1.1.09

Nós, os Portugueses

6 de Dezembro – Um dia destes as pessoas não aguentam mais. Tantos sacrifícios infligidos àqueles que pouco ou nada têm – a esmagadora maioria – são insuportáveis. E tanto zelo a proteger os que tudo têm – a escandalosa minoria – é intolerável. Qualquer dia vai tudo raso!
Os cidadãos anónimos começarão a fazer – em público e em coro – perguntas assassinas a um governo de maioria absoluta, que de socialista só tem o nome, e que, na prática, só protege os senhores do dinheiro, sacrificando os que apenas vivem do seu trabalho.
Poderão dizer que é demagogia, mas faz todo o sentido perguntar porque é que seria tão prejudicial para a imagem deste país deixar falir o BPP, um minúsculo e ridículo banco que apenas gere fortunas dos muito ricos – especulando sem freio na bolsa – e já não é prejudicial para essa imagem deixar que fechem as portas dezenas de empresas que nem sequer faliram – algumas fecham tão-só para reduzir os custos das multinacionais – e que, assim, lançam no desemprego e na pobreza vários milhares de trabalhadores?!
Mais: porque é que o Estado saca do dinheiro dos contribuintes para proteger o BPN, banco de vigaristas de alto coturno afogado em burlas de toda a espécie, como se fosse bom para a imagem do país salvar a face de uma instituição corrupta que tem enchido os bolsos de alguns dos mais indignos representantes do chamado «bloco central»?!
Há limites de tolerância para tão flagrantes injustiças e tanto escândalo. Será que ainda não perceberam que o «capitalismo de compinchas» é uma vergonha e está a ruir?

10 de Dezembro - Isto da alta finança é uma coisa complicada. Não é por isso fácil explicar os escândalos financeiros aos portugueses. Felizmente, os portugueses estão familizarizados com um esquema semelhante ao esquema Madoff que era assim como a Segurança Social portuguesa. Os clientes de Madoff eram assim como o jovem de 23 anos que começa a descontar para a segurança social. Primeiro faziam um depósito. Qualquer coisa como os 33% que cada trabalhador desconta para a segurança social por mês. Madoff prometia aos clientes uma rentabilidade de cerca de 10% ao ano. O Estado português promete ao jovem de 23 uma reforma valorizada relativamente ao salário actual a pagar daqui a 42 anos. Madoff usava os depósitos dos novos clientes para pagar juros aos antigos. O Estado português usa as contribuições dos novos contribuintes para pagar reformas aos mais antigos. É tudo. Portanto, os dois esquemas são muito semelhantes. Há apenas uma diferença. Bernard Madoff vai preso. Os políticos portugueses que criaram a Segurança Social fizeram leis que tornam o seu esquema perfeitamente legal.

14 de Dezembro – A Ministra da Saúde não gostou de uma pergunta à sua colega da Educação e ralhou à jornalista. Um jornalista da RTP tentou questionar a ministra da Educação sobre os protestos dos professores. Ana Jorge não gostou e reagiu à pergunta, dizendo-lhe: "O quê? O senhor não sabe o que está combinado? Que hoje só pode fazer perguntas sobre esta cerimónia e sobre o plano de combate à sida nas escolas? Ainda por cima é a RTP, a televisão pública, a fazer uma coisa destas. E, depois, logo à noite, não sai a reportagem."
Este episódio é de tal modo esclarecedor sobre o actual estado de coisa que me abstenho de fazer qualquer comentário.
16 de Dezembro - "O problema da violência na escola tem uma explicação raramente focada. Nos anos 1950, quando apenas 13% dos jovens permanecia na escola após a 4ª classe, a cultura que se vivia no então chamado ensino secundário - do actual 5º ao 12º anos - era semelhante à que reinava nas famílias. A mortalidade escolar encarregava-se de libertar as escolas dos filhos dos pobres. Tanto os pais como os professores pertenciam à mesma classe. (...) Era fácil ser-se pai e docente. Nas décadas de 1970 e 1980, os adolescentes passaram a contestar com crescente virulência, a autoridade. (...) A indisciplina tornou-se a nota dominante. Hoje, quem carece de estímulo à auto-estima, não são os meninos, mas os adultos. (…) Não vejo uma solução fácil para o problema [a violência na escola moderna]. A esquerda continua a defender que as crianças são como as flores; a direita que tudo se resolve com um par de bofetadas. (...) Muitas das crianças que hoje frequentam a escolaridade obrigatória não são capazes de estar sentadas durante mais de quinze minutos; não suportam um revés, sem se insubordinarem; provêm de um mundo de tal forma esquálido que o esforço que o estudo exige se lhes parece inútil. O reconhecimento de que parte da violência escolar tem causas de natureza social não me leva a ser complacente com o mau comportamento nas escolas de aula. Vítimas, ou não, os alunos devem ser julgados pelos seus actos, não pelos seus traumas.”

