15.7.09

A TVI, o governador ingénuo e os "corninhos" de Pinho

20 de Junho - Quando Sócrates identificou a TVI como sua inimiga, surgiram notícias de incitamentos ao mais alto nível para que esta fosse comprada. O intuito visível desse eventual negócio era obviamente político.

A TVI causa a Sócrates o mesmo incómodo que o ‘Independente’ provocava aos governos de Cavaco Silva – mas com a amplificação popular que a televisão permite. É na TVI que se discute o confuso currículo do primeiro-ministro. É aí que as ‘reformas’ são desmontadas e que muitos ministros vêem expostas as suas estreitezas. Claro que o estranho é o silêncio da restante imprensa. Fosse Sócrates de outro partido e outro galo cantaria. É a diferença entre a “boa” e a “má” imprensa.
Sócrates convive mal com quem não o aprecia. Por isso, é natural que tente imitar o seu amigo venezuelano que encerrou uma televisão que o criticava. Felizmente estamos na Europa – aqui não se fecha: manda-se comprar.
26 de Junho - Parece que o Ministério Público mandou arquivar a queixa do primeiro-ministro contra João Miguel Tavares, autor de uma crónica (no ‘DN’) que José Sócrates considerou ofensiva – mas que este despacho considera inserir-se "no direito à crítica".
O primeiro-ministro tinha todo o direito de queixar-se aos tribunais mas é bom que a justiça reconheça que não basta "não gostar dos termos" em que um texto é escrito para avançar com uma queixa.
Grande parte da crónica política e jornalística do século XIX faria os tribunais de hoje entrar em colapso; Fialho, Eça, Camilo bastariam para escandalizar a respeitabilidade frágil dos políticos e acabariam presos. Mas também o bom-senso explica que a política não apenas é um bom alvo como merece ser alvejada. Quem vai à guerra dá e leva.
21 de Junho – Quando os meus alunos, candidatos a um curso de Economia, me perguntam que emprego seguir, respondo-lhes logo: Governador do Banco de Portugal. Ganha-se bem demais ( ao nível dos países mais ricos da Europa ), há poucas responsabilidades ( ao nível das sociedades mais primitivas ) e, se acontecer algo, sempre se pode dizer que talvez se tenha sido ingénuo e que nunca se pensava que os suspeitos fossem capazes de cometer os crimes de que são acusados.

3 de Julho - Lembram-se daquela anedota que Raúl Solnado imortalizou sobre touros e campinos? Eu relembro-a: um fulano questiona outro sobre a sua proveniência geogáfica, esse responde-lhe ser ribatejano. –Ah, do Ribatejo, terra de touros e campinos. O senhor é campino? - questionou. Como a resposta foi negativa, logo concluiu: Então é touro!!

Vem isto a propósito do episódio de Manuel Pinho na Assembleia da República. Julgo que o ministro estava a contar esta anedota a Bernardino Soares, pelo que considero uma verdadeira injustiça a sua demissão.

É bom lembrar que Pinho foi quem afirmou ter a crise acabado em Outubro de 2006, aquele que tentou atrair investidores na China invocando que os “custos salariais em Portugal são mais baixos que a média da EU”, aquele que, em Maio de 2007, anunciou em Bruxelas a criação de 250 empregos em Castelo Branco pela Delphi; esqueceu-se que esses empregos já estavam ocupados desde Janeiro, aquele que afirmou numa feira de calçado em Milão: “Eu vinha cá comprar sapatos italianos, mas fiquei tão impressionado com a qualidade do sapato português que vou levá-los. Vinha comprar italianos porque têm um óptimo nome em termos de design.”.

Ora, depois de tudo isto ser demitido pelos corninhos é realmente injusto. O gesto e a consequente demissão, alvos de atenções na imprensa mundial, suscitaram de um leitor da versão online do jornal brasileiro O Globo o seguinte comentário: “Em países sérios é assim, quem faz palhaçada dança!!”.

Vejam lá ao que nos sujeitamos, sermos chamados de país sério…

Nova Aliança, 9 / Julho / 2009

As ofertas do Estado português, a administração do Garcia de Orta e as "semelhanças" Sócrates / Loureiro

1 de Junho - O novo estádio da cidade de Al-Kahder, nos arredores de Belém, na Cisjordânia, cuja construção foi financiada por Portugal, através do Instituto Português de Cooperação para o Desenvolvimento, foi inaugurado na passada segunda-feira. O recinto custou dois milhões de dólares, tem capacidade para seis mil espectadores, é certificado pela FIFA e dispõe de piso sintético e iluminação. A cerimónia de inauguração abrirá com uma marcha de escuteiros locais, conduzindo as bandeiras de Portugal e da Palestina, e a execução dos respectivos hinos nacionais.
Já fechámos urgências, maternidades, centros de saúde e escolas primárias. Disseram-nos que havia que reduzir custos. Todavia, oferecemos agora um estádio à Palestina.
Devíamos fechar o Hospital de Santa Maria e oferecer um pavilhão multiusos ao Afeganistão. A seguir fechávamos a cidade universitária e oferecíamos um complexo olímpico (também com estádio) à Somália e por último fechávamos a Assembleia da República e oferecíamos os nossos políticos aos crocodilos do Nilo.

