15.9.08

Obikwelu e o medalheiro olímpico

20 de Agosto – Obrigado
"Agradeço a todos, porque estiveram a ver-me na televisão, e peço desculpa." Eu estive a vê-lo na televisão e tomo a frase para mim: Francis Obikwelu pede-me desculpa!

Ele ainda há-de engolir essas palavras. Quem pensa ele que é? Vou--me a ele e espeto-lhe o dedo no peito: "Oiça lá, meta as desculpas onde quiser. Eu não as admito, ouviu?! Eu de si só quero que aceite o que tenho a agradecer-lhe." E, depois, disparo.

Desde logo aquele dia de Atenas em que fiquei sentado no estádio muito mais tempo do que ele levou a fazer - a uma vintena de metros dos meus olhos - os seus 100 metros de prata. Não conheci o vencedor. Nem me preocupei. Só ele contava não porque fosse belo a correr, mas porque dele sabia-lhe a história.

Tenho emigrantes na família e o africano Francis Obikwelu veio para Portugal aos 16 anos. Obikwelu trabalhou nas obras e, diz-se, acarretando os sacos de cimento arranjou a estrutura muscular que haveria de o prejudicar nos arranques das corridas (pois é, ser pobre paga-se). Para fazer aquilo que queria, atletismo, chegou a dormir sob as bancadas do estádio do Belenenses.

Aconteceu que Francis Obikwelu encontrou uma família portuguesa que lhe deu a mão e aconteceu que a essa família ele deu aquele sorriso com que brindou o Ninho de Pássaro, ontem, antes de sabermos que era a sua derradeira corrida. Com Portugal, Obikwelu fez o mesmo, um contrato. Coisa simples e entre iguais: eu dou e tu dás.

Sendo assim, porque digo que lhe estou agradecido? Porque são raros os que, como Obikwelu, não pedem, trocam. Ou, melhor, não são raros, fala-se de mais é dos outros. Ontem, lamentando não ter dado o que os portugueses esperavam, Obikwelu disse: "Este é o meu trabalho e queria pelo menos dar uma final aos portugueses."


Repararam na palavra? Trabalho. É a palavra dos homens. Obrigado, Obikwelu.

22 de Agosto – Medalheiro
No fim dos jogos olímpicos de Atenas, um responsável da União Europeia exultou: a União Europeia tinha ganho 286 medalhas, contra as 103 ganhas pelos Estados Unidos.

Fiquei a saber que a União Europeia tem competências em tudo, incluindo no desporto. O mesmo responsável disse ainda que em 2008 em Pequim vai ser ainda melhor. Porquê? Porque o desporto europeu se vai desenvolver ainda mais? Népias. Porque a Roménia e a Bulgária vão aderir à União em 2007 e a União vai passar a ter mais medalhas em ginástica, boxe e halterofilismo. Ao que parece, está a ser estudada a adesão da Etiópia e do Quénia, fortes nas corridas de fundo, e de algumas ilhas das Caraíbas com tradições nas corridas de velocidade.

As medalhas europeias tornaram-se motivo de orgulho para alguns blogs internacionalistas, para os quais o nacionalismo é mau, excepto à escala continental e contra os Estados Unidos.
Há apenas um pequeno detalhe a estragar a festa: a União Europeia não é um país e não está sujeita aos limites de 3 atletas por modalidade individual e de uma equipa por modalidade colectiva.

Desde os Jogos Olímpicos de Paris de 1924, mais de três dezenas de atletas portugueses alcançaram o pódio, em diferentes modalidades.

Esses atletas deram a Portugal dez medalhas no atletismo (quatro de ouro), uma medalha de prata no ciclismo, três medalhas de bronze no hipismo (colectivas), uma medalha de bronze na esgrima (colectiva), uma medalha de bronze no judo, uma medalha de prata no tiro, uma medalha de prata no triatlo e quatro medalhas colectivas na vela (duas de prata).

O estado do tempo, a poluição, a hora da competição e as histerias de éguas ou cavalos nunca constam do quadro de resultados ou dos almanaques olímpicos. Também não é uma prática a inscrição de alegadas interferências da arbitragem em notas de rodapé à frente do nome dos medalhados.

Mas deixem-me perguntar: se a nossa sociedade é “balda” e pouco rigorosa, não serão os nossos atletas um espelho muito real?|

Eu também gosto de não pagar impostos, receber bolsas para fazer o que gosto, aprecio a caminha de manhã, bloqueio quando vejo multidões, não gosto de me cansar... Será que posso ir a Londres 2012?


