23.1.08

2007

Em 2007, entre outras coisas não gostei de tudo o que rodeou o caso Maddie McCann, desde os pais da criança até ao tratamento jornalístico do rapto; dos anarquistas destruindo um campo de milho transgénico; do seleccionador nacional de futebol agredindo um jogador adversário; de Márcia Rodrigues, jornalista da RTP, vestida de véu entrevistando o embaixador do Irão em Lisboa; do ministro da Ota, Mário Lino, declarando em francês que o aeroporto jamais! será construído no "deserto"; da ocultação da manifestação de 18 de Outubro, com 200 mil pessoas, nos principais noticiários; das manchetes atribuídas aos casos de crianças: Maddie, Joana, Esmeralda e Andreia Elisabete; de Augusto Santos Silva pelas leis que fez e as que adiou, pelas suas afirmações sobre o jornalismo de "sarjeta", pela sua concordância com a tentativa de calar os tempos de antena da oposição na RTP; do concurso Grandes Portugueses (RTP1): uma fraude eleitoral para escolher Salazar; do desastre que foi o regresso de Herman José aos programas de humor; de António Vitorino (RTP1), um vómito governamental com cobertura açucarada; de António Peres Metelo (TVI), um alquimista que consegue transformar todos os males da economia em grandíssimas vitórias governamentais; do programa Prós e Contras sempre com a agenda do governo, os ministros do governo, os "técnicos" do governo, as opiniões “pró” Governo; do fim de Por Outro Lado (RTP2): o melhor programa de entrevistas culturais da TV em anos; das declarações do vereador Pina da Costa em O Mirante sobre uma eventual construção de uma barragem em Almourol ou Constância.


Em 2007, entre outras coisas gostei de: Ricardo Araújo Pereira imitando Scolari, Marcelo Rebelo de Sousa e José Sócrates; dos apupos a José Sócrates na Covilhã, em Abrantes, em Setúbal (duas vezes), no espectáculo das Maravilhas no Estádio da Luz, no dia da assinatura do tratado da EU; de Sócrates entrando na Casa da Música pela porta das traseiras (foi o único dirigente europeu a fugir da entrada principal) e chegando atrasado ao 5 de Outubro - chegou quando já tocava o hino, para não poder ser apupado; do rei de Espanha chegando-se à frente para perguntar a Chávez: "Porque não te calas?"; do documentário sobre a Guerra Colonial na RTP de Joaquim Furtado: honra o jornalismo de investigação, serve a história e elucida os espectadores.



Entre outras, escolho como “Frase do Ano” esta afirmação categórica:

"Quero garantir aos portugueses que nem o governo nem alguma instituição deste país deixará que alguém seja sancionado por uso do direito à liberdade de expressão" (José Sócrates, 23 /5).
A frase foi proferida no mesmo ano em que: houve visitas policiais a sindicatos para ver no que iam dar manifestações contra o Governo; o gabinete do primeiro-ministro pressionou órgãos de informação a propósito de notícias sobre a sua licenciatura da Universidade Independente; funcionários públicos foram sancionados pelo uso da liberdade de expressão; a administração de uma instituição do país dependente do Governo, a RTP, levantou um processo para o despedimento de um jornalista, Rodrigues dos Santos, pelo uso da liberdade de expressão numa entrevista.

Entre outras, escolho como “Legislação do Ano” este “tesourinho” de 1948:

“Diário do Governo, I Série, nº 244
Decreto nº 31 709, de 19 de Outubro de 1948

Normas sobre o funcionamento do Serviço de Meteorologia
Artigo 2º
Funcionários do Serviço de Meteorologia Nacional, incluindo o Director, têm um chefe. As ordens que ele der executam-se integralmente, seja qual for a opinião sobre elas; e a atitude do funcionário deve ser tal que dê a impressão de concordar inteiramente com elas, sem mostrar, nem sequer dar a entender, que os pontos de vista do chefe não merecem a sua aprovação.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 19 de Outubro de 1948
António Óscar de Fragoso Carmona
António de Oliveira Salazar”


