14.5.08

Os lucros dos lares de idosos e a insegurança nas esquadras

22 de Abril – Solidariedade ou lucro?
Foi hoje notícia que “há lares de idosos sem fins lucrativos que arranjam vagas em troca de donativos”.
Estes lares de idosos fazem parte da rede de instituições de solidariedade social, incluindo as misericórdias, através da qual o Estado concretiza as suas políticas de acção social. Estamos perante instituições sem fins lucrativos com quem o Estado faz contratos, mediante um preço, com vista a assegurar o acolhimento e a prestação de serviços aos beneficiários que a elas recorrem.
É importante recordar que estas instituições sendo financiadas pelo Estado, ou melhor com os impostos cobrados aos contribuintes, devem cumprir com a legislação e as regras contratuais estabelecidas. A razão da sua existência é a satisfação de necessidades das pessoas carenciadas que a elas recorrem porque não auferem rendimentos que lhes permitam pagar serviços de assistência privados.
Não sei se são muitas as situações de instituições que exigem entregas adicionais – “direitos de entrada” – aos idosos carenciados e às suas famílias e não sei se a grande maioria ou uma minoria destas instituições utiliza ou não utiliza essas práticas. Agora o que sabemos é que é assumido pelas entidades da segurança social e por altos representantes das instituições de solidariedade social que a realidade existe. A segurança social queixa-se que tem dificuldade em actuar, sabendo que tal prática pode constituir crime de burla. As instituições de solidariedade social salientam que “muitas instituições estão a lutar pela sua sobrevivência” porque a comparticipação do Estado por idoso – fixada, segundo a notícia, em 330 € mensais – não chega para financiar metade do custo que em média um lar tem por cada pessoa internada.
Estamos assim perante situações ilegais, irregulares, imorais, em suma inadmissíveis, em que as instituições de solidariedade social fazem condicionar a atribuição de uma vaga em troca da entrega de uma entrada em dinheiro (segundo a mesma notícia o direito de entrada do caso apresentado ascendia a 15.000 €) ou até de uma herança futura como também consta.
O mais grave de tudo isto é que, no meio desta “selva”, são os idosos carenciados as vítimas destas práticas. São justamente estas pessoas que não tendo rendimentos necessitam do apoio do Estado e que não podendo fazer “donativos” porque os seus rendimentos não permitem ficam fora do sistema. Isto é, não têm acesso ao apoio do Estado.
É a total perversão do sistema, com o consentimento, pelos vistos, de uns e de outros. Uns por umas razões, outros por outras. No meio estão idosos indefesos e vulneráveis. Uma grande injustiça! Será que alguém está interessado em apurar responsabilidades? Em pôr cobro a este estado de coisas? Se as regras de financiamento e de funcionamento estão erradas, pois então que se alterem!

24 de Abril – O Estado? Sim!
“… o presidente da junta de freguesia da Ericeira contou que, após vários anos a aproveitar os óleos usados, a Direcção-Geral de Finanças do Ministério da Economia e a Direcção-Geral de Alfândegas informaram-no de que necessitava de legalizar a produção de biodiesel. «Fiz todos os esforços para me legalizar e, depois de preencher uma série de requisitos, fiquei espantado ao deparar que a quota está esgotada no país», disse Joaquim Casado.
Depois disso, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) multou a junta de freguesia em sete mil euros por lesar o Estado, ao «deixar de comprar combustíveis fósseis», porque ao não os comprar, o Estado «não arrecada a percentagem de 50 por cento»”.

28 de Abril – (In)Segurança.
Um rapaz de 20 anos foi ontem à esquadra de polícia de Moscavide queixar-se de uma agressão de que fora vítima. No momento em que formalizava a queixa, os agressores (um grupo de brasileiros) entraram na esquadra e deram-lhe um enxerto de porrada. O queixoso foi dali para o hospital. Na esquadra havia um único polícia. Isto é um domingo à tarde em Moscavide. Depois das tentativas iniciais de desvalorizar a invasão da esquadra da PSP de Moscavide não terem caído muito bem, o Ministro da Administração Interna vem agora considerar “desaconselhável” haver apenas um agente nas esquadras.
Caso não seja suficiente para acalmar a opinião pública, sugiro, em alternativa, duas medidas adicionais:
1- Um documentário de Diana Andringa que demonstre conclusivamente que a invasão da esquadra da PSP de Moscavide nunca aconteceu.
2- Para as esquadras localizadas em lugares mais pacíficos, penso que bastará um “Securitas” sentado a uma secretária a limar a unha. Este será um tremendo elemento dissuasor, para mais se for apoiado por um daqueles tradicionais sistemas electrónicos: uma câmara de vigilância e um alarme ligado à central, que quando activado soará em simultâneo... na esquadra da polícia, para um eficaz e pronto socorro.