3 de Junho - Ministros ‘incomodados’ já são uns quantos. Juízes ‘chocados’ são vários. O próprio relator do acórdão que entregou Alexandra à mãe biológica ficou “perplexo” quando viu as imagens desta a dar umas palmadas na filha.
Estas palmadas russas na criança são, metaforicamente, também para a Justiça e Estado português. O juiz decidiu, como disse, perante “os factos que estavam no processo”. Não falou com ninguém, analisou o que tinha sido julgado na primeira instância mas fez uma valoração diferente dos factos.
A sua livre apreciação da causa foi tão radicalmente diferente do tribunal inferior que o levou a apontar uma “maternidade serôdia” à mãe de acolhimento. Não quis julgar a mãe biológica pelo quadro que era estabelecido pelos técnicos da Segurança Social, mas não se coibiu de arrasar a outra parte. Já agora, baseado em quê? Em que factos? A liberdade de decisão do juiz não se discute, mas a verdade é que esta não está a resistir a umas simples imagens das palmadas e a um lamentável quadro de exposição da criança a circunstâncias que cheiram a negócio.
Uma coisa este caso demonstra: os processos de menores não podem ser decididos em circunstâncias destas. Um monte de papel, factos avaliados à distância das pessoas, pura consideração de um determinismo biológico como critério dominante. É tal a ‘defesa da família’ que, tantas vezes, a pura realidade é atirada para o caixote do lixo.


9 de Junho –De acordo com o Correio da Manhã, os responsáveis dos serviços do Hospital Garcia de Orta, Almada, estão descontentes com a nova administração. Um desagrado que se reflecte nos utentes, com as reclamações a dispararem até às mil nos últimos cinco meses.


A situação mais complicada é apontada ao Serviço de Urgência, com o atendimento a demorar horas. Os bombeiros acabam por deixar as macas de um dia para o outro.
O descontentamento é grande entre os médicos e os directores de serviço, que acusam a direcção, nomeada pela ministra Ana Jorge, há cinco meses, de não promover reuniões com as comissões médicas e de enfermagem. Dois directores de serviço saíram e outros dez tencionam abandonar a unidade hospitalar até ao final do ano: aceleraram o pedido de reforma ou vão para o privado.
O presidente do conselho de administração do Garcia de Orta é Nélson Baltazar.

12 de Junho – Dias Loureiro e José Sócrates têm em comum:
1. São titulares de cargos públicos relevantes;
2. São acusados por terceiros da prática de factos ilícitos;
3. Ambos negam a autoria de tais factos;
4. Os terceiros que os acusam são eles próprios suspeitos da prática de diversos factos ilícitos.


O que os distingue:
Dias Loureiro demitiu-se e José Sócrates permanece no lugar.

16 de Junho – Abrantes prepara-se para aquelas corridas de aviões junto ao Tejo, como acontece anualmente no Porto. A “meta” já lá está pintada de vermelho…

