar.

1 de Outubro - O SEF/Porto deteve cinco estrangeiros suspeitos dos crimes de usurpação de identidade e de uso de documento alheio, por se encontrarem a fazer exames de língua portuguesa em lugar de outros, revelou fonte escolar.
Cinco homens, dois paquistaneses, um marroquino, um são-tomense e um guineense, foram detidos nas escolas Almeida Garrett de Gaia e Carolina Michaelis do Porto quando tentavam fazer o exame de língua portuguesa, em vez de outros imigrantes (do Gana, do Paquistão, da Índia e de Marrocos) - e com identidade falsa. (...) As autoridades suspeitam de que o actual sistema de exames tem proporcionado um grande número de fraudes a nível nacional, com imigrantes com alguns anos de permanência em Portugal, a substituírem outros que pouco ou nada falam e escrevem português." Lusa
A nova Lei da Nacionalidade exige que um imigrante que solicite a nacionalidade portuguesa, tenha, entre outros requisitos, um conhecimento mínimo da língua falada e escrita, o que implica a realização dos respectivos exames.

Espero que a diligente Directora Regional de Educação do Norte não passe mais esta informação à Ministra da Educação. Com a vontade que a Ministra tem de alcançar a marca de 100% de sucesso escolar, este método pode mesmo vir a fazer "escola".

2 de Outubro - Na inimitável "Quadratura do Círculo" o dr. Costa, presidente da CML e ilustre dirigente do PS absolutista, acusou a blogosfera de ser um "submundo" que manifestamente o repugna. Bastou olhar para a cara dele quando começou a falar da coisa para perceber que, se pudesse, vontade não lhe faltava para suprimir o referido "submundo". Pacheco Pereira "salvou" um por cento da blogosfera desse "submundo" e adiantou que esse um por cento valia por muitas das coisas que se publicam e exibem na tranquila "superfície" desejada por Costa. Concordo com isto e também abomino o anonimato. Tal como acho que noventa e nove por cento do que se escreve nos jornais, se ouve na rádio e se vê na televisão é "submundo". Todos os dias , aliás, me deparo com a dificuldade em descobrir na percentagem que resta algo que me ilumine, esclareça e não me meta nojo. Aliás, mais valia ao dr. Costa ter estado calado. Será que ele ainda não reparou que até uma respeitável instituição como a CML possui um anónimo "submundo" que o presidente não domina, não conhece e manifestamente receia?
3 de Outubro - Uma mulher de 90 anos que vive há duas décadas num contentor em Viana do Castelo vai finalmente ter direito a «casa a sério», graças à construção de uma passagem inferior à linha de caminho-de-ferro. Esta senhora não teve a "sorte" de viver em Lisboa. Provavelmente a Câmara de Viana do Castelo não tem "património disponível", como a CML, e a senhora não tem amigos que lhe "metessem cunhas" para, em vinte anos, arranjar uma casa. Quem, dos bafejados pelo "património disponível" da CML, estaria pronto a aguentar a vida num contentor?

Nova Aliança, 16 /10 / 2008

9.10.08

Os assaltos, Cristiano Ronaldo e as massagens

7 de Setembro - Se um ingénuo forasteiro aterrasse em Portugal há um mês e assistisse a alguns dos noticiários nacionais, por certo assustar-se-ia com o país, aparentemente sem lei e a saque, um hollywoodesco faroeste europeu. Até um jornal diário como o Correio da Manhã teve necessidade de criar um infograma diário com o seguinte título: “Assaltos das últimas 24 horas”.
Doutro modo se  o ingénuo turista desembarcasse na última semana e atendesse a alguns dos recentes  telejornais, verificaria confortado as inúmeras reportagens de rusgas e intervenções policiais, perseguições e musculadas detenções ao vivo, qual reality show, um triunfante espectáculo do país a ser posto por ordem ali mesmo em directo.

Pensará, agora sim, este é um país seguro. E tem razão, senão vejamos: as placas identificativas dos estabelecimentos comerciais devem ser presas na parede por “parafusos de aço inox em cada canto, com 8mm de diâmetro e 90mm de comprimento”, determina uma portaria rectificativa do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros. Os anteriores parafusos mediam apenas 60mm e havia que manter a segurança das placas, prevenir a sua queda e as suas nefastas consequências sobre comerciantes e clientes.

8 de Setembro – Felizmente, ainda há notícias assim ( aspas do Correio da Manhã ): Giovanna tem uma hepatite incurável. Em Julho foi-lhe induzido o estado de coma para evitar as dores. Mas, antes, Giovanna pediu que a despertassem do coma para poder casar com o companheiro e pai do seu filho.

Aconteceu no passado domingo, em Pádua. O noivo, as testemunhas e o celebrante tiveram de usar máscaras e vestes esterilizadas e a cerimónia realizou-se em plena unidade de Cuidados Intensivos. A noiva estava em sofrimento físico mas feliz. Caiu em coma logo após o ‘sim’. Apesar de não dever recuperar mais a consciência, o seu marido garantiu que a sua vida terminará “num raio de alegria, uma felicidade que nada lhe roubará”.

9 de Setembro – No jornal “Sol” deparamo-nos com um Homem: «Ramalho Eanes prescindiu dos retroactivos a que tinha direito relativos à reforma como general, que nunca recebeu. O Governo diz ter sondado o ex-Presidente, que não aceitou auferir essa quantia (a qual ascenderia a mais de um milhão de euros). A reforma só começou a ser paga em Julho, mas sem qualquer indemnização relativa ao passado.»

10 de Setembro - Cristiano Ronaldo quis ir à Madeira, sua terra natal, para receber uma "bota de ouro". Parece que tencionava homenagear, a título póstumo, o pai. No aeroporto, ignorou os compatriotas que o foram saudar à chegada. Em Viseu, durante o estágio da selecção, já tinha feito o mesmo. Ontem, à porta do hotel onde foi coroado como tal, o "bota de ouro" fez esperar em vão umas dezenas de madeirenses orgulhosos por o pé que calça a "bota" ser um dos seus. Ilusão deles. Mais uma vez, Ronaldo só estava disponível para o que o esperava lá dentro: o sr. Horácio Roque – financiador da operação - e as televisões.

Babaram-se uns para os outros porque, naturalmente, estão muito bem uns para os outros. Ex-pobre, imaturo e ignorante, o "bota de ouro" não passa de um deslumbrado com talento nas pernas. Nas três pernas, a avaliar pelo galinheiro que cacareja permanentemente atrás dele nas revistas ditas “sociais”. De resto, o dinheiro encarregou-se de destruir o menino que jogava na rua inclinada com os vizinhos cuja alegria se quis manifestar junto dele e que ele, moldado pelo espectáculo em que se tornou, se recusou a partilhar. O "bota de ouro" é o expoente de uma certa alarvidade "social". Uma alarvidade que brilha tanto ou mais do que o ouro da bota. E que costuma acabar tão surpreendentemente como começa.

15 de Setembro – Esta foi uma das tiradas de Verão: "Toda a gente sabe como começa uma massagem, nunca se sabe é sabe como acaba".
Caramba!, isto não dava uma proibição, dava era um magnífico slogan publicitário:
 
 
"AllGarve. Because every one knows where a massage starts, no one knows how it ends...".

Nova Aliança, 18 / Setembro / 2008

Palin, a ERC e o Magalhães

6 de Setembro - Esta coisa da Sarah Palin ter contratado uns amigos para uns cargos lá no Alasca é um problema para o qual nós portugueses somos muito sensíveis e exigentes. Não o admitimos lá, num país e num Estado que não é o nosso, e muito menos o admitiríamos – estou certo - aqui ( onde, graças ao nosso espírito crítico, estes problemas não existem ). Político que o fizesse cá teria a sua carreira terminada no dia seguinte. O que é notável nos portugueses não é apenas o seu sentido ético. O que é notável é o seu sentido ético universal, independente dos interesses próprios, do local ou da cultura. A preocupação desinteressada por questões éticas no governo do Alasca é comovente.

8 de Setembro - Normalmente as coisas passam-se assim: ou é a vida que imita a arte ou é a arte que imita a vida e não há que tomar partido. Ambas as situações são boas. A diferença está no preço. Não vale a pena discuti-lo porque o mercado da vida e o da arte encarregam-se de o regulamentar. Por exemplo, vacas.
O artista Damien Hirst enfiou uma vaca inteira numa barrica transparente cheia de formol e vendeu-a por 11,5 milhões de euros a um coleccionador de Londres. É o preço da vaca artística.
Em Idanha-a-Nova desconhecidos roubaram uma vaca de uma quintarola e o proprietário do animal afirmou-se lesado em 13 mil euros. É o preço da vaca não-artística. Há aqui uma disparidade. É o preço do formol, certamente.

10 de Setembro - Apesar de intimada pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), em Janeiro, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) só agora permitiu que o Expresso consultasse o "processo Sócrates", de quase 300 páginas.
Inicialmente, a ERC recusou a sua consulta, tendo o semanário protestado junto da CADA. Uma edição recente do jornal revelava pormenores sobre as audições, que tiveram como objectivo avaliar a existência de pressões sobre os jornalistas no caso do diploma de Sócrates.
A ERC concluiu ser normal que existam pressões nas relações entre jornalistas e políticos. Esta conclusão é aventada no acórdão que se reporta às diligências efectuadas pelo Governo e pelo próprio primeiro-ministro, José Sócrates, para que fossem travadas as notícias sobre a sua licenciatura na Universidade Independente.
Assumindo "um certo grau de tensão", a ERC refere que ela é compreensível, "dada a cultura profissional dos primeiros e pelo choque que resulta do facto de ambas as partes agirem com interesses divergentes". Por outro lado, a ERC entende que Sócrates, ao tentar travar na imprensa as notícias sobre a sua licenciatura, não efectuou qualquer pressão, antes fez démarches. ( Repararam na subtileza???? )
A ERC concluiu que os telefonemas efectuados para o jornalista do PÚBLICO que investigava o caso, Ricardo Dias Felner, e para o director do jornal, José Manuel Fernandes, apesar de terem sido feitos pelo próprio Sócrates, não reuniam "elementos factuais que comprovem ter existido o objectivo de impedir, em concreto, a investigação".
Tanto Ricardo Dias Felner como José Manuel Fernandes, nos depoimentos que fizeram na ERC, disseram que o modo como foram abordados pelo primeiro-ministro resultou numa "tentativa de pressão ilegítima". O director do PÚBLICO foi ainda mais longe, reportando-se à conversa com Sócrates, no decurso da qual o primeiro-ministro teria dito: "Fiquei com uma boa relação com o seu accionista [Paulo Azevedo] e vamos ver se isto não se altera." Qualquer semelhança entre esta declaração e uma forma de pressão é certamente mera coincidência.

14 de Setembro - O "Magalhães" vai dar pano para mangas. Já vamos na segunda leva. Primeiro, houve aquele anúncio de um "produto nacional" que, afinal, de "nacional" tem apenas um terço. Depois - aconteceu hoje - o governo deslocou-se em bando a escolas, cheio do "Magalhães" e de "controlo parental". Este neologismo quer dizer que é suposto os paizinhos atentarem naquilo a que os meninos têm acesso através do bicho. A SIC experimentou três e foi parar a sítios de "gatas maravilhosas". O "Magalhães", por consequência, promete não apenas "info-ligados" (um belo termo da lavra do 1º ministro) mas igualmente "adiantados sexuais". Finalmente, o "Magalhães" terá o seu apogeu quando, dentro de dias, Chávez vier cá comprá-lo, com ou sem as "gatas maravilhosas". Grande "Magalhães".