Maria Filomena Mónica, "Nós, os Portugueses", Quasi Edições, 2008 (página 66).

Nova Aliança, 26 / Dezembro / 2008

O Zé e a educação 'kafkiana'

26 de Novembro - O ministro português Fernando Teixeira dos Santos é considerado pelo jornal britânico "Financial Times" (FT) como o pior ministro das Finanças entre os 19 países da União Europeia (UE) analisados. Logo ele de quem dizem que salvou o país da recessão. O fraco desempenho da economia nacional e o baixo perfil europeu justificam a escolha. O melhor é o finlandês.

4 de Dezembro – Conhecem-no certamente. José Sá Fernandes é o responsável pelo facto de os lisboetas terem ficado privados durante muito tempo do túnel do Marquês. Num país a sério, o senhor teria sido responsabilizado criminalmente pelo facto. Era a velocidade no interior, era a altura, era o nível de inclinação e, como podemos verificar diariamente, tudo está mal e os acidentes “sucedem-se”.
Por sua responsabilidade, o túnel foi embargado levando a horas intermináveis de espera por parte dos automobilistas, não falando já no prejuízo do comércio da zona. Esse episódio foi apenas mais um onde a personagem se vangloriava de se colocar sempre ao lado do cidadão, assumindo mesmo o epíteto de “consciência crítica” da cidade. Era a época do slogan “O Zé Faz Falta!”.
Curiosamente, o balão cívico esvaziou e uma piscadela de olho socialista fê-lo desaparecer da circulação. Enfim, nem tanto… o sujeito propôs, na semana passada, um "corredor pedonal e ciclável na terceira travessia do Tejo". No texto da proposta, Sá Fernandes lamenta que as actuais pontes não tenham uma ciclovia. É, de facto, injusto que os almadenses não possam vir de bicicleta para Lisboa. O facto da ponte sobre o Tejo estar a 70 metros de altura e só um pormenor. É verdade que, em dias de algum vento, a travessia é proibida a motas com menos de 125cc. Mas isso não é nada que não se resolvesse com um pouco de lastro nas bicicletas.
E se os políticos de outros tempos tivessem a visão de Sá Fernandes teriam permitido que os almadenses fizessem a viagem para Lisboa de bicicleta na ponte Vasco da Gama. São só 17 quilómetros. O suficiente para o triatlo.
Seja como for a ideia de permitir ciclistas na nova ponte Chelas-Barreiro é mais uma inovação digna de registo. É o Zé no seu melhor. Seis ou sete quilómetros a mais de quarenta metros de altura. Vamos a isso, Zé. Tu vais à frente.




5 de Dezembro - A ministra da Educação vivia no melhor dos mundos. As escolas rebentavam pelas costuras com a pressão burocrática que sobre elas tem sido exercida. Os apelos à suspensão de um modelo que parece ter sido importado da lógica de funcionamento do castelo kafkiano multiplicam¬ se pelo país. A ministra vem confessar que afinal há alguns acertos a fazer, bem, não são só as tais duas folhinhas apregoadas... A leitura atenta da legislação implicada neste processo vem desmentir a falácia dos responsáveis ministeriais, quando alegam que a possibilidade de reduzir a dimensão burocrática do processo está ao alcance das escolas. Não está, pois ela deriva em exclusivo daquilo que é imposto por todo o material legislativo que foi despejado sobre as escolas. Ignorar isso parece mais um sinal de que os responsáveis ministeriais desconhecem as leis que eles mesmo assinaram.
Perante um sistema que obriga a gastar cerca de dois dias de trabalho de uma escola para avaliar cada professor, parece justo aplicar o termo de hipertelia ao monstro avaliativo do ministério. Este conceito parte da noção de finalidade (telos) para se referir à lógica que determina o movimento de um sistema para além de todo o propósito racional. O sistema procura, assim, legitimar a sua existência através de uma reprodução infinita, destituída de qualquer finalidade externa a si; toda a sua energia é gasta para o manter em funcionamento, o que pode ser comparado à proliferação enlouquecida das células cancerosas. É, pois, para o estado de saturação inerte que a situação das escolas portuguesas está a ser empurrada.
Isilda Jana (IJ) respondeu a um pedido do seu chefe e vem defender a ministra. Não sei de que escola se lembra IJ mas eu lembro-me que a escola de IJ era uma escola de animação, hoje é uma escola de burocracia; era como um bosque mediterrânico, hoje é uma floresta negra cheia de impressos para preencher; era uma escola sem memória, hoje é uma escola que não esquece aquilo que é feito para a tornar pior. E o homem, como diz o poeta galego Ramiro Fonte, “entre outras moitas consideracións, é um ser memorioso que necessita crear lembranzas para valerse na súa vida.[…] Porque a memoria é como a auga, foxe das nosas mans”. Há coisas que não deviam fugir-nos das mãos.

