29.4.09

A troca de lugares, a fé dos deputados e Corin Tellado

4 de Abril - O deputado pediu a palavra, ergueu-se da cadeira e declarou:
"Os portugueses não podem confiar num primeiro-ministro que uma vez diz umas coisas e outra vez diz outras. (…) A conclusão a que chegamos é que o senhor não tem jeito para isto. (…) Mas o sr. primeiro-ministro não se vai daqui embora sem falar num último tema. (…) É o caso de um ministro do seu governo que fez uma pressão ilegítima junto de uma estação privada e que conduziu à eliminação de uma voz incómoda para o seu governo. O sr. primeiro-ministro desculpar-me-á, mas quero dizer-lhe com clareza: esse episódio é indigno de um governo democrático, e é um episódio inaceitável. E é uma nódoa que o vai perseguir, porque é uma nódoa que não vai ser apagada facilmente, porque é uma nódoa que fez Portugal regressar aos tempos em que havia condicionamento da liberdade de expressão. E peço-lhe, sr. primeiro-ministro, que resista à tentação do controle da comunicação social. Não vá por aí porque nós cá estaremos para evitar essas tentações."
A data era 14 de Outubro de 2004, dois meses antes de o presidente da República dissolver o Parlamento. O deputado chamava-se José Sócrates Pinto de Sousa e o primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. A gravação do discurso está na Internet e não me canso de a ver e de me rir ao vê-la. Julgo que o leitor entenderá que não é preciso dizer mais nada…
8 de Abril – Os jornais anunciam que Jaime Gama ordenou mudanças no regime de presenças e faltas, mas deputados podem faltar cinco dias sem apresentar justificação. Lido desta maneira, confesso que começamos por pensar tratar-se de um engano. Rapidamente nos desenganamos.
"A palavra do deputado faz fé, não carecendo por isso de comprovativos adicionais". É esta a redacção do ponto sete do novo regime de presenças e faltas dos deputados em plenários, que o presidente da Assembleia da República fez aprovar. Jaime Gama acabou por deixar a possibilidade de os deputados poderem alegar ausência por motivo de doença sem que para isso seja necessária a apresentação de quaisquer justificativos nos primeiros cinco dias. Excepto quando a doença "se prolongue por mais de uma semana". Ou seja, um deputado que falte e que com isso impeça ou prejudique uma votação pode invocar doença sem que tenha que apresentar qualquer tipo de atestado médico.
Existirá melhor exemplo de portugueses de “primeira” e de “segunda”?

12 de Abril - Eu gostaria de ter conhecido María del Socorro Tellado López mas não saberia por onde começar a conversa – se pelos 400 milhões de livros vendidos, se pelo argumento de ‘Aposta Atrevida’, se pelo desprezo que lhe votavam. Ela fez sonhar milhões de leitoras por esse mundo fora. Ela levou-lhes a paixão, o amor, a traição, a felicidade. Corín Tellado morreu anteontem, mas as suas leitoras já tinham morrido há muito. Ela não fazia apenas parte de um mundo de histórias, enredos românticos, casamentos destroçados e sonhos de subúrbio (com erotismo e ascensão social) – ela era esse mundo. Corín Tellado era uma marota. Trouxe para as suas novelas os sonhos de gente irrisória que, de outro modo, não reconheceria as suas próprias histórias. Se a designação ‘light’ assenta em alguém seria, sem dúvida nenhuma, nela que se adaptava como uma luva. A censura franquista proibiu-lhe livros e cortou-lhe muitos capítulos. Vai hoje a enterrar, nas Astúrias.