15.9.08

Obikwelu e o medalheiro olímpico

20 de Agosto – Obrigado
"Agradeço a todos, porque estiveram a ver-me na televisão, e peço desculpa." Eu estive a vê-lo na televisão e tomo a frase para mim: Francis Obikwelu pede-me desculpa!

Ele ainda há-de engolir essas palavras. Quem pensa ele que é? Vou--me a ele e espeto-lhe o dedo no peito: "Oiça lá, meta as desculpas onde quiser. Eu não as admito, ouviu?! Eu de si só quero que aceite o que tenho a agradecer-lhe." E, depois, disparo.

Desde logo aquele dia de Atenas em que fiquei sentado no estádio muito mais tempo do que ele levou a fazer - a uma vintena de metros dos meus olhos - os seus 100 metros de prata. Não conheci o vencedor. Nem me preocupei. Só ele contava não porque fosse belo a correr, mas porque dele sabia-lhe a história.

Tenho emigrantes na família e o africano Francis Obikwelu veio para Portugal aos 16 anos. Obikwelu trabalhou nas obras e, diz-se, acarretando os sacos de cimento arranjou a estrutura muscular que haveria de o prejudicar nos arranques das corridas (pois é, ser pobre paga-se). Para fazer aquilo que queria, atletismo, chegou a dormir sob as bancadas do estádio do Belenenses.

Aconteceu que Francis Obikwelu encontrou uma família portuguesa que lhe deu a mão e aconteceu que a essa família ele deu aquele sorriso com que brindou o Ninho de Pássaro, ontem, antes de sabermos que era a sua derradeira corrida. Com Portugal, Obikwelu fez o mesmo, um contrato. Coisa simples e entre iguais: eu dou e tu dás.

Sendo assim, porque digo que lhe estou agradecido? Porque são raros os que, como Obikwelu, não pedem, trocam. Ou, melhor, não são raros, fala-se de mais é dos outros. Ontem, lamentando não ter dado o que os portugueses esperavam, Obikwelu disse: "Este é o meu trabalho e queria pelo menos dar uma final aos portugueses."


Repararam na palavra? Trabalho. É a palavra dos homens. Obrigado, Obikwelu.

22 de Agosto – Medalheiro
No fim dos jogos olímpicos de Atenas, um responsável da União Europeia exultou: a União Europeia tinha ganho 286 medalhas, contra as 103 ganhas pelos Estados Unidos.

Fiquei a saber que a União Europeia tem competências em tudo, incluindo no desporto. O mesmo responsável disse ainda que em 2008 em Pequim vai ser ainda melhor. Porquê? Porque o desporto europeu se vai desenvolver ainda mais? Népias. Porque a Roménia e a Bulgária vão aderir à União em 2007 e a União vai passar a ter mais medalhas em ginástica, boxe e halterofilismo. Ao que parece, está a ser estudada a adesão da Etiópia e do Quénia, fortes nas corridas de fundo, e de algumas ilhas das Caraíbas com tradições nas corridas de velocidade.

As medalhas europeias tornaram-se motivo de orgulho para alguns blogs internacionalistas, para os quais o nacionalismo é mau, excepto à escala continental e contra os Estados Unidos.
Há apenas um pequeno detalhe a estragar a festa: a União Europeia não é um país e não está sujeita aos limites de 3 atletas por modalidade individual e de uma equipa por modalidade colectiva.

Desde os Jogos Olímpicos de Paris de 1924, mais de três dezenas de atletas portugueses alcançaram o pódio, em diferentes modalidades.

Esses atletas deram a Portugal dez medalhas no atletismo (quatro de ouro), uma medalha de prata no ciclismo, três medalhas de bronze no hipismo (colectivas), uma medalha de bronze na esgrima (colectiva), uma medalha de bronze no judo, uma medalha de prata no tiro, uma medalha de prata no triatlo e quatro medalhas colectivas na vela (duas de prata).

O estado do tempo, a poluição, a hora da competição e as histerias de éguas ou cavalos nunca constam do quadro de resultados ou dos almanaques olímpicos. Também não é uma prática a inscrição de alegadas interferências da arbitragem em notas de rodapé à frente do nome dos medalhados.

Mas deixem-me perguntar: se a nossa sociedade é “balda” e pouco rigorosa, não serão os nossos atletas um espelho muito real?|

Eu também gosto de não pagar impostos, receber bolsas para fazer o que gosto, aprecio a caminha de manhã, bloqueio quando vejo multidões, não gosto de me cansar... Será que posso ir a Londres 2012?


Nova Aliança, 4 de Setembro de 2008

O Racismo e as previsões do Banco de Portugal

12 de Julho -Rui Tavares poderia ter escrito uma crónica igualzinha a menorizar o assassinato de Alcino Monteiro. Racismo? Crime motivado pelo ódio racial? Nada disso. Se fosse no Porto, lá entre eles, ninguém diria que é racismo. Porque é que em Lisboa haveria de ser diferente? O que aconteceu com Alcino Monteiro ou o que aconteceu na Quinta da Fonte é criminalidade comum, excepções a que não se deve dar grande importância. Coisas que dão jeito ao Paulo Portas e nada mais. Ah, claro que podemos discutir coisas profundíssimas como as armas ilegais, o bairro social, o racismo e preconceito inter-étnico (nomes diferentes para a mesma coisa, mas a segunda designação torna o racismo mais compreensível) etc. Mas agora não me apetece. Rui Tavares acha que, se desconversar, o caso da Quinta da Fonte deixa de ser um caso evidente de conflito inter-étnico. Rui Tavares, no Público de hoje, dá hoje uma resposta incisiva a todos os que achava que a esquerda tinha ignorado e assobiado para o ar, no caso da Quinta da Fonte. A Fernanda já tinha aflorado o assunto, desmentindo aqueles que, como eu, imaginavam que o único tema que levaria o 5 Dias dissertar sobre  “acontecimentos” na Quinta da Fonte seria a veemente denúncia de preconceitos sociais conservadores atávicos que impediam a concretização de um casamento gay inter-étnico no bairro. O caso da quinta da fonte demonstra o que acontece quando as minorias passam a maiorias. Fico mais descansado por saber que todos diferentes mas todos iguais. A Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural considerou hoje os confrontos com armas de fogo no bairro da Quinta da Fonte, em Loures, um caso "isolado"."Na sexta-feira à tarde, meia centena de indivíduos de dois grupos envolveram-se em confrontos com utilização de armas de fogo, segundo a PSP, que indicou ter detido dois indivíduos e apreendido algumas armas de fogo e munições de calibre variado. No dia anterior, uma rixa entre dois grupos de do mesmo bairro tinha provocado nove feridos ligeiros e danos em várias viaturas." (Lusa)Dois casos isolados, portanto. Está tudo bem.Pois bem, já ninguém pode argumentar que a esquerda ignorou o caso. O Rui dedica a sua crónica de última página, inteirinha, ao caso. Faz longas considerações sobre as noites do Porto, as noites de Lisboa, a vida como ela é e a nossa mania de interpretar erradamente os acontecimentos, bem ilustrada com comparações arrasadoras sobre crimes idênticos mas que nós interpretamos como diferentes. Consegue provar empiricamente que não é por dizermos ‘pretos e ciganos’ que os problemas se resolvem. O artigo é excelente. Conclui-se que, no passado dia 11 de Julho, na Quinta da Fonte, freguesia da Apelação, concelho de Loures, distrito de Lisboa, não aconteceu nada. Rui Tavares, no Público de hoje, dá hoje uma resposta incisiva a todos os que achavam
14 de Julho - "As previsões do Banco de Portugal só foram conhecidas depois do debate do Estado da Nação. (...) Isto chama-se Cooperação Estratégica….entre o Banco de Portugal e o Governo"Vítor Constâncio foi à assembleia da república. Como é um homem culto e muitíssimo inteligente não quis maçar os deputados com aquilo que é o seu trabalho e falou sobre quase tudo o resto. Políticas energéticas, nichos de mercado para exportações e outras coisas que mais. Sobre Aimar, curiosamente, nem uma palavra. «A confiança na nossa economia atingiu, já este ano, níveis mínimos verdadeiramente históricos. Crescimento, investimento, confiança, tudo parece afundar-se nos gráficos…
(...) É preciso dizer a verdade: isto não está a correr mesmo nada bem!!
Em qualquer país, esta situação há muito que teria feito soar as campainhas de alarme».
José Sócrates, AR, 2 de Outubro de 2003.
«Agora, o desemprego sobe mais entre as pessoas com curso superior e sobe mais entre os jovens!! (...) É por isso que, se há uma "imagem de marca" deste Governo, se há uma imagem que marca a governação desta maioria, ela é, sem dúvida, a marca do desemprego. Triste marca!
(...) O Governo só tem tido uma preocupação: por um lado, inventar desculpas, por outro, procurar culpados. E vai logo aos suspeitos do costume: a culpa já foi da "pesada herança", já foi dos sindicatos, já foi das leis laborais e até da Constituição, tendo passado, depois, para a conjuntura internacional»
José Sócrates, AR, 2 de Outubro de 2003

Manuel Pinho diz que "o Banco de Portugal prevê uma desaceleração do crescimento em Portugal bastante menor que em vários países europeus que estão à beira de uma recessão".
Manuel Pinho exemplificou com os casos de Espanha e do Reino Unido.
Outra das grandes preocupações do Governo no início do seu mandato, passava pela "generalização do acesso à Internet e às tecnologias de informação e comunicação (TIC)". Ora, se em 2005/2006, altura em que o Governo tomou posse, Portugal ocupava a 27.º posição no ranking que mede o acesso às TIC, tendo o Governo assumido o compromisso de melhorar tal posição, a verdade é que Portugal ocupa em 2007/2008 a 28.ª posição. Onde é que anda a oposição?
Uma das preocupações do Governo no seu Programa, passava pela fraca competitividade de Portugal "a fraca competitividade e a baixa produtividade estão na raiz do baixo crescimento da economia portuguesa. Em vez de melhorarmos, temos descido nos rankings internacionais". O Programa remete para um quadro, no qual constatamos que Portugal, em 2003/2004, se encontrava em 25.º lugar no quadro da competitividade. Ora, de acordo com a mesma fonte utilizada pelo Governo, Portugal, em 2007/2008, encontra-se em 40.º lugar no mesmo quadro da competitividade, o que significa que desceu 15 lugares desde 2003/2004. Onde é que anda a oposição?