Nova Alçiança, 10 / Janeiro / 2008

6.1.08

O cozinheiro com HIV e a velha notícia

23 de Novembro - Um cozinheiro infectado com HIV, que trabalhava num dos hotéis do grupo Sana, foi despedido em 2003 por ser portador da doença e por quebra do “dever de lealdade” (o hotel considera que os trabalhadores são obrigados a comunicar as doenças que têm). Em Março de 2007, o Tribunal do Trabalho caucionou o despedimento. E em Maio, o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão que o Público cita, afirma que a presença do cozinheiro, na cozinha do hotel, representaria «um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante», porquanto, afirmam os desembargadores Filomena Carvalho, José Mateus Cardoso e José Ramalho Pinto, «ficou provado que A. é portador de HIV e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluidos sobre alimentos servidos ou consumidos por quem tenha na boca uma ferida.» O acórdão colide com a razão científica. Há mesmo um parecer, do Centro de Direito Biomédico, que desmente categoricamente o propalado risco: «Não está provado que um empregado de uma cozinha possa, no exercício das suas funções e por causa delas, transmitir o vírus HIV.» E o coordenador nacional para a infecção HIV, Henrique Barros, eximindo-se a comentar a decisão judicial, declarou ao jornal que «do ponto de vista biológico, as conclusões tiradas [o risco de contaminação] nunca foram provadas nem a comunidade científica as considera plausíveis.» Pois. Mas à ciência o tribunal disse nada. Face ao juízo da Relação, o cozinheiro recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Infelizmente, estes casos são frequentes. É isto, o século XXI?

25 de Novembro - Há muito tempo que não lia nada que me desse maior esperança. Leio no Público o seguinte: “Sócrates acusa Governo de promover o "maior ataque fiscal à classe média"

O candidato a secretário-geral do PS José Sócrates acusa o Governo de promover o "maior ataque fiscal à classe média portuguesa" através da sua política económica e prometeu que vai combater as medidas anunciadas pelo ministro das Finanças.


Sócrates falava ontem num jantar com apoiantes que reuniu cerca de duas mil pessoas na Covilhã, cidade onde iniciou a sua carreira política.

Para José Sócrates, Bagão Félix "confirmou esta semana que a política económica dos últimos dois anos vai ser paga pelos suspeitos do costume: os trabalhadores por contra de outrem, a classe média portuguesa". "Este é o maior ataque fiscal à classe média portuguesa e o PS vai-se opor a estas medidas porque são injustas", realçou José Sócrates.

O candidato prometeu um Partido Socialista "que não seja apenas uma oposição, mas também uma solução alternativa para os problemas do país" e comentou que a possibilidade de cobrança de portagens nas auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT), como é o caso da A23, que serve a Covilhã, é um erro porque, neste caso, a A23 "não tem um verdadeiro perfil de auto-estrada" e que "não há alternativas" àquela via.

Sócrates rematou as críticas à coligação PSD-PP com o atraso na colocação de professores nas escolas, que considera ser "a maior prova de incompetência do actual governo, num sector absolutamente fundamental para o desenvolvimento do país". O socialista disse que o primeiro-ministro "precisa de dar uma explicação ao país sobre como tamanho escândalo acontece", porque a situação "é um grande desrespeito para com as famílias portuguesas", concluiu.”