Nova Aliança, 17 / Abril / 2009

15.4.09

Os nomes das ruas, os trabalhos de casa e o aniversário do Público

18 de Março - Antigamente, dar nome a uma rua pressupunha um feito distinto. Políticos, militares, escritores ou artistas enfeitavam as nossas cidades porque o mérito era coisa séria.
Tudo mudou: num país onde o mérito não existe e a vulgaridade igualitária abunda, quem sobra? Sobram, como muito bem defenderam os autarcas Carlos Encarnação e Moita Flores, duas mulheres vítimas de violência doméstica, que terão os seus nomes a enfeitar a toponímia de Coimbra e Santarém.
No Portugal de 2009, o ‘herói’ não é aquele que comete actos ‘heróicos’. Para se ser ‘herói’, ‘basta’ levar porrada e, de preferência, morrer durante o processo. Parece que, após ouvir na rádio a história de uma mulher assassinada pelo namorado, o dr. Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, decidiu baptizar uma rua da cidade com o nome da falecida. Para não perder a deixa, o dr. Moita-Flores, famoso comentador televisivo e edil, anunciou iniciativa semelhante em Santarém. Ambos os gestos provavelmente indiciam uma moda que, até às "autárquicas", varrerá a nação de norte a sul: imortalizar os alvos de companheiros psicóticos.
As senhoras em questão são exemplos do quê? Do azar? De péssimas escolhas sentimentais? O que rezarão as placas? "Avenida Manuela Pires, Receptora de Tareias Conjugais (1977 - 2009)"? Sim, parece-me bem…
Sei que, se a ideia é transformar os desafortunados em modelos, não há razão para que as vítimas de violência doméstica mereçam mais atenção que as vítimas de violência pública e de incidentes em geral. Urge que outros autarcas com apetites publicitários e fome eleitoral garantam ruas aos mortos em consequência de assaltos à mão armada, acidentes rodoviários, doenças infecto-contagiosas, suicídios, negligência médica e tombos mal dados.

23 de Março - Quem disse que os franceses não são inovadores? Repare-se na polémica do momento em França: faismesdevoirs.com. Está a causar polémica mas é legal. Os alunos franceses já podem comprar os trabalhos escolares na Internet. O website www.faismesdevoirs.com faz os trabalhos por medida e a pedido. Como?
O aluno inscreve-se , abre uma conta, compra um cartão pré-pago, que se vende em pontos de venda na cidade de Paris e é tudo. O website faz o trabalho e envia-o por email ou pelo correio. Três perguntas de matemática custam 5 euros, um ensaio de história, 10 euros, quatro problemas de física, 25 euros e um trabalho de geografia, 30 euros.
O fundador e proprietário do website, Stéphane Boukris, afirmou ao diário Le Parisien que recebeu 20 curricula vitae de professores interessados em trabalhar no website. Boukris informou que paga aos docentes entre 15 e 35 euros por hora de trabalho. Reagindo às críticas, Boukris defende-se: "por cada correcção de um problema, há anotações e comentários que ajudam o aluno a compreender melhor os assuntos".
O ministro da Educação francês diz-se chocado com esta iniciativa, que visa desenvolver o "mercado do menor esforço". Repetez-vous: menor esforço? Só pode soar bem a ouvidos tugas. Aguarda-se a todo o momento o aparecimento por cá de um faz-meoTPC.com para facilitar a vida à estudantada. É só registar o endereço e pôr a render: nada mais simples. Ou deverei dizer simplex?

25 de Março - Felicito o Público pelos seus 19 anos. São lamentáveis os ataques que o jornal tem sofrido nos últimos tempos. Eu também discordo de várias coisas que se escrevem no jornal, e nem por isso deixo de o considerar um espaço de liberdade e de opinião plural. José Manuel Fernandes transformou o Público para melhor, depois das experiências iniciais de Vicente Jorge Silva. Os infames ataques ao director do Público vêem todos do mesmo lado.

O Público tem investigado factos incómodos para o poder socialista. Tal como outros jornais, como o Sol e o Correio da Manhã. Por questões editoriais, outros não o têm feito. Por isso percebo que o PS gostasse mais do Público quando seus os critérios editoriais não colidiam com os seus interesses. Uma imprensa suave e comodista é sempre mais fácil de lidar. Mas por muito que custe ao Partido Socialista, continuará a haver uma imprensa que cumpre o seu papel de watchdog.

O comentário que António Costa acaba teceu na Quadratura do Círculo sobre a maravilha que foi o Público durante os anos Vicente Jorge Silva, por comparação à presente liderança de José Manuel Fernandes, é o exemplo acabado do estado de espírito com que este PS encara a comunicação social e a sua liberdade de expressão. Bons são os que nos são agradáveis; todos os outros são de suspeitar - e, por causa dos efeitos nefastos que a sua intervenção tem no espaço público, deve regular-se com rédea curta toda a actividade jornalística.