Nova Aliança, 16 / Maio / 2008

Um bom exemplo, a escola de labregos e Musil

14 de Abril – Generosidade
Uma turma de uma secundária de Reguengos de Monsaraz, deixou de lado a possibilidade de recolher fundos destinados à viagem de finalistas, para ajudar a pagar o custo elevado da reparação do carro de um professor, acidentado durante uma actividade organizada pela escola.
Na falta de veículos que transportassem os alunos, um dos docentes emprestou a sua viatura que acabou acidentada, sendo vultosos os prejuízos.
Os alunos organizaram um jantar de recolha de fundos para reparação da viatura. E admitem abdicar da sua viagem de finalistas, canalizando o que juntarem para aquela necessidade.
Importa sublinhar estes exemplos. Dos professores generosos que empenham na educação tempo e meios para além do que é a sua obrigação. E de alunos que cultivam a solidariedade como valor. E a sobrepõem a apelos a que é natural não resistir naquela idade, como é o caso da almejada viagem de finalistas.
Aí está uma escola - Escola Secundária Conde de Monsaraz – que parece ser, acima de tudo, um centro de formação de bons cidadãos.

20 de Abril – Repetência ou Passagem?
A Ministra da Educação diz que "chumbar os alunos é a maneira mais fácil de resolver o problema...". E eu pergunto: para quê, então, complicar?
Mas a Ministra continua a falar: "...O que significa é que a repetência devia constituir um espaço de trabalho efectivo para que eles recuperassem. O problema é que esses alunos nunca recuperam".
E eu pergunto, mais uma vez: então, para evitar a repetência, dá-se aos alunos a passagem, como forma de recuperação?

21 de Abril – Labrego, sê-lo ou não.
Os conflitos entre alunos e professores na escola estão longe de terminar. Muito longe mesmo. Uma menina teria apelidado a professora de ‘labrega’ e a visada ameaçou ir para tribunal. A mãe julga exagerada essa reacção e esclarece: “Para mim, ‘labrega’ é uma pessoa do Norte”.
Quem sou eu para negar o monopólio dessa condição a ‘Norte’ (conceito vago que, a crer no futebol, consistirá numa espécie de mapa entre a Póvoa de Varzim e Aveiro) mas uma rápida consulta do dicionário desmentiria tal definição. Ora, embora a senhora nunca o venha a perceber, foi ela a autora da ofensa mais rude – quero dizer com isto que a afronta da mãe explica a da sua filha e explica muitas coisas na sociedade portuguesa.

23 de Abril – Um muito bom livro.


Esta é, desde já, uma das edições mais importantes entre todas as que ocorrerão em Portugal no decurso deste ano. Chama-se O Homem sem qualidades e é da autoria de Robert Musil. Os dois volumes que a Dom Quixote acaba de fazer chegar às livrarias constituem, no nosso país, a primeira versão completa, traduzida directamente do alemão, do incompleto romance musiliano. João Barrento, o responsável pela presente versão de Der Mann ohne Eigenschaften, referiu ter andado três anos à volta do texto, o que até nem é muito, sobretudo se tivermos em conta que, para o autor, o romance ocupou bem mais de dez; começou a ser publicado em 1930 e representou um projecto em trabalho permanente até à morte de Musil, em 1942.
A importância de O Homem sem Qualidades para uma modernidade literária marcada pelo questionamento e mesmo pela sabotagem da organização que poderíamos chamar clássica da linguagem não parece tão visível como no caso de outros romances (como Ulysses, por exemplo), mas a verdade é que o início se constitui desde logo como o oposto do que tradicionalmente seria o começo de uma narrativa, precisamente por anunciar que nada acontece. Ao mesmo tempo, a descrição parcelar das condições atmosféricas, no aparente intuito de localizar a acção no tempo, indicia a impossibilidade de apreender a totalidade, o que é uma das características mais assinaláveis da modernidade.
Não surpreende, portanto, que o romance questione o modelo oitocentista da narrativa, não só porque se baseia, em grande medida, em diálogos reflexivos e em digressões que servem fundamentalmente para prolongar o que é ensaiado nas falas das personagens, mas também porque a ironia se constitui como o próprio modelo estrutural do livro. Esta questão pode ser mais facilmente compreendida se recorrermos a uma cena em que Ulrich, o protagonista, é obrigado a interromper uma série de importantes reflexões por ter chegado ao seu local de destino. O que Musil sugere aí é que o lugar do pensamento no nosso tempo não é mais do que o percurso entre dois espaços, ou seja, o que sobra da acção. Assim, a ironia vira se contra a obra que a funda e impede que esta se tome demasiado a sério, abrindo espaço para a contingência, para a possibilidade, em suma, para o acaso.


Nova Aliança, 2 / Maio / 2008