8.2.08

O "sucesso", a ASAE e as contas espanholas

20 de Janeiro - Ontem o senhor José Sócrates Pinto de Sousa andou a fazer aquilo que se chama a gestão das expectativas. A ideia é um bocado infantil, mas faz parte da cultura política portuguesa. Acredita-se que se o Primeiro-Ministro disser que a economia vai bem, então os agentes económicos investem e produzem e a economia ficará mesmo bem. A gestão das expectativas já em si mesmo uma ideia estúpida, mas é ainda mais estúpida quando praticada por um político que já mentiu várias vezes e cuja credibilidade é nula.

Imagine-se o capitão do Titanic a gerir expectativas:

-- Não, não era um iceberg, era apenas um pedaço de madeira.
-- As bombas vão tirar esta água toda.
-- Inclinar? Claro que não está a inclinar ...
-- Há botes para todos e ainda sobra.
-- A água está quentinha.

22 de Janeiro - É nestes artigos da lei que Francisco George se apoia para dizer que a legislação não oferece dúvidas. "As discotecas não são restaurantes, não lidam com alimentos, pelo que não estão sujeitos às mesmas restrições de espaço para fumadores", disse ao DN. Uma situação que deixa às discotecas margem de manobra para decidirem a extensão das suas áreas azuis. Acontece que o número 5 engloba não só as discotecas, como os órgãos de soberania, centros comerciais, feiras, aeroportos, estações ferroviárias, locais de trabalho, estabelecimentos de ensino (desde que tenham alunos com mais de 18 anos), lares e salas de espectáculo - que podem agora exigir tratamento igual.

24 de Janeiro – Notícia do Jornal de Notícias: "Dos 60 funcionários da Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte que foram colocados no quadro de Mobilidade Especial e cuja providência cautelar foi deferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, quatro estão já a trabalhar em outros serviços do Ministério da Agricultura, sete estão em outros ministérios e dois aposentaram-se.
Em conferência de imprensa, o ministro Jaime Silva referiu que, dos 47 funcionários restantes abrangidos pela providência cautelar "11 apresentaram-se hoje" nos serviços e "o Ministério da Agricultura encontrará um local apropriado para serem instalados""
 Isto apesar do ministro ter afirmado que algumas das suas funções foram extintas. Assim vai a mobilidade deste Governo.
25 de Janeiro - O inspector-geral da ASAE, António Nunes, garante nunca ter defendido o encerramento de metade dos restaurantes portugueses, tendo sublinhando apenas a necessidade de modernização do sector. “O que quis dizer é 50 por cento da restauração precisava de modernizar-se, adaptar-se”, afirmou António Nunes, durante a audição na comissão parlamentar de Assuntos Económicos, agendada a pedido do CDS-PP. Há cerca de três semanas, em entrevista ao semanário “Sol”, o inspector-geral da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica argumentava que metade dos restaurantes e cafés portugueses “estão condenados a fechar” devido ao incumprimento de regulamentos comunitários.
26 de Janeiro - O Governo espanhol decidiu devolver cinco mil milhões de euros aos contribuintes, “como forma de estimular a economia”.
Por cá, o Orçamento do Estado para 2008 vai levar-nos mais 2,3 mil milhões de euros a mais do que o OE de 2007, que nos levou mais 2,4 mil milhões do que o OE de 2006, que nos levou mais 2,7 mil milhões do que o OE de 2005. Naturalmente, como forma de estimular a despesa pública!...
Zapatero, embora socialista, há muito entendeu que a despesa pública, na actual situação das economias em que nos inserimos, não gera riqueza. Em Portugal, todos os bem pensantes ainda pensam que sim e apoiam a política fiscal do Governo. Com os resultados que estão à vista.

27 de Janeiro - Por falar em assuntos que aparentemente não interessam aos jornais ( por exemplo, o enriquecimento surpreendente de alguns políticos, incluindo autarcas, gestores, etc ), o economista Medina Carreira, entrevistado ontem por Mário Crespo, comentando as recentes declarações do Bastonário dos Advogados, lembrou o óbvio: «Indivíduos que chegam a Lisboa com uma mão atrás e outra à frente e são hoje detentores de grandes fortunas» (cito de cor). E «ninguém quer saber», acrescentou. De facto. É nestas alturas que tenho saudades do velho Indy ou Independente, como queiram. E já agora, tenho saudades de todos os que se insurgiram no passado com as injustiças de alguns governantes e de alguns regimes e que agora metem o rabinho entre as pernas, assobiam para o lado e vivem no paraíso. Coitados…

Nova Aliança, 7 / Fevereiro / 2008

Os santos nas escolas, Luís Pacheco e o novo aeroporto

1 de Janeiro – O fumo “bom” - O director da ASAE foi apanhado a fumar num espaço fechado, mas garante que não estava a violar a lei. Parece que dentro de um casino o fumo não prejudica a saúde…


6 de Janeiro – Nomes dos Santos nas escolas - Uma escola que se chame Escola Secundária Santo António passará a chamar-se Escola Secundária Fernando Martim de Bulhões. Uma que se chame Escola Secundária Santo Agostinho passará a chamar-se Escola Secundária Aurélio Agostinho ou Escola Secundária Agostinho de Hipona. A Escola Secundária Rainha Santa Isabel vai passar a chamar-se Escola Secundária Isabel de Aragão.