Nova Aliança, 9 / Abril / 2009

O cartão da Zon e o 'sal' da Assembleia da República

10 de Março – Como cliente da Zon TV Cabo, um familiar meu recebeu há dias um cartão que lhe concedia uma série de entradas gratuitas nas salas de cinema da Zon Lusomundo. Como não entrava num cinema há anos, pousou o cartão sem tencionar utilizá-lo. Logo a seguir, percebeu que, de qualquer forma, não o poderia, já que o sr. Paulo Branco se queixou à Autoridade da Concorrência (AdC), a qual deu provimento à queixa e suspendeu a iniciativa.

O argumento da AdC evoca o "interesse dos consumidores", naturalmente demasiado obtusos para o descortinarem sozinhos. Sozinho, o consumidor médio acharia melhor ver umas fitas à borla do que pagar cinco ou seis euros por cada uma ou, simplesmente, não sair de casa. Valha-lhe Deus. Por sorte, a AdC tem uma concepção da concorrência muito semelhante à do sr. Paulo Branco, um empreendedor incapaz de manter uma "roulotte" de bifanas sem intervenção do Estado. Enquanto produtor de cinema, são lendárias as capacidades do homem em arrancar dinheiro dos contribuintes a fim de financiar maravilhas de que os contribuintes fogem a sete pés. Enquanto distribuidor, a coisa tem corrido pior ao sr. Branco. As salas que abriu em Santarém faliram. Os cinemas Alvaláxia faliram. O "multiplex" no Freeport de Alcochete faliu. E a prosperidade dos espaços que o visionário vai aguentando aqui e ali talvez se meça pelo desespero das suas reclamações.

Não é que as aptidões reivindicativas do sr. Branco tenham sumido, já que em 2007 ele açambarcou todos os subsídios do Instituto do Cinema e do Audiovisual para apoio da exibição comercial. A maçada é que, na ausência de público, que irresponsavelmente prefere os produtos da Lusomundo e de outros distribuidores, nem os subsídios chegam para que as salas do venerável empresário se sustentem.

É por isso que a decisão da AdC, embora saudável, não é suficiente. Além de forçar os contribuintes a pagar a produção e a exibição dos filmes que o sr. Branco produz ou escolhe, urge forçar os contribuintes a vê-los nos lugares que o sr. Branco disponibiliza para o efeito. E não fica caro: a empresa do sr. Branco até oferece aos clientes um inovador cartão com sessões grátis, de que a AdC não discorda. Só falta convencer os consumidores. Mesmo que a mal, é para o seu bem.


12 de Março - Disse, em tempos, um humorista que os saltos altos tinham sido inventados por uma mulher que já estava farta de ser beijada na testa…
Os sapatos com salto tipo aguilhão, aguçam os olhares da sugestão. Conferem o andar certo para se andar para o sítio certo que as mulheres e homens procuram sempre. Dir-se-ia que é a Natureza em evolução nos costumes. Os saltos altos, prometem altos voos, porque conferem beleza estética ao andar feminino, já de si mesmo, em certas ocasiões, um compasso de espera acelerado.

Vem isto a propósito da preocupação dos nossos distintos deputados com a normalização do sal no pão. Eu proponho que o mesmo espírito seja aplicado aos saltos dos sapatos. Das mulheres, claro que homem algum estaria para levar a vida em cima disto (é certo que há excepções mas essas só confirmam a regra). Repararão Vossas Excelências que estes saltos desgraçam os pés e os ossinhos de quem os usar. Mais, escavacam os tapetes, o soalho e os ouvidos dos vizinhos. De igual modo é de duvidar que se consiga conduzir com eles. Por outro lado e sem entrarmos em grandes análises que nos podem levar para outros assuntos, podeis reparar que os saltinhos bem usados podem arrancar pedacinhos de pele e até olhinhos a um ser mais incauto que seja agredido pela utilizadora dos ditos saltos. São milhares quando não milhões de mulheres que prejudicam a sua saúde e põem em risco os outros por se obstinarem em usar estes saltos. Direis que há outros sapatos à escolha. Pois há, senhores deputados. Mas as mulheres pouco informadas preferem estes. É necessário que Vós acauteleis o pouco discernimentos das fracas cabeças femininas. Multas para os fabricantes e vendedores destes sapatos, sessões de terapia, multas para as contumazes utilizadoras e profundos debates na AR sobre este problema impõem-se. A bem da Nação, viva a Assembleia da República transformada na grande zeladora da nossa saúde.