Nova Aliança, 24 de Julho de 2008

Os "spin-doctors"

Os tempos andam difíceis para os “spin doctors”. Por esta expressão são conhecidos os conselheiros dos governantes, aqueles que pretendem estar um passo à frente do comum dos mortais. E andam difíceis porque a conjuntura teima em não dar tréguas, em desdizer aquilo que defendem. Querem alguns exemplos em quase quatro mil caracteres?
Depois de se considerar “o melhor primeiro-ministro” da história, Sócrates teve um baque ao conhecer os resultados do referendo irlandês. O seu empenho, a sua dedicação, o seu esforço, tudo por água abaixo. Tantos planos, tantos arranjos, e afinal a estratégia esboroou-se, qual castelo de cartas. Quanta injustiça, como diria o Calimero!! Quem, como ele, prometeu um referendo sobre o tema aos portugueses, assiste até ao momento à vitória do “Não” ao Tratado Europeu em todos os países que realmente deram voz às pessoas.
A prestação da selecção não deixou também muitas saudades em São Bento. Aquele que seria um período de esquecimento dos problemas reais foi, afinal, mais curto que o desejado. Aí estão de novo as listas de espera nos hospitais, a subida da inflação, o aumento dos impostos, as dificuldades de todos os dias. Scolari não terá em Sócrates um admirador porque “ajudou” o país a reencontrar o país em crise. Ora, foi Sócrates quem o segurou depois da agressão a um jogador sérvio, o que não é de estranhar porque, dizem-me agora, a empresa de comunicação que gere a imagem da selecção é dirigida pela mulher de Armando Vara, um amigo e, mais do que uma esperança, uma autêntica certeza do panorama bancário português.
Depois os exames. Eles servem para complicar? Estão enganados, isso era antes. Agora é muito simples: aumenta-se o tempo de duração e diminui-se o grau de dificuldade. Daí a “sugestão” para serem afastados os professores correctores que se afastem da média. As estatísticas são o mais importante e, por comparação, temos de fazer boa figura lá fora. Se sobre esta questão subsistir alguma dúvida, faça-se esta experiência: peça-se a um aluno universitário que faça os exames deste ano e ouçam-se as suas respostas sobre o grau de dificuldade. Elas serão evidentes. Ainda na Educação, há contudo uma medida a realçar: o Dia do Diploma será comemorado a 12 de Setembro. Se o leitor não alcança a importância desta medida, está a ser também “injusto”: nessa data os nossos jovens ficarão com a vida mais facilitada e com um diploma dos estudos concluídos no bolso. A 13 de Setembro a sua vida será, certamente, diferente e o mundo mudará.
Finalmente, a pose. A cor da gravata é estudada ao pormenor. Ela é da mesma cor da mesa do estúdio. Na última entrevista que passou na RTP ( é incrível verificar que em momentos de crise, há sempre uma entrevista estratégica… ), tudo está feito para prestar um serviço de propaganda ao primeiro-ministro. O ar nervosinho dos dois jornalistas ( parecem ir prestar provas a um patrão possível ), aquela solenidade tossida e composta do ambiente no estúdio, aquele belo cenário em fundo condizente com a gravidade da coisa. Antes, as imagens da chegada e depois da caminhada de Sócrates para o estúdio - vedeta ansiada que chega com aquela leve mostra de nervosismo que convém sempre às grandes personagens cientes da sua tremenda, pesada responsabilidade. Ele vela por nós. Não se preocupem, pequeninos desamparados e aflitos. Ei-lo que chega. E ele logo à primeira pergunta, a da "crise", põe aquele ar
( quem não vê que é postiço? ) de gravidade ( o peso, o tremendo peso... ), de franzida preocupação. A situação é muito difícil, é, não brinquemos à política que eu estou aqui para me preocupar com coisas sérias e para vos tratar da saúde. E trata mesmo, essa é que é a verdade!

Nova Aliança, 10 de Julho de 2008

2.7.08

Amy Winehouse, Mário Lino, o Latim e os Exames

31 de Maio – A desequilibrada.
Mas será que sabem quem é Amy Winehouse? A rapariga tem problemas com a droga e o excesso de alcool. Foi presa por diversas vezes, a última há cerca de 2 semanas por causa de drogas. Já se tentou matar. O marido, que está actualmente preso, chega-lhe com frequência e, ao que parece, também já a tentou despachar. O calibre é tal que os pais já por diversas ocasiões pediram (rádios, tvs) que ninguém comprasse os discos da filha. Uma das músicas mais conhecidas de Amy fala da tal "rehab" de que precisa com urgência, mas que se recusa fazer. Aparece nos concertos invariavelmente pedrada e/ou bêbeda (ontem, postei o vídeo de um concerto em que ela snifa coca em pleno palco), chega atrasada ou, simplesmente, cancela concerto atrás de concerto. Mesmo em cerimóminas de entregas de prémios aparece imprópria para (do) consumo (ver últimos Grammys, acho). Amy é, ainda assim, um fenómeno que vende discos como poucos e que no ano passado ganhou tudo o que havia para ganhar. A rapariga é, obviamente, desequilibrada, como foi Kurt Cobain e Jim Morrison na música ou Maradona no desporto. A genialidade desta gente tem o seu preço. É por isso que não compreendo quem tenha ficado admirado com a forma como Amy se apresentou hoje em Lisboa. Porventura pensaram que ela viria sóbria e na posse de todas as suas faculdades? Amy foi igual a si própria e se assim continuar está visto como é que a história vai acabar.

2 de Junho – O “eterno” Lino.
O eng. Lino é um caso. Não é possível antipatizar completamente com o homem, muito menos tomá-lo absolutamente a sério. Já se percebeu que tem poder embora não se perceba exactamente porquê. Por muito menos, outros foram afastados na maior discrição. Pelo contrário, Mário Lino, o homem que veio das águas para o betão, não só fica como "doutrina". Lurdes Rodrigues, por exemplo, nunca mais foi avistada. Desapareceu em combate. Lino, não. É braço direito e esquerdo do seu primeiro-ministro, um anacoreta em forma de pontes e de acordos com camionistas. E "doutrina", dizia eu. «O País tem plena consciência das dificuldades resultantes da situação herdada do Governo anterior, assim como do aumento do preço do petróleo», eis como Lino sintetiza o seu "pensamento" numa entrevista. Três anos depois de ser membro do governo, Lino fala como se não fosse nada com ele. Tudo subsiste à conta dos parcos meses de Santana e das circunstâncias "externas". Afinal, Lino tem estado apenas a fazer figura de corpo presente. Nem sequer temos a certeza se ele tem tido "consciência" do que é que o tem ocupado nos últimos três anos. O país, assegura, tem. Oxalá tenha.

6 de Junho – Gastar o Latim.
Em apenas dois anos a frequência das aulas de Latim diminuiu 80%. Este ano há apenas 300 alunos a fazer exame da disciplina, o que é bem pouco. A tendência portuguesa é contrária à dos outros países europeus e americanos, onde os estudos clássicos não baixaram a frequência. Não nos podemos queixar. O secretário de Estado Valter Lemos, uma luminária, diz que os alunos não têm interesse no Latim e que “as políticas educativas” não são culpadas. Está errado, como é seu costume. Basta ver a forma como “as políticas educativas” tratam as Humanidades e como o linguajar dos seus queridos técnicos têm assassinado o Português. A “sociedade” não preza o Latim como não preza o património nem o passado, e está no seu direito. Mas fica mais pobre.

17 de Junho – Os Exames.
Os exames nacionais finais do ensino básico e secundário começam na próxima terça-feira, com as provas de Português, e são protegidos por 7.000 militares da GNR.
Com a época, logo aparecem os comentadores e os tratadistas, os pedagogos, psicólogos e metodólogos, e todos os muito bem pensantes a alertar para os traumatismos e o horrendo stress que os exames provocam nas tenras mentes de quem se sujeita a tais absurdas provas.
A situação é relatada em artigo de Mário Cordeiro, professor de Pediatria, no DN do passado domingo, na Notícias Magazine.
“Exames, exames…é o stress total. Filhos angustiados, pais em pânico, horários em desordem, quartos a parecerem cenários de pós-guerra, discussões a estalarem por tudo e por nada. É assim a vida de muitas casas onde há jovens a aproximar-se da receada hora dos exames…”
Enfim, é gentinha desta que a nossa educação está a criar: florzinhas de estufa, que se enervam e estiolam a qualquer aragem…Sugiro que os ponham sempre numa redoma: na escola, no trabalho, na vida. E tenham-lhes um psicólogo sempre à mão, preferentemente com os mesmos problemas. Consolar-se-ão uns aos outros!...
Cá por mim, começo agora a ficar traumatizado por não ter ficado traumatizado com os exames que fiz!...
Até porque arranjar um qualquer traumatismo psicológico é mesmo a única forma que me resta de não ficar fora do sistema…

Nova Aliança, 27 / Junho / 2008

A noiva devolvida e o Europeu de futebol

26 de Maio – “Longa cobardia”
Ferreira Fernandes no Diário de Notícias: “Antigamente - um pouco depois dos tempos em que ele, de moca e de osso atravessado no nariz, a arrastava pelo cabelo até à caverna - o lençol nupcial era exposto no bairro. Se havia sangue, a noiva era virgem e o casamento podia seguir em frente. Antigamente..., iludo- -me eu, como se as coisas não pudessem voltar para trás. Em Lille (Norte de França), um tribunal anulou um casamento porque a noiva - muçulmana como o noivo - mentiu sobre a sua virgindade. Na madrugada do casamento, o noivo, engenheiro, levou a noiva a casa dos pais dela porque lhe faltava uma peça (assunto privado). E um tribunal, no ano de 2008!, deu-lhe razão (assunto público). Deixo para os advogados e juízes o valor jurídico do ela ter mentido, como se a lealdade pudesse existir entre desiguais (o engenheiro não teve de jurar a sua virgindade, nem tinha como a provar). A nossa cobardia está a atirar estas novas europeias para o passado. Assim, o passado virá ter com todos nós, não tarda."

28 de Maio – Talvez resquícios.
Uma destas noites ouvi parte de uma interessante conversa entre Constança Cunha e Sá e Silva Lopes, na TVI. Silva Lopes é uma daquelas figuras que apetece ouvir, mesmo quando se discorda: exibe liberdade, sinceridade e autoridade. Estas coisas, quando são verdadeiras, percebem-se até pela linguagem corporal. Silva Lopes estava descontraído e gesticulava livremente conferindo ao seu discurso uma autenticidade que os «certinhos» do costume não conseguem imitar – porque são falsos.
A conversa ia longa. Eis senão quando o professor deixou cair um comentário lateral que me deixou a pensar: para salientar o espírito algo volúvel dos portugueses utilizou o velho exemplo dos sinais de luzes que os condutores utilizam para avisar os outros da presença de forças policiais na estrada. Esse hábito português tem sido muitas vezes referido como sintoma de atraso civilizacional. Permitam-me discordar. Nesta crítica detecto um resquício invisível da herança cultural salazarista. A ideia de que o Estado através dos seus inúmeros agentes deve estar em cada esquina a vigiar-nos, pronto para mais uma multa, é tão absurda como culturalmente obsoleta. Em Espanha, por exemplo, a localização de todos os radares de controlo de velocidade está disponível em diferentes sites. Não é função do Estado garantir a nossa segurança na estrada pela via da repressão. É mais eficaz para garantir o cumprimento das velocidades autorizadas, numa auto-estrada, um carro caracterizado da BT do que um anónimo. Esse carro anónimo é uma expressão de visão repressiva do Estado e própria de sociedades que prezam mais a força do que a liberdade e a responsabilidade. E o tal sinal de luzes é mais eficaz no aconselhamento à moderação do que uma brigada escondida num arbusto. Evita a multa e obriga a travar. É isso que se espera do nosso Estado: mais do que existir para punir, deve estar presente antes do arbusto e enviar todos os sinais de luzes.