É possível que a Escola Secundária Padre António Vieira tenha que se chamar Escola Secundária Sr. António Vieira.

Uma hipotética Escola Secundária Nossa Senhora de Fátima terá que mudar de nome para Escola Secundária Fatima bint Muhammad.

7 de Janeiro – Os nossos bolsos - Não sei se ficou claro para todos: são 68 cêntimos por mês que o governo vai pagar aos reformados para não lhes entregar, em Janeiro, o aumento a que têm direito relativo a Dezembro. O secretário de Estado explicou na SIC essa sua tendência para a generosidade: «Não seria aceitável que os pensionistas recebessem um valor de pensão qualquer em Janeiro e no mês seguinte o valor do seu recibo de pensão era menor, diminuía.» Não seria nada aceitável. Está na cara. E quanto a juros, qual é o banco em que o governo tem conta?

9 de Janeiro – Ele dará o exemplo? - Em matéria de linguagem, o director da ASAE ensinou o caminho: “É o rumo desta sociedade e nós, se não quisermos viver nesta sociedade, temos a hipótese de emigrar.”

11 de Janeiro – O exame conterá matéria da TLEBS ? - Esta história, contada no Diário de Notícias, é exemplar: como é que uma emigrante cabo-verdiana, de 48 anos, que trabalha 16 horas por dia, que está em Portugal desde 2000, que vive com o marido e os três filhos, que tem casa própria, que paga contribuições, que tem vida feita aqui, tem o descaramento de pedir a nacionalidade, se não passa no exame de Língua Portuguesa? Ah, nação valente, imortal, quantas das tuas lágrimas são o orgulho de Portugal?

12 de Janeiro – Um escritor bem “português” - Há dois séculos que a literatura portuguesa anda a tentar inventar imagens fiéis da "nossa terra". Quando se fizer o balanço dessa velha mania, ver-se-á que alguns dos esforços mais memoráveis são de Luiz Pacheco. Por exemplo, Porto-Lisboa a pedir esmola. Eis o resumo (versão de Exercícios de Estilo, a melhor): no Porto, decidido a ir de comboio para Lisboa, o autor só tem dinheiro para o bilhete até Soure. Tenta, com uma mentira, comover o chefe da Estação de S. Bento: espera-o em Lisboa uma pessoa de família doente. O chefe de estação percebe a vigarice, mas decide empurrar para a frente: que compre bilhete para Soure, e, em lá chegando, fale com o chefe do comboio. Em Soure, o chefe do comboio barafusta imenso, mas (e é o que importa) não o põe fora na estação, passando a chatice ao revisor. Este, sem vontade de levantar o devido "auto", tem uma ideia para "legalizar" o viajante: e se ele pedisse esmola aos outros passageiros? O próprio revisor chama a atenção da carruagem (de terceira classe, apinhada de gente, cestos e garrafões), e exibe o desgraçado: sem bilhete, em chegando a Santa Apolónia, irá preso (mentira). Todos se condoem: coitadinho. As moedas aparecem, o bilhete e a multa são pagos. Pela cabeça do autor passa a ideia de recorrer novamente ao truque da próxima vez que viajar.
Aldrabice, aversão às responsabilidades, sentimentalismo: é um Portugal imaginado, mas a quem é que apetece dizer que não é verdadeiro?

13 de Janeiro - Aeroporto Mário Lino - A cara de pau de Mário Lino sentado ao lado de Sócrates quando este anunciava que o novo aeroporto ficará no suposto "deserto" e, paradoxalmente, tinha o topete de gabar o ministro que tinha feito da Ota um "compromisso pessoal", é bem reveladora da extrema elasticidade da espinha moral de quem nos governa. São capazes de admitir tudo e o seu contrário, reduzem a pó as suas promessas mais enfáticas com a maior facilidade, abandonam compromissos éticos em nome da "ética da responsabilidade" e mentem, mentem sempre, compulsivamente, quase por acto de fé.
Apesar de tudo, o dia de hoje é feliz - evitou-se um erro gigantesco e pouparam-se muitos milhões ao erário público (e privado, por consequência socialista). E muito se deve a Mário Lino: sem a sua actuação politicamente grotesca, talvez a Ota fosse para a frente. No mínimo, o futuro aeroporto de Alcochete merece ostentar o seu nome. E dou mais sugestões, mas para os serviços de apoio do novo aeroporto: restaurante 'Jamé', papelaria 'Compromisso pessoal', café 'O maior camelo do deserto'...

Nova Aliança, 24 / Janeiro / 2008