“Desci à terra”, o jornal era de 18 de Setembro de 2004

Nova Aliança, 27 / Dezembro / 2007

5.1.08

A nova barragem

A putativa construção da nova barragem no Tejo, entre Constância e Almourol, merece aqui umas breves palavras. Breves porque a ser levada a cabo, ela merecerá rios e rios de tinta. Justificadamente.
Vejamos então como se passam as coisas. O município de Abrantes tem o coeficiente do IMI ( Imposto Municipal sobre Imóveis ) mais alto do país. Quer isto dizer que quando pagamos os nossos impostos que revertem para o município somos considerados cidadãos de primeira, os mais ricos do país, aqueles que podem pagar o que alguém impõe.
Ora, o que vemos à nossa volta? Como estará a ser administrado o nosso dinheiro?
Os serviços hospitalares na cidade estão como nós sabemos e a saga ainda não acabou. Levam-nos as valências, temos de suportar as despesas dos transportes para outros hospitais, as taxas moderadoras não param de subir, gastamos cada vez mais tempo em lista de espera.
A megalomania inicial propunha-se associar à imagem do Aquapólis a construção de um teleférico, certamente para os turistas virem verificar com os seus próprios olhos esse milagre económico. Depois a ideia abortou, certamente porque a cabine do dito teleférico poderia embater contra os edifícios de seis andares projectados fora do Plano Director Municipal para a Encosta Sul.
Surgiu então o açude, essa maravilha da tecnologia que faria sobressair o famoso mar de Abrantes. A cidade nunca mais seria a mesma: água pública amarela, espaços verdes abandonados, serviços de limpeza com lacunas mas sempre havia o mar. A compra de uma canoa seria tão vulgar como a compra de vestuário no Inverno. Contas furadas, parece que agora os canoístas preferem outros “mares”.
Anunciou-se também uma nova programação cultural para o Cine-Teatro São Pedro: como na batalha naval, água. O cinema está às moscas, as outras realizações são um fiasco, o público cansa-se de tentar conhecer os nomes anunciados nos cartazes. Chamariz e divulgação de projectos alternativos? Não brinquem. A Feira da Ladra está como todos nós sabemos mas não se esqueçam, temos um campo de basebol. Conseguimos assim ser visionários, talvez um dia, quem sabe, a modalidade seja mais popular.
Somos, por tudo isto, bons cidadãos, pagamos muitos impostos e por isso temos de merecer e agradecer o que fazem por nós. E a verdade é que eles se esforçam mesmo por nos dar novidades continuamente. E voltamos então ao açude.
A construção da barragem destruirá projectos inaugurados há menos de um ano e investimentos superiores a 20 milhões de contos. VINTE MILHÕES DE CONTOS. Estou curioso em saber a posição dos nossos presidentes das juntas de freguesia, sempre em dificuldades para melhorar a qualidade de vida nas nossas aldeias, perante este escândalo. Com a barragem, perderemos terrenos cultivados e casas de habitação, teremos ( eu, o leitor e os seus vizinhos somos ricos, não se esqueça ) de pagar as expropriações dos que ficarão sem casa e perderemos alguns equipamentos que já existiam antes.
Encarregue de transmitir as novidades, aparentemente antes do tempo, o que terá provocado algum “frisson” com o presidente, o vereador Pina da Costa evidencia que a dita construção significará uma efectiva “diminuição de custos para o município”. Parece que o açude tem elevados encargos de manutenção. Esta conclusão, logo após a inauguração da obra, é realmente formidável. Então não existiram estudos, senhor vereador? Então não fizeram contas, senhor vereador? Então avançaram de olhos fechados, senhor vereador? Ou partiram, senhor vereador, do pressuposto de que como somos um concelho rico e sem problemas, quem viesse atrás que fechasse a porta e apagasse a luz?
A autarquia propõe-se explicar aos munícipes as implicações que poderão surgir com a referida construção mas o vereador não deixa margens de manobra: “Tenho a certeza que eles irão entender o nosso ponto de vista”. Lamento desiludi-lo: não vou entendê-lo mas quero tirar-lhe um peso de cima. Peço-lhe que não pense por mim, não vale a pena até porque isso é feio.
“A construção do açude foi uma decisão oportuna num determinado tempo mas as coisas evoluem”. Tem toda a razão o vereador Pina da Costa. Com o dinheiro dos outros podemos fazer umas coisas engraçadas, podemo-nos cansar e comprar um brinquedo novo e assim sucessivamente até ao próximo capricho. O vereador Pina da Costa administrará da mesma maneira o seu dinheiro pessoal? Estou curioso.

Nova Aliança, 13 / Dezembro / 2007