30 de Maio – Vem aí o cansaço.
A vida cansa. O Verão está quase aí e a selecção Scolari prepara-se para mais um mês de paciência moída, esperas a jogadores, desvario de jornalistas em reportagem, peregrinações de autocarro e outras deambulações pelo lado mais negro da alma humana.
Avanço pelo cinismo dentro, claro, admitindo que talvez, reafirmo, talvez, passe este mês colado ao ecrã, de jogo em jogo, adequando horário laboral às melhores partidas e aos jogos da selecção. Eu sei que assim será, mas bem que me poderiam poupar os preliminares. Vamos falar claro: não quero telejornais infindáveis sobre a dieta dos jogadores, os treinos dos jogadores, as mulheres dos jogadores, a ausência de vida sexual dos jogadores, as fãs dos jogadores, os velhos da aldeia que vêem a banda passar sem que a banda se digne a parar por eles (mas um microfone, esse, pára por qualquer coisa); aceito um pouco de comentário do Luís Freitas Lobo ou do António Tadeia, mas por favor não convidem o Oliveira do alho no balneário ou o Artur "olho negro" Jorge para dissertar sobre o trabalho do seleccionador ou as vicissitudes do apoio de um país à selecção; transmitam na televisão as grandes partidas de campeonatos de outros tempos, mas evitem os vislumbres dos toques do Ronaldo (apesar de andarem pelo You Tube umas imagens fantásticas de Ronaldinho e outros jogadores da selecção brasileira a curtirem com a bola num treino); podem mostrar entrevistas do Eusébio a falar do Mundial de 66, mas recusem o facilitismo da conversa com o emplastro sobre as decisões tácticas do seleccionador nacional.
Eu sei que posso escolher: mudar de canal, desligar o televisor, sentar-me a ler um livro - ou até voltar a ligar o aparelho e aproveitar para ver na Eurosport as retransmissões de partidas clássicas de antigos campeonatos. Mas, por defeito cultural ( a minha portugalidade ), queixo-me. Um mês de paz e sossego (relativos), de comemorações na rua, alegria para esquecer o cansaço da vida, uma dieta contida de transmissões sem gordura, sem refegos e enchidos para dar cabo do colesterol e da paciência.
A maior conquista de Scolari? Pôr um país inteiro um mês de quarentena. Portugal prepara-se para se exilar de si próprio.

Nova Aliança, 13 / Junho / 2008

O Estado da Nação, o Dicionário de Calão e Francisco Lucas Pires

2 de Maio – O estado da nação
Uma amiga regressa a Portugal e procura casa em Lisboa. Pede-me que a acompanhe a uma agência. Uma vez lá, diz ao que vai. Entre a Estrela e Entrecampos, está aberta a sugestões. Prefere construção dos anos 1950, não menos de 90 metros quadrados, não mais de 120, dispensa garagem, se possível duas casas de banho, ou espaço para construir a segunda. A brincar, vai dizendo que «Se puder ser num prédio do Cassiano Branco, tanto melhor», e o rapaz que nos atende, fato antracite Armani, gravata fúcsia de seda e a cabeça armada em gel, olhos no monitor, «Desse empreitreiro não temos nada». OK. Vejo desfilar somas vertiginosas. Barato significa 400 mil euros por um T3 de 1942 a precisar de obras. Um T2 de 1954, com 75 metros quadrados, a 360 mil euros, é dado como pechincha. Às tantas abstraio-me do diálogo para acompanhar num slide show algumas ofertas disponíveis. Estarei a ver bem? No centro de Lisboa, várias casas a rondar o milhão de euros. Não, não são palacetes na Lapa, nem moradias de 600 metros quadrados de área coberta no Restelo ou na Gago Coutinho, nem penthouses de 300 metros quadrados (e vista de rio) no Parque das Nações, nem apartamentos hi tech (e vista de lixo) nos novos condomínios de Alcântara. São casas vulgares, de 8 e 9 divisões, em bairros prosaicos e construção ainda mais prosaica. E, claro, meia dúzia de exemplos acima do milhão. Nisto tudo, uma coisa me intriga. Quem cobre estes lances? A banca não empresta tais somas. E os milionários não andam por aí aos pontapés. Se calhar sou eu que estou fora da realidade.
3 de Maio – Ir ao Bolso
Vejamos a situação: o sujeito A, preenchendo todas as condições, pede a aposentação. Como os serviços centrais da Segurança Social estão com um atraso de oito meses, é dada ordem ao sujeito A para continuar a trabalhar. Oito meses depois, ele é finalmente aposentado. Fim de história? Longe disso, ao sujeito A é pedido que devolva a diferença de vencimento entre o que ganhou realmente e o que teria direito oito meses antes, altura em que reunia todas as condições para se aposentar. Isto é Portugal em 2008.
12 de Maio – Porreiro, pá
Lê-se no Público: "O site do Instituto da Droga e da Toxicodependência IDT destinado a crianças e jovens a partir dos 11 anos contém um "Dicionário de Calão" que as associações de pais temem poder incentivar o consumo (...) No dicionário do site infanto-juvenil www.tu-alinhas.pt pode aprender-se que "betinho", “cocó” ou “careta” é “aquele que não consome droga e, por isso, é considerado conservador, desprezível e desinteressante”."
14 de Maio – Nojo
De novo no Público: “O primeiro-ministro, José Sócrates, o ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, e vários membros do gabinete do chefe do Governo violaram a proibição de fumar no voo fretado da TAP que ligou Portugal e Venezuela e que chegou às cinco horas da manhã de ontem a Caracas (hora de Lisboa, 23h30 na capital venezuelana). O assunto foi muito comentado durante o voo por membros da comitiva empresarial que acompanha Sócrates e causou incómodo a algum pessoal de bordo.” De acordo com António Monteiro, porta-voz da companhia, “o cliente que freta um avião pode ter regras diferentes das da companhia”, pelo que pedir autorização para fumar é um serviço especial “tão normal como pedir para se servir outra refeição, distribuir determinados jornais ou ver certos filmes”. O que nos leva à seguinte questão: Ler jornais mata?
16 de Maio – Francisco Lucas Pires, sempre actual.
«A verdadeira tolerância, no entanto, é a que assenta na fortaleza das próprias convicções e os católicos não têm que ter uma atitude política passiva, clandestina, dividida, pessimista e subalterna. Não têm que deixar “laicizar” a mais importante parte do seu campo de consciência e acção – aquele que tem a ver com a “substância” e as “expressões” mais elevadas do seu ser social. A geral fraqueza da sociedade civil portuguesa não ajuda. Contribui mesmo para a perda das últimas certezas dessa sociedade. A concepção dominante da História é ainda demasiado imediatista e é nesse contexto que se explica o activismo, dirigismo e crescimento do Estado como único arrimo para a erosão da consciência política colectiva. Mas há que reagir e os católicos, com a Igreja, podem bem ser a parte mais sólida dessa recuperação da sociedade civil. Até como via para reabilitar a política e evitar que esta continue a ser um puro jogo de superfície, onde a própria renovação “ética” acabe por se transformar numa nova demagogia. Talvez a renovação “moral”, a partir da sociedade real e dos seus valores profundos, entranhadamente cristãos, seja afinal mais simples e mais eficaz do que a renovação “ética”, a partir, outra vez, dos modelos da Revolução, do Estado e dos seus partidos.»

Nova Aliança, 30 / Maio / 2008

14.5.08

Os lucros dos lares de idosos e a insegurança nas esquadras

22 de Abril – Solidariedade ou lucro?
Foi hoje notícia que “há lares de idosos sem fins lucrativos que arranjam vagas em troca de donativos”.
Estes lares de idosos fazem parte da rede de instituições de solidariedade social, incluindo as misericórdias, através da qual o Estado concretiza as suas políticas de acção social. Estamos perante instituições sem fins lucrativos com quem o Estado faz contratos, mediante um preço, com vista a assegurar o acolhimento e a prestação de serviços aos beneficiários que a elas recorrem.
É importante recordar que estas instituições sendo financiadas pelo Estado, ou melhor com os impostos cobrados aos contribuintes, devem cumprir com a legislação e as regras contratuais estabelecidas. A razão da sua existência é a satisfação de necessidades das pessoas carenciadas que a elas recorrem porque não auferem rendimentos que lhes permitam pagar serviços de assistência privados.
Não sei se são muitas as situações de instituições que exigem entregas adicionais – “direitos de entrada” – aos idosos carenciados e às suas famílias e não sei se a grande maioria ou uma minoria destas instituições utiliza ou não utiliza essas práticas. Agora o que sabemos é que é assumido pelas entidades da segurança social e por altos representantes das instituições de solidariedade social que a realidade existe. A segurança social queixa-se que tem dificuldade em actuar, sabendo que tal prática pode constituir crime de burla. As instituições de solidariedade social salientam que “muitas instituições estão a lutar pela sua sobrevivência” porque a comparticipação do Estado por idoso – fixada, segundo a notícia, em 330 € mensais – não chega para financiar metade do custo que em média um lar tem por cada pessoa internada.
Estamos assim perante situações ilegais, irregulares, imorais, em suma inadmissíveis, em que as instituições de solidariedade social fazem condicionar a atribuição de uma vaga em troca da entrega de uma entrada em dinheiro (segundo a mesma notícia o direito de entrada do caso apresentado ascendia a 15.000 €) ou até de uma herança futura como também consta.
O mais grave de tudo isto é que, no meio desta “selva”, são os idosos carenciados as vítimas destas práticas. São justamente estas pessoas que não tendo rendimentos necessitam do apoio do Estado e que não podendo fazer “donativos” porque os seus rendimentos não permitem ficam fora do sistema. Isto é, não têm acesso ao apoio do Estado.
É a total perversão do sistema, com o consentimento, pelos vistos, de uns e de outros. Uns por umas razões, outros por outras. No meio estão idosos indefesos e vulneráveis. Uma grande injustiça! Será que alguém está interessado em apurar responsabilidades? Em pôr cobro a este estado de coisas? Se as regras de financiamento e de funcionamento estão erradas, pois então que se alterem!

24 de Abril – O Estado? Sim!
“… o presidente da junta de freguesia da Ericeira contou que, após vários anos a aproveitar os óleos usados, a Direcção-Geral de Finanças do Ministério da Economia e a Direcção-Geral de Alfândegas informaram-no de que necessitava de legalizar a produção de biodiesel. «Fiz todos os esforços para me legalizar e, depois de preencher uma série de requisitos, fiquei espantado ao deparar que a quota está esgotada no país», disse Joaquim Casado.
Depois disso, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) multou a junta de freguesia em sete mil euros por lesar o Estado, ao «deixar de comprar combustíveis fósseis», porque ao não os comprar, o Estado «não arrecada a percentagem de 50 por cento»”.

28 de Abril – (In)Segurança.
Um rapaz de 20 anos foi ontem à esquadra de polícia de Moscavide queixar-se de uma agressão de que fora vítima. No momento em que formalizava a queixa, os agressores (um grupo de brasileiros) entraram na esquadra e deram-lhe um enxerto de porrada. O queixoso foi dali para o hospital. Na esquadra havia um único polícia. Isto é um domingo à tarde em Moscavide. Depois das tentativas iniciais de desvalorizar a invasão da esquadra da PSP de Moscavide não terem caído muito bem, o Ministro da Administração Interna vem agora considerar “desaconselhável” haver apenas um agente nas esquadras.
Caso não seja suficiente para acalmar a opinião pública, sugiro, em alternativa, duas medidas adicionais:
1- Um documentário de Diana Andringa que demonstre conclusivamente que a invasão da esquadra da PSP de Moscavide nunca aconteceu.
2- Para as esquadras localizadas em lugares mais pacíficos, penso que bastará um “Securitas” sentado a uma secretária a limar a unha. Este será um tremendo elemento dissuasor, para mais se for apoiado por um daqueles tradicionais sistemas electrónicos: uma câmara de vigilância e um alarme ligado à central, que quando activado soará em simultâneo... na esquadra da polícia, para um eficaz e pronto socorro.