Nova Aliança, 25 / Junho / 2009

As proibições dos alimentos, o caso Alexandra e o retrato da justiça

25 de Maio - Enquanto a Direcção Geral de Saúde cria uma "comissão" dentro de um "grupo consultivo" a fim de investigar as infracções à lei do tabaco, a pomposa Plataforma Contra a Obesidade (?) elabora "menus da crise" que visam regulamentar a dieta dos pobres e o Sistema Nacional de Saúde planta um nutricionista em cada região do país "para responder às necessidades dos cidadãos". Já ninguém estranha que os deputados da nação também se preocupem imenso com a saúde dos que os elegem, quer estes apreciem os cuidados, quer não.
O parlamentar socialista Jorge Almeida, autor da proposta que conduziu à limitação compulsiva do sal no pão, revelou há dias como se manipulam as massas, farináceas e populares.
Em artigo, modestamente intitulado "Uma grande causa, uma marca para o futuro", e publicado no Notícias de Vila Real, começa por avisar que o Estado não deve impor proibições aos comportamentos alimentares. Nos parágrafos seguintes, o dr. Almeida passa a descrever as inúmeras circunstâncias em que o Estado deve impor proibições aos comportamentos alimentares.
O pão, por exemplo, "não pode" ter o sal que, alegada ou realmente, vem tendo. E não pode porquê? Porque se o comermos "estamos a prejudicar o nosso organismo e a provocar doença" (sic). O meu organismo não é, precisamente, meu? Não importa, visto que o seu prejuízo é uma "factura" paga pela "comunidade". Quem diz? O dr. Almeida. E se eu discordar? Não adianta e, de qualquer modo, a discórdia é pouco provável: o dr. Almeida garante que se o teor do sal for reduzido "de forma que o consumidor não note, não proteste, se mantenha como bom consumidor", os valores exigidos por uma misteriosa Sociedade Portuguesa de Hipertensão serão alcançados sem barulho.
Eis a chave: o fundamental, portanto, é que, além de saudável, o consumidor permaneça manso. Embora deixem de utilizar a palavra "autista" nos insultos que trocam, não tencionam parar de chamar estúpido aos milhões que os elegem por inércia e acabam sujeitos aos seus desvairados caprichos. Com razão: ao contrário dos autistas, aparentemente os restantes eleitores nem reparam na ofensa. Muitos agradecem-na.

20 de Maio – Com o caso Alexandra, a justiça em Portugal parece-lhe ainda mais confusa? Não faz ideia porque é que todos os processos que envolvem pessoas importantes acabam sempre em regabofe? Por favor, diga não à desorientação! Em apenas 20 passos, eis o guia ideal para entender todos os casos que em Portugal começam com a palavra "caso":
1) Os jornais publicam uma notícia sobre qualquer pessoa muito importante que alegadamente fez qualquer coisa muito má. 2) Essa pessoa muito importante considera-se vítima de perseguição por parte de forças ocultas. 3) Outras pessoas importantes vêm alertar para o vergonhoso desrespeito do segredo de justiça em Portugal, que possibilita a actuação de forças ocultas. 4) Inicia-se o debate sobre o segredo de justiça em Portugal. 5) Toda a gente tem opiniões firmes sobre o que é preciso mudar na legislação portuguesa para que estas coisas não aconteçam. 6) Toda a gente conclui que não se pode mudar a quente a legislação portuguesa. 7) A legislação portuguesa não chega a ser mudada para que estas coisas não aconteçam. 8) As coisas voltam a acontecer: os jornais publicam notícias sobre essa pessoa muito importante dizendo que ainda fez coisas piores do que as muito más. 9) Outras pessoas importantes vêm alertar para o vergonhoso jornalismo que se faz em Portugal, que nada investiga e se deixa manipular por forças ocultas. 10) Inicia-se o debate sobre o jornalismo português. 11) Toda a gente tem opiniões firmes sobre o que é preciso mudar no jornalismo português. 12) Toda a gente conclui que estas mudanças só estão a ser debatidas porque quem alegadamente fez uma coisa muito má é uma pessoa muito importante. 13) Nada muda no jornalismo português. 14) Enquanto o mecanismo se desenrola do ponto 1) ao ponto 13) a justiça continua a investigar. 15) Após um período de investigação suficientemente longo para que já ninguém se lembre do que se estava a investigar a justiça finaliza as investigações e conclui que a pessoa muito importante: a) Não fez nada de muito mau. b) Já prescreveu o que quer que tenha feito de muito mau. c) É possível que tenha feito algo de muito mau mas não se reuniram provas suficientes. d) Afinal o que fez não era assim tão mau. 16) Pessoas importantes que são amigas dessa pessoa muito importante concluem que ela foi vítima de perseguição por parte de forças ocultas. 17) Pessoas importantes que não são amigas dessa pessoa muito importante concluem que em Portugal nada acontece às pessoas muito importantes que fazem coisas alegadamente muito más. 18) As pessoas citadas no ponto 17) iniciam mais um debate sobre a justiça em Portugal. 19) As pessoas citadas no ponto 16) iniciam mais um debate sobre o jornalismo em Portugal. 20) Os jornais publicam uma outra notícia sobre uma outra pessoa muito importante que alegadamente terá feito outra coisa muito má. Repetem-se os passos 1) a 19).