Nova Aliança, 4 de Setembro de 2008

O Racismo e as previsões do Banco de Portugal

12 de Julho -Rui Tavares poderia ter escrito uma crónica igualzinha a menorizar o assassinato de Alcino Monteiro. Racismo? Crime motivado pelo ódio racial? Nada disso. Se fosse no Porto, lá entre eles, ninguém diria que é racismo. Porque é que em Lisboa haveria de ser diferente? O que aconteceu com Alcino Monteiro ou o que aconteceu na Quinta da Fonte é criminalidade comum, excepções a que não se deve dar grande importância. Coisas que dão jeito ao Paulo Portas e nada mais. Ah, claro que podemos discutir coisas profundíssimas como as armas ilegais, o bairro social, o racismo e preconceito inter-étnico (nomes diferentes para a mesma coisa, mas a segunda designação torna o racismo mais compreensível) etc. Mas agora não me apetece. Rui Tavares acha que, se desconversar, o caso da Quinta da Fonte deixa de ser um caso evidente de conflito inter-étnico. Rui Tavares, no Público de hoje, dá hoje uma resposta incisiva a todos os que achava que a esquerda tinha ignorado e assobiado para o ar, no caso da Quinta da Fonte. A Fernanda já tinha aflorado o assunto, desmentindo aqueles que, como eu, imaginavam que o único tema que levaria o 5 Dias dissertar sobre  “acontecimentos” na Quinta da Fonte seria a veemente denúncia de preconceitos sociais conservadores atávicos que impediam a concretização de um casamento gay inter-étnico no bairro. O caso da quinta da fonte demonstra o que acontece quando as minorias passam a maiorias. Fico mais descansado por saber que todos diferentes mas todos iguais. A Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural considerou hoje os confrontos com armas de fogo no bairro da Quinta da Fonte, em Loures, um caso "isolado"."Na sexta-feira à tarde, meia centena de indivíduos de dois grupos envolveram-se em confrontos com utilização de armas de fogo, segundo a PSP, que indicou ter detido dois indivíduos e apreendido algumas armas de fogo e munições de calibre variado. No dia anterior, uma rixa entre dois grupos de do mesmo bairro tinha provocado nove feridos ligeiros e danos em várias viaturas." (Lusa)Dois casos isolados, portanto. Está tudo bem.Pois bem, já ninguém pode argumentar que a esquerda ignorou o caso. O Rui dedica a sua crónica de última página, inteirinha, ao caso. Faz longas considerações sobre as noites do Porto, as noites de Lisboa, a vida como ela é e a nossa mania de interpretar erradamente os acontecimentos, bem ilustrada com comparações arrasadoras sobre crimes idênticos mas que nós interpretamos como diferentes. Consegue provar empiricamente que não é por dizermos ‘pretos e ciganos’ que os problemas se resolvem. O artigo é excelente. Conclui-se que, no passado dia 11 de Julho, na Quinta da Fonte, freguesia da Apelação, concelho de Loures, distrito de Lisboa, não aconteceu nada. Rui Tavares, no Público de hoje, dá hoje uma resposta incisiva a todos os que achavam
14 de Julho - "As previsões do Banco de Portugal só foram conhecidas depois do debate do Estado da Nação. (...) Isto chama-se Cooperação Estratégica….entre o Banco de Portugal e o Governo"Vítor Constâncio foi à assembleia da república. Como é um homem culto e muitíssimo inteligente não quis maçar os deputados com aquilo que é o seu trabalho e falou sobre quase tudo o resto. Políticas energéticas, nichos de mercado para exportações e outras coisas que mais. Sobre Aimar, curiosamente, nem uma palavra. «A confiança na nossa economia atingiu, já este ano, níveis mínimos verdadeiramente históricos. Crescimento, investimento, confiança, tudo parece afundar-se nos gráficos…
(...) É preciso dizer a verdade: isto não está a correr mesmo nada bem!!
Em qualquer país, esta situação há muito que teria feito soar as campainhas de alarme».
José Sócrates, AR, 2 de Outubro de 2003.
«Agora, o desemprego sobe mais entre as pessoas com curso superior e sobe mais entre os jovens!! (...) É por isso que, se há uma "imagem de marca" deste Governo, se há uma imagem que marca a governação desta maioria, ela é, sem dúvida, a marca do desemprego. Triste marca!
(...) O Governo só tem tido uma preocupação: por um lado, inventar desculpas, por outro, procurar culpados. E vai logo aos suspeitos do costume: a culpa já foi da "pesada herança", já foi dos sindicatos, já foi das leis laborais e até da Constituição, tendo passado, depois, para a conjuntura internacional»
José Sócrates, AR, 2 de Outubro de 2003