Nova Aliança, 16 / Maio / 2008

Um bom exemplo, a escola de labregos e Musil

14 de Abril – Generosidade
Uma turma de uma secundária de Reguengos de Monsaraz, deixou de lado a possibilidade de recolher fundos destinados à viagem de finalistas, para ajudar a pagar o custo elevado da reparação do carro de um professor, acidentado durante uma actividade organizada pela escola.
Na falta de veículos que transportassem os alunos, um dos docentes emprestou a sua viatura que acabou acidentada, sendo vultosos os prejuízos.
Os alunos organizaram um jantar de recolha de fundos para reparação da viatura. E admitem abdicar da sua viagem de finalistas, canalizando o que juntarem para aquela necessidade.
Importa sublinhar estes exemplos. Dos professores generosos que empenham na educação tempo e meios para além do que é a sua obrigação. E de alunos que cultivam a solidariedade como valor. E a sobrepõem a apelos a que é natural não resistir naquela idade, como é o caso da almejada viagem de finalistas.
Aí está uma escola - Escola Secundária Conde de Monsaraz – que parece ser, acima de tudo, um centro de formação de bons cidadãos.

20 de Abril – Repetência ou Passagem?
A Ministra da Educação diz que "chumbar os alunos é a maneira mais fácil de resolver o problema...". E eu pergunto: para quê, então, complicar?
Mas a Ministra continua a falar: "...O que significa é que a repetência devia constituir um espaço de trabalho efectivo para que eles recuperassem. O problema é que esses alunos nunca recuperam".
E eu pergunto, mais uma vez: então, para evitar a repetência, dá-se aos alunos a passagem, como forma de recuperação?

21 de Abril – Labrego, sê-lo ou não.
Os conflitos entre alunos e professores na escola estão longe de terminar. Muito longe mesmo. Uma menina teria apelidado a professora de ‘labrega’ e a visada ameaçou ir para tribunal. A mãe julga exagerada essa reacção e esclarece: “Para mim, ‘labrega’ é uma pessoa do Norte”.
Quem sou eu para negar o monopólio dessa condição a ‘Norte’ (conceito vago que, a crer no futebol, consistirá numa espécie de mapa entre a Póvoa de Varzim e Aveiro) mas uma rápida consulta do dicionário desmentiria tal definição. Ora, embora a senhora nunca o venha a perceber, foi ela a autora da ofensa mais rude – quero dizer com isto que a afronta da mãe explica a da sua filha e explica muitas coisas na sociedade portuguesa.

23 de Abril – Um muito bom livro.


Esta é, desde já, uma das edições mais importantes entre todas as que ocorrerão em Portugal no decurso deste ano. Chama-se O Homem sem qualidades e é da autoria de Robert Musil. Os dois volumes que a Dom Quixote acaba de fazer chegar às livrarias constituem, no nosso país, a primeira versão completa, traduzida directamente do alemão, do incompleto romance musiliano. João Barrento, o responsável pela presente versão de Der Mann ohne Eigenschaften, referiu ter andado três anos à volta do texto, o que até nem é muito, sobretudo se tivermos em conta que, para o autor, o romance ocupou bem mais de dez; começou a ser publicado em 1930 e representou um projecto em trabalho permanente até à morte de Musil, em 1942.
A importância de O Homem sem Qualidades para uma modernidade literária marcada pelo questionamento e mesmo pela sabotagem da organização que poderíamos chamar clássica da linguagem não parece tão visível como no caso de outros romances (como Ulysses, por exemplo), mas a verdade é que o início se constitui desde logo como o oposto do que tradicionalmente seria o começo de uma narrativa, precisamente por anunciar que nada acontece. Ao mesmo tempo, a descrição parcelar das condições atmosféricas, no aparente intuito de localizar a acção no tempo, indicia a impossibilidade de apreender a totalidade, o que é uma das características mais assinaláveis da modernidade.
Não surpreende, portanto, que o romance questione o modelo oitocentista da narrativa, não só porque se baseia, em grande medida, em diálogos reflexivos e em digressões que servem fundamentalmente para prolongar o que é ensaiado nas falas das personagens, mas também porque a ironia se constitui como o próprio modelo estrutural do livro. Esta questão pode ser mais facilmente compreendida se recorrermos a uma cena em que Ulrich, o protagonista, é obrigado a interromper uma série de importantes reflexões por ter chegado ao seu local de destino. O que Musil sugere aí é que o lugar do pensamento no nosso tempo não é mais do que o percurso entre dois espaços, ou seja, o que sobra da acção. Assim, a ironia vira se contra a obra que a funda e impede que esta se tome demasiado a sério, abrindo espaço para a contingência, para a possibilidade, em suma, para o acaso.


Nova Aliança, 2 / Maio / 2008

21.4.08

Masculino ou Feminino? , a Madeira e a Islândia

3 de Abril – Género masculino ou feminino? –

Thomas Beatie tem uma história que, até certo ponto, não é original: Thomas nasceu com sexo feminino e não gostou.
Vai daí, fez o que vários outros, em circunstâncias igualmente complicadas, também fizeram: "mudou" de sexo. Um necessário implante, algumas aconselháveis remoções e, a toques de testosterona, lá trilhou os caminhos da sua transformação: voz mais grave, formas físicas masculinas e espuma de barbear no seu wc.
Até aqui, tudo bem.
Acontece, porém, que ( segundo a imprensa ) Thomas Beatie está grávido.
Através de um processo de inseminação, o referido senhor conseguiu realizar um presumível sonho seu: ter um filho.
Mas há-de ter conseguido mais.
É previsível que a parte mais recente da sua história seja narrada com recurso exaustivo a termos como "preconceito" e "discriminação fundada em motivos religiosos". É conhecida a fórmula, não entrarei por aqui.
Entro, sim, por uma certeza de que não se livrará: com a realização do seu presumível sonho, Thomas Beatie deita por terra os efeitos de anos e anos de transformação. Doravante, Beatie dificilmente conseguirá destacar a condição de transexual em detrimento do estatuto de mulher mascarada.
Se tudo lhe correr regularmente, em Julho de 2008 Thomas Beatie será mãe. E se dúvidas restarem acerca do seu género, elas acabarão aqui.
4 de Abril – Dezasseis anos são uma eternidade -
Os socialistas madeirenses estão zangados com Jaime Gama e têm razão para isso, porque um partido não é, propriamente, um fórum de debate para filósofos ( muito menos o PS, apesar de o seu líder se chamar Sócrates ), mas um corredor que dá ou devia dar acesso ao poder. Os socialistas madeirenses lembram que Jaime Gama chamou Bokassa (o ditador africano) a Alberto João Jardim há dezasseis anos, e que agora lhe elogia a obra e o trajecto; ora, dezasseis anos são uma eternidade que pode ter mudado quer Jardim quer Jaime Gama. Pelo que conheço de Jardim, não parece que se tivesse alterado muito do perfil e da substância da sua figura política; já de Jaime Gama não sei, mas tenho as minhas impressões sobre o PS – e uma delas é a de que o presidente do Parlamento ( e segunda figura do Estado ) não costuma dar ponto sem nó, ou seja, nunca é inocente num deslize, se se trata de um deslize. Jaime Gama a elogiar Jardim significa que ignora o partido – e que Jardim deve ser reanalisado. E que quis dizer aquilo que disse.




9 de Abril – Afinal não é a Finlândia –

Parece que a Islândia, esse país cinzento e frio, ganhou o primeiro lugar no ranking dos países onde as pessoas são mais felizes e é o lugar do mundo onde se pode dizer que se vive melhor. De acordo com um artigo publicado na revista do El Pais de 6 de Abril, os habitantes desse paraíso sabem educar crianças saudáveis e felizes, vivem descontraídos porque os seus problemas têm respostas adequadas, são práticos e sem preconceitos e têm uma noção de sociedade solidária, multicultural, que só tem paralelo nas aldeias dos países africanos. Alguns dados estatísticos são bem expressivos: índice de natalidade mais elevado da Europa e idade jovem das mães, apesar da elevada taxa de trabalho feminino, 6º rendimento per capita do mundo; maior número de pessoas que compram livros, elevada expectativa de vida, incrível crescimento das exportações, cultura sistemática de protecção do ambiente.
Não sei se a explicação para este fenómeno está na importância das mulheres nessa sociedade – a Islândia foi o primeiro país há vinte e oito anos a eleger uma mulher para Presidente, mas para já podemos acreditar nos motivos que o antigo presidente da Câmara de Reikiavik adianta para terem educação gratuita de alta qualidade, serviços públicos de saúde tão competitivos que a clínica privada só se ocupa dos serviço estéticos de luxo, captarem cérebros e fixarem empresas, entre outros sucessos retumbantes. Diz o ex presidente da Câmara, médico e político ( a participação política e cívica é geral ) que essa prosperidade é explicada “porque os Governos adoptam políticas progressistas e sensatas e a matéria prima humana da ilha é forte, pragmática e imaginativa. Há uma relação íntima entre a saúde do país e a qualidade das decisões políticas que se tomam (…) para a saúde de um pais, mais importante que não fumar são os fenómenos sociais em que fazemos ‘finca pé’ – igualdade, paz, democracia, água limpa, educação, energia renovável e direitos da mulher.”
Parece simples, não é? Se não fosse tão frio, apetecia dar lá um saltinho só para ver de perto…



Nova Aliança, 17 / Abril / 2008

14.4.08

António Barreto e o caso do telemóvel

O que será preciso acrescentar quando alguém já disse o que deve ser dito? Com a devida vénia, eis o modo como António Barreto “vê” a questão resultante do caso do telemóvel na escola do Porto, publicado no Público de 30 de Março. O título é, sugestivamente, A Balbúrdia na Escola.