Nova Aliança, 11 / Junho / 2009

Os decotes, as sentenças e as limitações dos deputados

9 de Maio - Uma escola do Pinhal Novo decidiu, no seu regulamento interno, proibir o uso de "tops com decotes pronunciados, mini-saias muito curtas e calças descaídas".
O caso não é novo; periodicamente, há escolas que impõem regulamentos sobre o vestuário a não usar dentro dos seus muros – o que suscita alguma risota entre gente cosmopolita e moderna para quem não há mal em as escolas serem uma extensão da ‘vida real’ e das passerelles. ( Ainda ) Julgo que o estudo da Gramática ou de equações de segundo grau exija algum decoro. Matemática ilustrada com decotes e umbigos pode ser uma inovação, tal como boxers à mostra em aulas de Biologia e curtas mini-saias nas bibliotecas. Na escola ( ainda ) deve existir concentração.



12 de Maio - O espectáculo degradante que ontem foi, em Braga, a entrega de uma menina, que estava numa família de acolhimento há mais de quatro anos, à mãe biológica, é um retrato implacável e particularmente infeliz do Estado português.
A entrega da criança à mãe que a abandonou aos dois anos, devido a problemas de alcoolismo, decorreu de uma sentença judicial. Por mais fundamentada que possa estar a sentença – e não sei se o estará , por mais qualificados que sejam os técnicos – e não sei se o serão -, depois daquele espectáculo há uma coisa que jamais deixará dúvidas: o sofrimento da criança decorre da própria sentença.
O espectáculo de ontem conduz a um sentimento de enorme perplexidade sobre a decisão, que parece cega à felicidade da criança e faz a habitual - e formal - opção por aquilo que algumas pessoas julgam ser "o superior interesse da criança". Por aquilo que ontem o Estado lamentavelmente nos permitiu ver, há uma criança em grande sofrimento por ter sido arrancada ao único meio familiar que até agora conheceu. Mas se e mesmo que nada disto fosse importante, o que dizer da forma impensável como se consentiu a entrega da criança num átrio de um prédio, sem resguardo dos olhares e da ira popular face ao choro e à raiva da criança? Há coisas que NUNCA podem acontecer. Pelo menos desta maneira.

16 de Maio – Um texto do “Jornal de Notícias” chamou a atenção para isso. Muito recentemente, assistiu-se à tentativa de banir expressões relativas a deficiências ou limitações físicas do debate parlamentar. Analisando seriamente a questão, até fico com a ideia que esta seria uma medida revolucionária.
É difícil imaginar o nosso hemiciclo sem a tradicional “o pior cego é aquele que não quer ver” ou o clássico “é grave o autismo do governo nesta matéria” ou ainda “há uma paralisia do seu ministério”.
Na prática a medida beneficiaria a retórica. De uma assentada eliminavam-se um sem número de lugares comuns que, por força da repetição, lá se foram banalizando. Obrigávamos os deputados a puxarem pela imaginação. O que, em alguns casos, seria um enorme desafio.
O campeão das deficiências parlamentares é “cego”. 105 cegos para ser preciso. E como se não bastasse, só de “cegueira” são 76.
Deputados “surdos” são 25. Deputados com “surdez” 13. E no caminho para uma assembleia cada vez mais inclusiva, na X Legislatura, houve 91 “autistas”.
Com tanto surdo, tanto cego, tanto autista, percebemos facilmente como é que ninguém se entende naquela sala..
“Paralisias”são 43. É muito. É imenso. Especialmente num edifício daquele género cheio de escadarias, degraus e locais de difícil acesso. Ainda no campo da paralisia fica um último registo. “Impotentes” são 28. É possível que, na verdade, sejam bem mais. 28 impotências em 230 membros é um número abaixo da média nacional. Mas todos sabemos que este é um problema complicado de assumir.
Ao todo, 381 limitações de algum género. O que dá uma simpática média de 1.6 necessidades especiais por deputado. Nada mau. Nada mau mesmo. Eles lá vão cantando e rindo.

21 de Maio – “O conselho de administração do Banco de Portugal (BdP) não terá aumentos salariais este ano, nem aumento relativos a 2008, recuando na decisão anterior de proceder a uma actualização salarial de 5 por cento” A notícia, lida assim de chofre, faz-nos engasgar de raiva: mas porque é que esta questão se colocou sequer?
Então, quando toda a gente coloca em causa a eficiência e a eficácia do BdP, quando toda a gente sabe que o presidente da instituição é um dos mais bem pagos do planeta – estamos a falar para que não existam dúvidas de duas dezenas de milhares de euros mensais, quando toda a gente ouve o senhor dizer que não tem conhecimento de nada, no quadro das suas atribuições e competências, porque raio é que esta questão implicou um "recuo"?
Este senhor será capaz de enfrentar um desempregado ou um trabalhador com salários em atraso?



Nova Aliança, 28 / Maio / 2009