Nova Aliança, 11 / Dezembro / 2008

A Avaliação de Professores e o Magalhães

12 de Novembro – AZAR -
Bateu à porta de Miguel Sousa Tavares e entrou. Pelo telhado. Foi ao escritório e pegou num computador portátil, com "toda a vida" escrita, do cronista e escritor de best-sellers.

Sousa Tavares acha, no 24 Horas, que o azar não veio só, mas acompanhado da tramóia que anonimamente o persegue. Por isso, faz um apelo de primeira página, ao Azar , para que lhe devolva o "seu trabalho", prometendo dar tudo o que ele quiser.

Faz bem, duplamente. Desiste de lhe arranjar companhia e ao mesmo tempo, dá-nos a esperança de voltar a ler uma crítica literária de Vasco Pulido Valente.

30 de Outubro - FOME –
Mais de metade das crianças de Timor estão a passar fome. 60% das crianças com menos de 5 anos sofrem de má nutrição crónica. 80% das famílias timorenses não têm comida suficiente. Mais de 70 % dos jovens não tem emprego nem hipóteses de vir a arranjar trabalho.
Isto com independência, democracia, vigiados por soldados australianos e com políticos encharcados em petrodólares. Foi para isto que se montou aquela operação de propaganda mundial em que os políticos portugueses da altura desempenharam um papel decisivo e hoje bem recompensado.
Então e agora!? Não vai uma vigiliazinha por estas crianças timorenses!? Não há quem acenda uma velinha!? E as ONG não dão uma ajudinha? Vá lá! Por Timor Lorosae! Ao menos matem a fome às crianças!
16 de Novembro – TESTE -
Este ajuda avaliadores a descobrir quem é líder. Ora, leiam: Assinale com um F (de falso) ou com V (de verdadeiro): "A ideia de uma relação exclusiva com uma pessoa, durante toda a vida, não me parece desejável nem realista"; "nunca me vestiria de uma maneira vistosa, boémia ou que chamasse a atenção de qualquer outra forma"; "não tenho muito tempo ou paciência para longas reuniões familiares, tais como uma tarde inteira passada a celebrar o aniversário de alguém".
O exercício - constituído por 56 questões - foi proposto no âmbito de uma acção de formação destinada a professores avaliadores de Lisboa sobre o novo modelo de avaliação do desempenho docente.

O objectivo desta "actividade" é ajudar os professores a "reconhecer a importância dos processos de auto-análise no desempenho de funções de liderança", lê-se no documento com a chancela do Ministério da Educação.

O que se pede é que quem está a receber formação (tanto professores avaliadores como avaliados têm recebido formação para se inteirarem do novo modelo) dedique 30 minutos ao teste de Jeffrey Glanz, um autor norte-americano que escreveu, entre outros, o livro “À Descoberta do Seu Estilo de Liderança - Um guia para educadores e professores”, publicado em Portugal pela Edições ASA.

Após o preenchimento, "o documento, dado o seu carácter pessoal, será guardado pelo formando". A ideia é que o professor cruze as suas respostas com a informação que consta de outro documento onde descobrirá qual o seu "estilo de liderança".

"Desde criança que parece que quero mais da vida que as outras pessoas"; "raramente procuro o sossego"; "acredito firmemente que o divórcio se deve tentar evitar sempre que possível"; "procrastino muito"; "fico frustrado por a visão do mundo da maioria das pessoas ser tão limitada"; "a minha casa é mais limpa e organizada que a maioria das casas que conheço"; "sou mais inteligente que a maioria das pessoas e os demais geralmente reconhecem-no"... são algumas das frases nas quais o professor deve reflectir para saber se se identifica com elas.

18 de Novembro – QUEM DÁ E TORNA A TIRAR... OU UM PROBLEMA DE “SOCIALIZAÇÃO” -
Foi só para fotografia. Em dia de visita do primeiro-ministro para a inauguração dos centros escolares de Freixo e Refoios, no concelho de Ponte de Lima, 260 alunos foram expostos nas salas de aula, sentados à frente daquele que seria o seu computador ‘Magalhães’. Só que, logo após as cerimónias da passada quarta-feira, os pequenos portáteis foram recolhidos e encaixotados.
Afinal, nenhum aluno tem ainda o seu computador, ao contrário do que foi anunciado durante a visita liderada pelo primeiro-ministro, que chegou a perguntar aos alunos se estavam "satisfeitos com a prenda" que tinham acabado de receber. José Sócrates sublinhou até "o brilho nos olhos" das crianças.
"Os computadores foram como uma faísca. Vieram e esfumaram--se logo", comentou ontem Artur Correia, pai de um aluno, lamentando que as escolas "tenham levado as crianças a participar numa farsa".
Em declarações à Lusa, a responsável da Direcção Regional de Educação do Norte negou que os portáteis tenham sido retirados, garantindo que apenas estão na escola até que os alunos se socializem com a nova ferramenta.

Nova Aliança, 27 / Novembro / 2008