“AS CENAS DE PANCADARIA NA ESCOLA têm comovido a opinião. A última em data, com especial relevo, ocorreu numa escola do Porto e foi devidamente filmada por um colega. Em poucas horas, o “clip” correu mundo através do YouTube. A partir daí, choveram as análises e os comentários. Toda a gente procura responsáveis, culpados e causas. Os arguidos são tantos quanto se possa imaginar: os jovens, os professores, os pais, o ministério e os políticos. E a sociedade em geral, evidentemente. As causas são também as mais diversas: a democracia, os costumes contemporâneos, a cultura jovem, o dinheiro, a televisão, a publicidade, a Internet, a permissividade, a falta de valores, os “bairros”, o “rap”, os imigrantes, a droga e o sexo. Para a oposição, a culpa é do governo. Para o governo, a culpa é do governo anterior. O trivial.
Deve haver um pouco disso tudo. O que torna as coisas mais complicadas. Sobretudo quando se pretende tomar medidas ou conter a vaga crescente de violência e balbúrdia. Se as causas são múltiplas, por onde começar? Mais repressão? Mais diálogo? Mais disciplina? Mais co-gestão? Há aqui matéria para a criação de várias comissões, a elaboração de um livro branco, a aprovação de novas leis e a realização de inúmeros estudos. Até às eleições, haverá alguns debates parlamentares sobre o tema. Não tenho a certeza, nem sequer a esperança, que o problema se resolva a breve prazo.
DE QUALQUER MANEIRA, a ocasião era calhada para voltar a ver a obra-prima do esforço legislativo nacional, o famoso “Estatuto do aluno”. A sua última versão entrou em vigor em finais de Janeiro, sendo uma correcção de outro diploma, da mesma natureza, de 2002. Trata-se de uma espécie de carta constitucional de direitos e deveres, a que não falta um regulamento disciplinar. Não se pode dizer que fecha a abóbada do edifício legal educativo, porque simplesmente tal edifício não existe. É mais um produto da enxurrada permanente de leis, normas e regras que se abate sobre as escolas e a sociedade. É um dos mais monstruosos documentos jamais produzidos pela Administração Pública portuguesa. Mal escrito, por vezes incompreensível, repete-se na afirmação de virtudes. Faz afirmações absolutamente disparatadas, como, por exemplo, quando considera que “a assiduidade (...) implica uma atitude de empenho intelectual e comportamental adequada...”! Cria deveres inéditos aos alunos, tais como o de se “empenhar na sua formação integral”; o de “guardar lealdade para com todos os membros da comunidade educativa”; ou o de “contribuir para a harmonia da convivência escolar”. E também os obriga a conhecer e cumprir este “estatuto do aluno”, naquele que deve ser o pior castigo de todos! Quanto aos direitos dos alunos, são os mais abrangentes e absurdos que se possa imaginar, incluindo os de participar na elaboração de regulamentos e na gestão e administração da escola, assim como de serem informados sobre os critérios da avaliação, os objectivos dos programas, dos cursos e das disciplinas, o modo de organização do plano de estudos, a matrícula, o abono de família e tudo o que seja possível inventar, incluindo as normas de segurança dos equipamentos e os planos de emergência!
TRATA-SE DE UM ESTATUTO burocrático, processual e confuso. O regime de faltas, que decreta, é infernal. Ninguém, normalmente constituído, o pode perceber ou aplicar. Os alunos que ultrapassem o número de faltas permitido podem recuperar tudo com uma prova. As faltas justificadas podem passar a injustificadas e vice-versa. As decisões sobre as faltas dos alunos e o seu comportamento sobem e descem do professor ao director de turma, deste ao conselho de turma, destes à direcção da escola e eventualmente ao conselho pedagógico. As decisões disciplinares são longas, morosas e processualmente complicadas, podendo sempre ser alteradas pelos sistemas de recurso ou de vaivém entre instâncias escolares. Concebem-se duas espécies de medidas disciplinares, as “correctivas” e as “sancionatórias”. Por vezes, as diferenças são imperceptíveis. Mas a sua aplicação, em respeito pelas normas processuais, torna inútil qualquer esforço. As medidas disciplinares são quase todas precedidas ou acompanhadas de processos complicados, verdadeiros dissuasores de todo o esforço disciplinar. As medidas disciplinares dependem de várias instâncias, do professor aos órgãos da turma, destes aos vários órgãos da escola e desta às direcções regionais. Os procedimentos disciplinares são relativos ao que tradicionalmente se designa por mau comportamento, perturbação de aula, agressão, roubo ou destruição de material, isto é, o dia-a-dia na escola. Mas a sua sanção é de tal modo complexa que deixará simplesmente de haver disciplina ou sanção.
O ESTATUTO cria um regime disciplinar em tudo semelhante ao que vigora, por exemplo, para a Administração Pública ou para as relações entre Administração e cidadãos. Pior ainda, é criado um regime disciplinar e sancionatório decalcado sobre os sistemas e os processos judiciais. Os autores deste estatuto revelam uma total e absoluta ignorância do que se passa nas escolas, do que são as escolas. Oscilando entre a burocracia, a teoria integradora das ciências de educação, a ideia de que existe uma democracia na sala de aula e a convicção de que a disciplina é um mal, os legisladores do ministério da educação (deste ministério e dos anteriores) produziram uma monstruosidade: senil na concepção burocrática, administrativa e judicial; adolescente na ideologia; infantil na ambição. O estatuto não é a causa dos males educativos, até porque nem sequer está em vigor na maior parte das escolas. Também não é por causa do estatuto que há, ou não há, pancadaria nas escolas. O estatuto é a consequência de uma longa caminhada e será, de futuro, o responsável imediato pela impossibilidade de administrar a disciplina nas escolas. O estatuto não retira a autoridade na escola (aos professores, aos directores, aos conselhos escolares). Não! Apenas confirma o facto de já não a terem e de assim perderem as veleidades de voltar a ter. O processo educativo, essencialmente humano e pessoal, é transformado num processo “científico”, “técnico”, desumanizado, burocrático e administrativo que dissolve a autoridade e esbate as responsabilidades. Se for lido com atenção, este estatuto revela que a sua principal inspiração é a desconfiança dos professores. Quem fez este estatuto tinha uma única ideia na cabeça: é preciso defender os alunos dos professores que os podem agredir e oprimir. Mesmo que nada resolva, a sua revogação é um gesto de saúde mental pública.”

Nova Aliança, 3 / Abril / 2008

2.4.08

Bento XVI e a Educação

Detenhamo-nos um pouco nas palavras do Santo Padre, pronunciadas recentemente:

«Chegamos assim, queridos amigos de Roma, talvez ao ponto mais delicado da obra educativa: encontrar um justo equilíbrio entre a liberdade e a disciplina. Sem regras de comportamento e de vida, feitas valer dia após dia também nas pequenas coisas, não se forma o carácter e não se está preparado para enfrentar as provas que não faltarão no futuro. Mas a relação educativa é antes de tudo o encontro de duas liberdades e a educação com sucesso é formação para o recto uso da liberdade. Mas à medida que a criança cresce, torna-se um adolescente e depois um jovem; portanto devemos aceitar o risco da liberdade, permanecendo sempre atentos a ajudá-lo a corrigir ideias e opções erradas. O que nunca devemos fazer é favorecê-lo nos erros, fingir que não os vemos, ou pior partilhá-los, como se fossem as novas fronteiras do progresso humano. Portanto, a educação nunca pode prescindir daquela respeitabilidade que torna credível a prática da autoridade. De facto, ela é fruto de experiência e competência, mas adquire-se sobretudo com a coerência da própria vida e com o comprometimento pessoal, expressão do amor verdadeiro. Portanto, o educador é uma testemunha da verdade e do bem: sem dúvida, também ele é frágil e pode falhar, mas procurará sempre de novo pôr-se em sintonia com a sua missão. Caríssimos irmãos de Roma, destas simples considerações sobressai como é decisivo na educação o sentido de responsabilidade: responsabilidade do educador, certamente, mas também, e na medida em que cresce com a idade, responsabilidade do filho, do aluno, do jovem que entra no mundo do trabalho. É responsável quem sabe responder a si mesmo e aos outros. Além disso, quem crê procura responder a Deus que o amou primeiro. A responsabilidade é em primeiro lugar pessoal, mas existe também uma responsabilidade que partilhamos juntos, como cidadãos de uma mesma cidade e de uma nação, como membros da família humana e, se somos crentes, como filhos de um único Deus e membros da Igreja. De facto as ideias, os estilos de vida, as leis, as orientações gerais da sociedade em que vivemos, e a imagem que ela dá de si mesma através dos meios de comunicação, exercem uma grande influência sobre a formação das novas gerações, para o bem mas muitas vezes também para o mal. Contudo a sociedade não é uma abstracção; no final somos nós próprios, todos juntos, com as orientações, as regras e os representantes que elegemos, mesmo sendo diversos os papéis e as responsabilidades de cada um. Portanto, há necessidade da contribuição de cada um de nós, de cada pessoa, família ou grupo social, para que a sociedade, começando pela nossa cidade de Roma, se torne um ambiente mais favorável à educação. Por fim, gostaria de vos propor um pensamento que desenvolvi na recente Carta Encíclica Spe salvi sobre a esperança cristã: a alma da educação, como de toda a vida, só pode ser uma esperança certa. Hoje a nossa esperança está insidiada de muitas partes e corremos o risco de nos tornarmos, também nós, como os antigos pagãos, homens "sem esperança e sem Deus neste mundo" como escrevia o apóstolo Paulo aos cristãos de Éfeso (Ef 2, 12). Precisamente daqui nasce a dificuldade talvez mais profunda para uma verdadeira obra educativa: na raiz da crise da educação está de facto uma crise de confiança na vida.»

Da Carta do Papa Bento XVI à diocese e cidade de Roma sobre a tarefa urgente da educação, Vaticano, 21 de Janeiro de 2008

Nova Aliança, 20 / Março / 2008

O túnel do Rossio e a violência

15 de Fevereiro - É absolutamente normal que os cirurgiões de hospitais públicos portugueses tenham dois ordenados. Um para lá estarem fisicamente. Outro para trabalharem enquanto lá estão.

16 de Fevereiro - A Ginjinha esteve fechada por não ter casa de banho. A Ginjinha reabriu sem casa de banho. Hoje, estamos mais seguros exactamente em quê? Poderão ter a gentileza de listar os, certamente inúmeros, casos de  intoxicação alimentar na Ginjinha que foram notícia antes do estado ter decidido zelar pela nossa saúde?
17 de Fevereiro - Foi criada uma conta  para ajudar a família do sargento Luís Gomes, no balcão do Montepio de Torres Novas com o NIB: 003600699910007345677.
São necessários 30 mil euros para a indemnização do pai biológico da criança e as custas com a justiça e advogados ascendem a 40 mil.
18 de Fevereiro - «Vitalino Canas já veio exigir provas das afirmações do bastonário presidente da câmara de Lisboa. «São declarações que têm de ser bem sustentadas e demonstradas porque são acusações sérias», salientou o porta-voz do PS, afirmando que espera ver Marinho Pinto António Costa «a comprovar essas declarações. Entretanto, o Procurador-Geral, presidente da ERC Pinto Monteiro, Azeredo Lopes anunciou que determinou a abertura de um inquérito às declarações do bastonário presidente da Ordem dos Advogados Câmara Municipal de Lisboa, disse à Lusa fonte da Procuradoria ERC.»
19 de Fevereiro - Foi reaberta a estação central de Lisboa três anos e dez milhões de euros depois dos problemas no túnel do Rossio.
O Governo andou bem: mudou de empreiteiro e conseguiu poupar tempo e dinheiro.
Curioso foi o discurso do primeiro-ministro: disse Sócrates, com o arrebatamento que as inaugurações provocam aos governantes, que o “túnel do Rossio faz já parte da identidade não apenas de Lisboa mas de todos os portugueses“.
Quem se atreveria a negá-lo? O túnel do Rossio é um paradigma das questões nacionais tal como a Expo’98, os engarrafamentos no garrafão da ponte e as complicações nos acessos a Campolide - se o assunto é importante para Lisboa tem de ser fundamental para o País.
E todos nós, no Porto, em Braga, em Vila Real, em Aveiro, em Bragança e em Faro, esquecemos a crise e suspiramos de felicidade ao pensarmos que os comboios já circulam no túnel do Rossio.