Manuel Pinho diz que "o Banco de Portugal prevê uma desaceleração do crescimento em Portugal bastante menor que em vários países europeus que estão à beira de uma recessão".
Manuel Pinho exemplificou com os casos de Espanha e do Reino Unido.
Outra das grandes preocupações do Governo no início do seu mandato, passava pela "generalização do acesso à Internet e às tecnologias de informação e comunicação (TIC)". Ora, se em 2005/2006, altura em que o Governo tomou posse, Portugal ocupava a 27.º posição no ranking que mede o acesso às TIC, tendo o Governo assumido o compromisso de melhorar tal posição, a verdade é que Portugal ocupa em 2007/2008 a 28.ª posição. Onde é que anda a oposição?
Uma das preocupações do Governo no seu Programa, passava pela fraca competitividade de Portugal "a fraca competitividade e a baixa produtividade estão na raiz do baixo crescimento da economia portuguesa. Em vez de melhorarmos, temos descido nos rankings internacionais". O Programa remete para um quadro, no qual constatamos que Portugal, em 2003/2004, se encontrava em 25.º lugar no quadro da competitividade. Ora, de acordo com a mesma fonte utilizada pelo Governo, Portugal, em 2007/2008, encontra-se em 40.º lugar no mesmo quadro da competitividade, o que significa que desceu 15 lugares desde 2003/2004. Onde é que anda a oposição?

Nova Aliança, 24 de Julho de 2008

Os "spin-doctors"

Os tempos andam difíceis para os “spin doctors”. Por esta expressão são conhecidos os conselheiros dos governantes, aqueles que pretendem estar um passo à frente do comum dos mortais. E andam difíceis porque a conjuntura teima em não dar tréguas, em desdizer aquilo que defendem. Querem alguns exemplos em quase quatro mil caracteres?
Depois de se considerar “o melhor primeiro-ministro” da história, Sócrates teve um baque ao conhecer os resultados do referendo irlandês. O seu empenho, a sua dedicação, o seu esforço, tudo por água abaixo. Tantos planos, tantos arranjos, e afinal a estratégia esboroou-se, qual castelo de cartas. Quanta injustiça, como diria o Calimero!! Quem, como ele, prometeu um referendo sobre o tema aos portugueses, assiste até ao momento à vitória do “Não” ao Tratado Europeu em todos os países que realmente deram voz às pessoas.
A prestação da selecção não deixou também muitas saudades em São Bento. Aquele que seria um período de esquecimento dos problemas reais foi, afinal, mais curto que o desejado. Aí estão de novo as listas de espera nos hospitais, a subida da inflação, o aumento dos impostos, as dificuldades de todos os dias. Scolari não terá em Sócrates um admirador porque “ajudou” o país a reencontrar o país em crise. Ora, foi Sócrates quem o segurou depois da agressão a um jogador sérvio, o que não é de estranhar porque, dizem-me agora, a empresa de comunicação que gere a imagem da selecção é dirigida pela mulher de Armando Vara, um amigo e, mais do que uma esperança, uma autêntica certeza do panorama bancário português.
Depois os exames. Eles servem para complicar? Estão enganados, isso era antes. Agora é muito simples: aumenta-se o tempo de duração e diminui-se o grau de dificuldade. Daí a “sugestão” para serem afastados os professores correctores que se afastem da média. As estatísticas são o mais importante e, por comparação, temos de fazer boa figura lá fora. Se sobre esta questão subsistir alguma dúvida, faça-se esta experiência: peça-se a um aluno universitário que faça os exames deste ano e ouçam-se as suas respostas sobre o grau de dificuldade. Elas serão evidentes. Ainda na Educação, há contudo uma medida a realçar: o Dia do Diploma será comemorado a 12 de Setembro. Se o leitor não alcança a importância desta medida, está a ser também “injusto”: nessa data os nossos jovens ficarão com a vida mais facilitada e com um diploma dos estudos concluídos no bolso. A 13 de Setembro a sua vida será, certamente, diferente e o mundo mudará.
Finalmente, a pose. A cor da gravata é estudada ao pormenor. Ela é da mesma cor da mesa do estúdio. Na última entrevista que passou na RTP ( é incrível verificar que em momentos de crise, há sempre uma entrevista estratégica… ), tudo está feito para prestar um serviço de propaganda ao primeiro-ministro. O ar nervosinho dos dois jornalistas ( parecem ir prestar provas a um patrão possível ), aquela solenidade tossida e composta do ambiente no estúdio, aquele belo cenário em fundo condizente com a gravidade da coisa. Antes, as imagens da chegada e depois da caminhada de Sócrates para o estúdio - vedeta ansiada que chega com aquela leve mostra de nervosismo que convém sempre às grandes personagens cientes da sua tremenda, pesada responsabilidade. Ele vela por nós. Não se preocupem, pequeninos desamparados e aflitos. Ei-lo que chega. E ele logo à primeira pergunta, a da "crise", põe aquele ar
( quem não vê que é postiço? ) de gravidade ( o peso, o tremendo peso... ), de franzida preocupação. A situação é muito difícil, é, não brinquemos à política que eu estou aqui para me preocupar com coisas sérias e para vos tratar da saúde. E trata mesmo, essa é que é a verdade!

Nova Aliança, 10 de Julho de 2008