Nova Aliança, 19 / Março / 2009

O 'Carnaval' de Torres e os números da Caixa

21 de Fevereiro – Este Carnaval ofereceu a todos uma manancial de temas formidável. Paredes de Coura, Torres Vedras, a feira do livro no Porto e a sentença do suborno foram exemplos de algo que pensávamos estar bem afastado das nossas mentes. Infelizmente, não estão.

No Minho, os professores foram obrigados a marchar num desfile carnavalesco por uma DREN que, afinal, já depois de eles terem marchado de luto, veio dizer que não obrigara a nada.

O episódio de Torres Vedras, na verdade, não merece grande gasto de energia, porque proibir que apareça um monitor do computador Magalhães, e logo esse, com a primeira página da pesquisa «Google=mulheres» é coisa de gente demente. O que aprendemos do episódio foi que: a) em Portugal, o Ministério Público tem poderes de censura; b) o Ministério Público pode censurar uma obra sem a ver; c)o Ministério Público pode censurar uma obra sem que o autor se possa defender; d) o Ministério Público pode censurar uma obra sem que a decisão tenha que ser aprovada por um juiz.
Portanto, rimo-nos da história, atribuímo-la ao excesso de zelo de uma senhora de província – já lhe ouvi chamar Dona Pombinha, em memória de uma conhecida figura de telenovela - estacionada no tribunal local. Mas há a queixa, a miserável queixa, a queixa atenta, a denúncia por causa da moral, a queixa virtuosa que vai parar ao tribunal por causa das imagens e por causa do Magalhães a desfilar entre corpos cheios de frio, expostos à «cupidez dos foliões». Portanto, como gente decente, desviamos o olhar e rimo-nos como de costume, dizendo que não tem importância. Não tem. Hoje, é isso que não tem importância. Amanhã, a Justiça, a Justiça que tem tempo para estas minudências, manda encerrar o bom humor e põe a gargantilha depois de alguém fazer queixa por causa de sabe-se lá o quê. E nós, o que faremos?

E o suborno? – o leitor estará a pensar que história será esta que rivaliza em graça com as anteriores – eu explico: trata-se do caso em que um tribunal veio suavizar um caso de suborno, aplicando-lhe uma multa de cinco mil euros e chamando-lhe, reparem bem: “corrupção activa para acto ilícito”. E onde o facto de o réu ter subido na vida “a pulso” valeu mais do que ter dito, explicitamente, em conversa gravada: “Nisto não sou virgem. (…) Conforme faço uma escriturazinha, rapo dois mil euros aqui, 10 mil acolá. (…) Ponho isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices”. Isto sim, é pornografia. Mas dá mais nas vistas da nossa incultura um sexo de mulher num quadro de Courbet apreendido na feira do Porto. Até porque, vá-se lá perceber se o original da obra exposto no Museu d'Orsay em Paris não é, afinal, um instrumento pornográfico ao serviço de uma nova função cultural que os franceses pensaram para o equipamento cultural. Ou, o que dizer então da série recentemente estreada na televisão, que retrata a vida privada de Salazar? Uma sugestão ( trocista, atenção!!!! ): apreende-se o filme, encerra-se como medida cautelar a estação e coloca-se sob termo de identidade e residência os incitadores da devassa.
Este é ainda uma parte do País que se herdou, atrasado e sobretudo sem estrutura alguma de formação e informação. Não se poderia ministrar por aí uns cursos de cultura geral, gratuitos a quem toma essas decisões?


25 de Fevereiro – Se os números anunciados estão correctos, foram registados nos últimos tempos as seguintes entradas e aumentos de capital do Estado na Caixa:

Dezembro de 2007 – 150 milhões; Agosto de 2008 – 400 milhões; Outubro de 2008 – 390 milhões (venda de participações ao Estado); Dezembro de 2008 – 1000 milhões

Fazendo bem as contas, de Dezembro de 2007 até Março de 2009, o contribuinte (eu) enfiou 1940 milhões de euros na Caixa Geral de Depósitos. Recebeu 340 milhões. Faria de Oliveira disse hoje que ia entregar mais 300 milhões. Simpático. É fazer as contas. Já só me está a dever 1300 milhões de euros. 1300 milhões de euros é a dívida da Caixa Geral de Depósitos ao contribuinte português só no último ano e meio. Quase o dobro do buraco total do BPN. Mas é só o senhor Manuel Dias Loureiro quem é chamado a uma comissão parlamentar. Pergunto, não seria melhor para a economia nacionalizar a Caixa?

Nova Aliança, 5 / Março / 2009