20 de Fevereiro -Agora que o Tribunal de Contas chumbou, e muito bem, o empréstimo que permitiria a António Costa continuar a gerir a autarquia à larga, adiando as soluções para depois das próximas eleições, talvez valha a pena lembrar ao Sr. Presidente que tem muito por onde pegar, para começar a resolver os problemas da cidade. Tem por lá “a pesada estrutura da autarquia mais a E-nova, a Ambelis, a OML, a ATL, as SRU, a EGEAC, a Emarlis, a Gebalis, a Lispolis, a Casa da América Latina e sei lá que mais organismos que dão emprego a milhares de eleitores e respectivas famílias e a muitos quadros do(s) partidos(s).” E por isso pode começar a trabalhar e a “fazer o que é preciso - fechar grande parte destas estruturas devastadoras de recursos, diminuir o quadro de pessoal da câmara, cortar subsídios,dizer muitas vezes não”.  Por aqui se vê a fibra de um político. Temos homem na autarquia ou vamos apenas assistir à choraminguice do costume e à habitual distribuição de culpas?
24 de Fevereiro – Onda de violência. Um dias destes, um homem saiu de casa para ir beber a "bica" no café habitual. Saiu de lá cadáver, com um tiro disparado à queima-roupa. Uma mulher preparava-se para estacionar o carro, ir para casa, começar o fim de semana e acabou morta à tiro enquanto falava ao telemóvel com uma amiga. Um rapaz de vinte anos fechou a loja num centro comercial e, quando se dirigiu ao carro, foi surpreendido por um tiro na cabeça que o deixou em coma. Um filho matou os pais esmagando-lhes a cabeça, suicidando-se de seguida. A esta gente silenciada pela violência gratuita resta-lhe a infeliz consolação de não ter de ouvir a retórica política produzida nestes momentos, a velha retórica da "confiança". Eu sou desconfiado por natureza e prevejo um agravar da situação nos próximos tempos. Por isso, pelo sim, pelo não, há por aí alguém que me venda uma arma, de preferência com silenciador?

Nova Aliança, 6 / Março / 2008

3.3.08

A nova ponte, o Bastonário e os projectos ga Guarda e Covilhã

8 de Fevereiro - O LNEC recebe uma nova encomenda logo após o estudo do novo aeroporto. Esta possibilidade devia ter sido logo posta de parte antes do estudo sobre o novo aeroporto. Só assim a decisão do LNEC sobre o novo aeroporto teria sido totalmente livre. O LNEC andou a estudar o novo aeroporto sabendo que se a resposta fosse do agrado do ministro então poderia ter direito a novas encomendas. A questão é ainda mais grave se tivermos em conta que a necessidade de um estudo sobre a nova ponte foi criada pela conclusão a que chegou o estudo sobre o novo aeroporto. A decisão sobre a nova ponte também não será livre. Já se percebeu que poderão existir novas encomendas na calha. Se o LNEC der a resposta “errada”, perde as encomendas. Tem todos os incentivos para dar a resposta “certa”.
10 de Fevereiro - Marinho Pinto disse a verdade. O País que manda reagiu mal. Primeiro, acusaram-no de falta de fundamentação e clamaram por “provas”. Depois falaram de “populismo”, de querer aproveitar descontentamentos de toda a espécie. Logo insinuaram sinistras “ambições políticas”. Agora, nas ‘conversas de pé da orelha’, sugerem que o bastonário não está bom da cabeça.
No resto do Mundo atribui-se às crianças pequenas a faculdade de tudo dizerem sem estarem atadas a ajustes cirúrgicos entre a sinceridade e a moral social - por cá, nem isso concedemos e temos um ditado que ensina assim: “Dizer a verdade como os malucos.” Porque, durante séculos, fomos amestrados a mentir para podermos existir.
Perante a campanha de desacreditação que estamos e vamos continuar a assistir, o cidadão deve estar armado com uma simples evidência: Marinho Pinto disse a verdade.
12 de Fevereiro – No jornal Público: “Inspecção-Geral das Actividades em Saúde vai investigar incentivos à realização de transplantes”. Parece que os médicos precisam de incentivos para salvar vidas. A vida humana afinal tem um preço. E não é baixo. Esses incentivos estão a ser distribuidos de forma muito pouco igualitária. Ainda não se descobriu uma fórmula para nacionalizar as capacidades dos médicos.
13 de Fevereiro - Mário Crespo, no JN, desculpa Sócrates recorrendo aos padrões da época. Nos anos 80 toda a gente fazia aquilo. De facto, nos anos 80, tal como agora, a corrupção infiltrava todos os níveis do aparelho de Estado. Pelo menos Mário Crespo não procura negar os factos. Eu, pessoalmente, até aceito a desculpa. O que não estou a ver é porque razão é que desculpas semelhantes haveriam de deixar de ser válidas para o momento presente. O SNS desperdiça dinheiro? Não faz mal, esse é o padrão da nossa época. Há fuga ao fisco? Não faz mal, esse é o padrão da nossa época. Como é que um político que seguiu os piores padrões dos anos 80 pode convencer os seus concidadãos a mudar os padrões actuais?
14 de Fevereiro - As notícias sobre Sócrates produziram alguns resultados interessantes:
A RTP usou a expressão “A nova ofensiva do jornal Publico contra o PM (…)” para noticiar o caso. Proponho que o Público passe a referir-se às notícias da RTP como “Mais um frete da RTP ao governo …”. O primeiro-ministro classificou, com ar muito ofendido, as notícias do Público como “ataque pessoal e político”. Como se isso constituísse algum ilícito. Admito que lhe faça confusão ainda existirem órgãos de comunicação que publicam notícias desfavoráveis. É a vida. Ontem, Sócrates desmentiu a notícia do Público que dizia que ele tinha assinado projectos manuscritos por outras pessoas. De seguida, confirmou a notícia ao assumir não apenas a responsabilidade como também a autoria de todos os projectos. Repare-se: ele dia que todos os que assinou são da sua responsabilidade, não diz que foi ele que os fez. A diferença é importante... A notícia está confirmada a partir do momento em que Sócrates assume a autoria de projectos manuscritos por outros. Hoje negou ter auferido qualquer remuneração para além da que auferiu como deputado. Pretendeu dessa forma desmentir a notícia do Público. O Público, por seu lado, não afirmou que Sócrates recebeu qualquer remuneração para além da que auferiu como deputado. Limitou-se a afirmar que Sócrates desempenhou funções para além das de deputado.
Depois de ontem ter assumido a autoria de todos os projectos, hoje Sócrates alegou que a sua actividade a partir de 1989 foi residual.

Nova Aliança, 21 / Fevereiro / 2008

8.2.08

O "sucesso", a ASAE e as contas espanholas

20 de Janeiro - Ontem o senhor José Sócrates Pinto de Sousa andou a fazer aquilo que se chama a gestão das expectativas. A ideia é um bocado infantil, mas faz parte da cultura política portuguesa. Acredita-se que se o Primeiro-Ministro disser que a economia vai bem, então os agentes económicos investem e produzem e a economia ficará mesmo bem. A gestão das expectativas já em si mesmo uma ideia estúpida, mas é ainda mais estúpida quando praticada por um político que já mentiu várias vezes e cuja credibilidade é nula.

Imagine-se o capitão do Titanic a gerir expectativas:

-- Não, não era um iceberg, era apenas um pedaço de madeira.
-- As bombas vão tirar esta água toda.
-- Inclinar? Claro que não está a inclinar ...
-- Há botes para todos e ainda sobra.
-- A água está quentinha.

22 de Janeiro - É nestes artigos da lei que Francisco George se apoia para dizer que a legislação não oferece dúvidas. "As discotecas não são restaurantes, não lidam com alimentos, pelo que não estão sujeitos às mesmas restrições de espaço para fumadores", disse ao DN. Uma situação que deixa às discotecas margem de manobra para decidirem a extensão das suas áreas azuis. Acontece que o número 5 engloba não só as discotecas, como os órgãos de soberania, centros comerciais, feiras, aeroportos, estações ferroviárias, locais de trabalho, estabelecimentos de ensino (desde que tenham alunos com mais de 18 anos), lares e salas de espectáculo - que podem agora exigir tratamento igual.

24 de Janeiro – Notícia do Jornal de Notícias: "Dos 60 funcionários da Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte que foram colocados no quadro de Mobilidade Especial e cuja providência cautelar foi deferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, quatro estão já a trabalhar em outros serviços do Ministério da Agricultura, sete estão em outros ministérios e dois aposentaram-se.
Em conferência de imprensa, o ministro Jaime Silva referiu que, dos 47 funcionários restantes abrangidos pela providência cautelar "11 apresentaram-se hoje" nos serviços e "o Ministério da Agricultura encontrará um local apropriado para serem instalados""
 Isto apesar do ministro ter afirmado que algumas das suas funções foram extintas. Assim vai a mobilidade deste Governo.
25 de Janeiro - O inspector-geral da ASAE, António Nunes, garante nunca ter defendido o encerramento de metade dos restaurantes portugueses, tendo sublinhando apenas a necessidade de modernização do sector. “O que quis dizer é 50 por cento da restauração precisava de modernizar-se, adaptar-se”, afirmou António Nunes, durante a audição na comissão parlamentar de Assuntos Económicos, agendada a pedido do CDS-PP. Há cerca de três semanas, em entrevista ao semanário “Sol”, o inspector-geral da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica argumentava que metade dos restaurantes e cafés portugueses “estão condenados a fechar” devido ao incumprimento de regulamentos comunitários.
26 de Janeiro - O Governo espanhol decidiu devolver cinco mil milhões de euros aos contribuintes, “como forma de estimular a economia”.
Por cá, o Orçamento do Estado para 2008 vai levar-nos mais 2,3 mil milhões de euros a mais do que o OE de 2007, que nos levou mais 2,4 mil milhões do que o OE de 2006, que nos levou mais 2,7 mil milhões do que o OE de 2005. Naturalmente, como forma de estimular a despesa pública!...
Zapatero, embora socialista, há muito entendeu que a despesa pública, na actual situação das economias em que nos inserimos, não gera riqueza. Em Portugal, todos os bem pensantes ainda pensam que sim e apoiam a política fiscal do Governo. Com os resultados que estão à vista.

27 de Janeiro - Por falar em assuntos que aparentemente não interessam aos jornais ( por exemplo, o enriquecimento surpreendente de alguns políticos, incluindo autarcas, gestores, etc ), o economista Medina Carreira, entrevistado ontem por Mário Crespo, comentando as recentes declarações do Bastonário dos Advogados, lembrou o óbvio: «Indivíduos que chegam a Lisboa com uma mão atrás e outra à frente e são hoje detentores de grandes fortunas» (cito de cor). E «ninguém quer saber», acrescentou. De facto. É nestas alturas que tenho saudades do velho Indy ou Independente, como queiram. E já agora, tenho saudades de todos os que se insurgiram no passado com as injustiças de alguns governantes e de alguns regimes e que agora metem o rabinho entre as pernas, assobiam para o lado e vivem no paraíso. Coitados…

Nova Aliança, 7 / Fevereiro / 2008

Os santos nas escolas, Luís Pacheco e o novo aeroporto

1 de Janeiro – O fumo “bom” - O director da ASAE foi apanhado a fumar num espaço fechado, mas garante que não estava a violar a lei. Parece que dentro de um casino o fumo não prejudica a saúde…


6 de Janeiro – Nomes dos Santos nas escolas - Uma escola que se chame Escola Secundária Santo António passará a chamar-se Escola Secundária Fernando Martim de Bulhões. Uma que se chame Escola Secundária Santo Agostinho passará a chamar-se Escola Secundária Aurélio Agostinho ou Escola Secundária Agostinho de Hipona. A Escola Secundária Rainha Santa Isabel vai passar a chamar-se Escola Secundária Isabel de Aragão.

É possível que a Escola Secundária Padre António Vieira tenha que se chamar Escola Secundária Sr. António Vieira.

Uma hipotética Escola Secundária Nossa Senhora de Fátima terá que mudar de nome para Escola Secundária Fatima bint Muhammad.

7 de Janeiro – Os nossos bolsos - Não sei se ficou claro para todos: são 68 cêntimos por mês que o governo vai pagar aos reformados para não lhes entregar, em Janeiro, o aumento a que têm direito relativo a Dezembro. O secretário de Estado explicou na SIC essa sua tendência para a generosidade: «Não seria aceitável que os pensionistas recebessem um valor de pensão qualquer em Janeiro e no mês seguinte o valor do seu recibo de pensão era menor, diminuía.» Não seria nada aceitável. Está na cara. E quanto a juros, qual é o banco em que o governo tem conta?

9 de Janeiro – Ele dará o exemplo? - Em matéria de linguagem, o director da ASAE ensinou o caminho: “É o rumo desta sociedade e nós, se não quisermos viver nesta sociedade, temos a hipótese de emigrar.”

11 de Janeiro – O exame conterá matéria da TLEBS ? - Esta história, contada no Diário de Notícias, é exemplar: como é que uma emigrante cabo-verdiana, de 48 anos, que trabalha 16 horas por dia, que está em Portugal desde 2000, que vive com o marido e os três filhos, que tem casa própria, que paga contribuições, que tem vida feita aqui, tem o descaramento de pedir a nacionalidade, se não passa no exame de Língua Portuguesa? Ah, nação valente, imortal, quantas das tuas lágrimas são o orgulho de Portugal?

12 de Janeiro – Um escritor bem “português” - Há dois séculos que a literatura portuguesa anda a tentar inventar imagens fiéis da "nossa terra". Quando se fizer o balanço dessa velha mania, ver-se-á que alguns dos esforços mais memoráveis são de Luiz Pacheco. Por exemplo, Porto-Lisboa a pedir esmola. Eis o resumo (versão de Exercícios de Estilo, a melhor): no Porto, decidido a ir de comboio para Lisboa, o autor só tem dinheiro para o bilhete até Soure. Tenta, com uma mentira, comover o chefe da Estação de S. Bento: espera-o em Lisboa uma pessoa de família doente. O chefe de estação percebe a vigarice, mas decide empurrar para a frente: que compre bilhete para Soure, e, em lá chegando, fale com o chefe do comboio. Em Soure, o chefe do comboio barafusta imenso, mas (e é o que importa) não o põe fora na estação, passando a chatice ao revisor. Este, sem vontade de levantar o devido "auto", tem uma ideia para "legalizar" o viajante: e se ele pedisse esmola aos outros passageiros? O próprio revisor chama a atenção da carruagem (de terceira classe, apinhada de gente, cestos e garrafões), e exibe o desgraçado: sem bilhete, em chegando a Santa Apolónia, irá preso (mentira). Todos se condoem: coitadinho. As moedas aparecem, o bilhete e a multa são pagos. Pela cabeça do autor passa a ideia de recorrer novamente ao truque da próxima vez que viajar.
Aldrabice, aversão às responsabilidades, sentimentalismo: é um Portugal imaginado, mas a quem é que apetece dizer que não é verdadeiro?

13 de Janeiro - Aeroporto Mário Lino - A cara de pau de Mário Lino sentado ao lado de Sócrates quando este anunciava que o novo aeroporto ficará no suposto "deserto" e, paradoxalmente, tinha o topete de gabar o ministro que tinha feito da Ota um "compromisso pessoal", é bem reveladora da extrema elasticidade da espinha moral de quem nos governa. São capazes de admitir tudo e o seu contrário, reduzem a pó as suas promessas mais enfáticas com a maior facilidade, abandonam compromissos éticos em nome da "ética da responsabilidade" e mentem, mentem sempre, compulsivamente, quase por acto de fé.
Apesar de tudo, o dia de hoje é feliz - evitou-se um erro gigantesco e pouparam-se muitos milhões ao erário público (e privado, por consequência socialista). E muito se deve a Mário Lino: sem a sua actuação politicamente grotesca, talvez a Ota fosse para a frente. No mínimo, o futuro aeroporto de Alcochete merece ostentar o seu nome. E dou mais sugestões, mas para os serviços de apoio do novo aeroporto: restaurante 'Jamé', papelaria 'Compromisso pessoal', café 'O maior camelo do deserto'...

Nova Aliança, 24 / Janeiro / 2008

23.1.08

2007

Em 2007, entre outras coisas não gostei de tudo o que rodeou o caso Maddie McCann, desde os pais da criança até ao tratamento jornalístico do rapto; dos anarquistas destruindo um campo de milho transgénico; do seleccionador nacional de futebol agredindo um jogador adversário; de Márcia Rodrigues, jornalista da RTP, vestida de véu entrevistando o embaixador do Irão em Lisboa; do ministro da Ota, Mário Lino, declarando em francês que o aeroporto jamais! será construído no "deserto"; da ocultação da manifestação de 18 de Outubro, com 200 mil pessoas, nos principais noticiários; das manchetes atribuídas aos casos de crianças: Maddie, Joana, Esmeralda e Andreia Elisabete; de Augusto Santos Silva pelas leis que fez e as que adiou, pelas suas afirmações sobre o jornalismo de "sarjeta", pela sua concordância com a tentativa de calar os tempos de antena da oposição na RTP; do concurso Grandes Portugueses (RTP1): uma fraude eleitoral para escolher Salazar; do desastre que foi o regresso de Herman José aos programas de humor; de António Vitorino (RTP1), um vómito governamental com cobertura açucarada; de António Peres Metelo (TVI), um alquimista que consegue transformar todos os males da economia em grandíssimas vitórias governamentais; do programa Prós e Contras sempre com a agenda do governo, os ministros do governo, os "técnicos" do governo, as opiniões “pró” Governo; do fim de Por Outro Lado (RTP2): o melhor programa de entrevistas culturais da TV em anos; das declarações do vereador Pina da Costa em O Mirante sobre uma eventual construção de uma barragem em Almourol ou Constância.


Em 2007, entre outras coisas gostei de: Ricardo Araújo Pereira imitando Scolari, Marcelo Rebelo de Sousa e José Sócrates; dos apupos a José Sócrates na Covilhã, em Abrantes, em Setúbal (duas vezes), no espectáculo das Maravilhas no Estádio da Luz, no dia da assinatura do tratado da EU; de Sócrates entrando na Casa da Música pela porta das traseiras (foi o único dirigente europeu a fugir da entrada principal) e chegando atrasado ao 5 de Outubro - chegou quando já tocava o hino, para não poder ser apupado; do rei de Espanha chegando-se à frente para perguntar a Chávez: "Porque não te calas?"; do documentário sobre a Guerra Colonial na RTP de Joaquim Furtado: honra o jornalismo de investigação, serve a história e elucida os espectadores.



Entre outras, escolho como “Frase do Ano” esta afirmação categórica:

"Quero garantir aos portugueses que nem o governo nem alguma instituição deste país deixará que alguém seja sancionado por uso do direito à liberdade de expressão" (José Sócrates, 23 /5).
A frase foi proferida no mesmo ano em que: houve visitas policiais a sindicatos para ver no que iam dar manifestações contra o Governo; o gabinete do primeiro-ministro pressionou órgãos de informação a propósito de notícias sobre a sua licenciatura da Universidade Independente; funcionários públicos foram sancionados pelo uso da liberdade de expressão; a administração de uma instituição do país dependente do Governo, a RTP, levantou um processo para o despedimento de um jornalista, Rodrigues dos Santos, pelo uso da liberdade de expressão numa entrevista.

Entre outras, escolho como “Legislação do Ano” este “tesourinho” de 1948:

“Diário do Governo, I Série, nº 244
Decreto nº 31 709, de 19 de Outubro de 1948

Normas sobre o funcionamento do Serviço de Meteorologia
Artigo 2º
Funcionários do Serviço de Meteorologia Nacional, incluindo o Director, têm um chefe. As ordens que ele der executam-se integralmente, seja qual for a opinião sobre elas; e a atitude do funcionário deve ser tal que dê a impressão de concordar inteiramente com elas, sem mostrar, nem sequer dar a entender, que os pontos de vista do chefe não merecem a sua aprovação.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 19 de Outubro de 1948
António Óscar de Fragoso Carmona
António de Oliveira Salazar”


Nova Alçiança, 10 / Janeiro / 2008

6.1.08

O cozinheiro com HIV e a velha notícia

23 de Novembro - Um cozinheiro infectado com HIV, que trabalhava num dos hotéis do grupo Sana, foi despedido em 2003 por ser portador da doença e por quebra do “dever de lealdade” (o hotel considera que os trabalhadores são obrigados a comunicar as doenças que têm). Em Março de 2007, o Tribunal do Trabalho caucionou o despedimento. E em Maio, o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão que o Público cita, afirma que a presença do cozinheiro, na cozinha do hotel, representaria «um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante», porquanto, afirmam os desembargadores Filomena Carvalho, José Mateus Cardoso e José Ramalho Pinto, «ficou provado que A. é portador de HIV e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluidos sobre alimentos servidos ou consumidos por quem tenha na boca uma ferida.» O acórdão colide com a razão científica. Há mesmo um parecer, do Centro de Direito Biomédico, que desmente categoricamente o propalado risco: «Não está provado que um empregado de uma cozinha possa, no exercício das suas funções e por causa delas, transmitir o vírus HIV.» E o coordenador nacional para a infecção HIV, Henrique Barros, eximindo-se a comentar a decisão judicial, declarou ao jornal que «do ponto de vista biológico, as conclusões tiradas [o risco de contaminação] nunca foram provadas nem a comunidade científica as considera plausíveis.» Pois. Mas à ciência o tribunal disse nada. Face ao juízo da Relação, o cozinheiro recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Infelizmente, estes casos são frequentes. É isto, o século XXI?

25 de Novembro - Há muito tempo que não lia nada que me desse maior esperança. Leio no Público o seguinte: “Sócrates acusa Governo de promover o "maior ataque fiscal à classe média"

O candidato a secretário-geral do PS José Sócrates acusa o Governo de promover o "maior ataque fiscal à classe média portuguesa" através da sua política económica e prometeu que vai combater as medidas anunciadas pelo ministro das Finanças.


Sócrates falava ontem num jantar com apoiantes que reuniu cerca de duas mil pessoas na Covilhã, cidade onde iniciou a sua carreira política.

Para José Sócrates, Bagão Félix "confirmou esta semana que a política económica dos últimos dois anos vai ser paga pelos suspeitos do costume: os trabalhadores por contra de outrem, a classe média portuguesa". "Este é o maior ataque fiscal à classe média portuguesa e o PS vai-se opor a estas medidas porque são injustas", realçou José Sócrates.

O candidato prometeu um Partido Socialista "que não seja apenas uma oposição, mas também uma solução alternativa para os problemas do país" e comentou que a possibilidade de cobrança de portagens nas auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT), como é o caso da A23, que serve a Covilhã, é um erro porque, neste caso, a A23 "não tem um verdadeiro perfil de auto-estrada" e que "não há alternativas" àquela via.

Sócrates rematou as críticas à coligação PSD-PP com o atraso na colocação de professores nas escolas, que considera ser "a maior prova de incompetência do actual governo, num sector absolutamente fundamental para o desenvolvimento do país". O socialista disse que o primeiro-ministro "precisa de dar uma explicação ao país sobre como tamanho escândalo acontece", porque a situação "é um grande desrespeito para com as famílias portuguesas", concluiu.”

“Desci à terra”, o jornal era de 18 de Setembro de 2004

Nova Aliança, 27 / Dezembro / 2007