6.10.10

A Gripe A e a estação tonta

3 de Setembro – Lembram-se da gripe A? Fizeram-se avisos, assustaram-nos de morte, obrigaram-nos a lavar as mãos em todos os compartimentos onde entrássemos. Ora, há poucas semanas e ainda não totalmente satisfeita, a Organização Mundial de Saúde avisava oficialmente, pela enésima vez, que a gripe A não terminara. E fundamentava o parecer. Para o especialista britânico John Oxford, por exemplo, a "segunda vaga" da gripe vinha a caminho e com redobrado vigor. A vacinação, referiu o dr. Oxford, é essencial. Para o português Francisco George, o H1N1 iria "com certeza" regressar e "ser responsável por nova actividade epidémica". As pessoas, referiu o dr. George, devem continuar a vacinar-se. A despropósito, note-se que o dr. Oxford é o responsável científico de um importante laboratório de investigação de vacinas e que o dr. George é um dos rostos do sistema de saúde que gastou, perdão, investiu dezenas de milhões nas ditas, ainda assim uma pequenina parcela dos 5 mil milhões gastos, perdão, investidos globalmente.
Agora, pela voz da sua directora, a OMS admite que a gripe, afinal, acabou, com um saldo de vítimas algumas vezes inferior ao da gripe comum e muitas vezes inferior ao previsto. Ao decreto do fim, a dra. Margaret Chan acrescentou uma curiosa constatação: "O mundo teve sorte."
Não digo que não seja verdade, mas sorte de facto teve a OMS, que andou um ano e tal a incitar ao pânico e, após se provar o absurdo do incitamento, mantém inexplicáveis pretensões à credibilidade. E quem diz a OMS diz a imprensa, os investigadores com e sem aspas, os governantes e restantes elementos da brigada do medo, que no mínimo há um par de décadas assustam a humanidade com epidemias e cataclismos que, contas feitas, dão em nada ou em quase nada. Das vacas malucas às aves engripadas, passando, fora do zoológico, pelo "bug" do milénio ou pelo aquecimento global, os tempos recentes têm sido uma sucessão de desgraças anunciadas e nunca verificadas.
Felizmente. Excepto pelo receio de que as massas, as exactas massas que têm entrado em histeria a cada alarme falso, um dia ignorem um alarme verdadeiro. A julgar pelas evidências, Pedro pode gritar "Lobo!" tanto quanto quiser que surgiremos sempre a acudir ao rebanho. Isto na presunção de que o rebanho são os outros.
8 de Setembro – Sabemos todos que o Verão é, por designação, a estação tonta. E existem vários exemplos que o comprovam. O ministro da Defesa, Santos Silva, anunciou que Portugal vai ter espiões no Afeganistão e no Líbano. Se fosse dia 1 de Abril o ministro teria um bom pretexto para sair de uma história bizarra, barricando-se na mentirinha de 1 de Abril.
Ninguém lhe levaria a mal uma brincadeira, ainda que tola. Afinal de contas ninguém deve ter o monopólio da tolice. Um ministro, mesmo da Defesa, que tem obrigação de transportar a pose de Estado em cada gesto, em cada passo, tem direito a dizer umas coisas fora do baralho. Desde que, claro, o que disser não prejudique outras pessoas. Ora, no caso vertente, o ministro deverá ser o primeiro a saber que esse tipo de coisas – anunciar a criação de ‘estações’ de espiões em cenários de guerra – dificilmente se enquadra em matéria anunciável.
É certo que o Governo não resiste a uma ‘novidadezita’, mas dizer à malta da al-Qaeda que vamos mandar uns espiões para as miras de tiro ou para o raio de expansão das bombas deles é obra. A CIA já pagou, amargamente, a factura da mera presença no teatro de guerra. Mas a CIA, poder--se-á sempre argumentar, é um alvo global com mais de 50 anos. Pois, mas, mais à nossa escala, também os espanhóis, italianos e polacos pagaram a factura de lá estarem. E esses nem anunciaram...
P.S. Não me esqueci da sentença da Casa Pia. A seu tempo lá irei.

Nova Aliança, 16 / 9 / 2010

Os incêndios e os casamentos gay

15 de Agosto – Os tempos vão estranhos. No ano passado, o mérito pela escassez de incêndios cabia ao Governo e não a um Verão particularmente fresco e húmido. Este ano, a culpa pela devastação em curso é do calor tórrido, dos criminosos, dos negligentes e do "aquecimento global": não é do Governo. Aparentemente, como em tantos outros aspectos, a acção preventiva do poder reflecte-se nos sucessos, não nos fracassos.
Mistérios à parte, a verdade é que o País voltou a arder e as cabeças encarregadas de o pensar também. Em países normais, impedir a calamidade discute-se antes da calamidade acontecer. Aqui discute-se durante a dita, embora não se trate do típico "casa roubada, trancas na porta", não senhor: em Portugal, debate-se o tipo de tranca enquanto a casa está a ser roubada. Depois de consumado o roubo, a porta continua aberta.
As trancas, corrijo, as medidas de prevenção sugeridas são inúmeras. A minha preferida é a do ministro da Agricultura, que deseja nacionalizar os terrenos abandonados. No universo peculiar do senhor António Serrano, obviamente habilitadíssimo para a pasta que carrega, as matas e florestas do Estado encontram-se limpas, vigiadas e pura e simplesmente não ardem. Eis o contributo mais original desde que um ministro do PSD – recordam-se? - atribuiu a origem dos fogos às granadas que os ex-combatentes trouxeram do Ultramar.
Ainda que sem o talento natural do dr. António Serrano, que ponderadamente pediu a 6 deste mês uma avaliação do Plano Nacional de Defesa da Floresta aprovado em 2006, as luminárias restantes fazem o que podem em matéria de desnorte. O ministro da Administração Interna compara, todo contente, a quantidade de área queimada com a equivalente de 2003 e declara-se preocupado com "a segurança das pessoas", uma evidência se por "pessoas" entendermos ele próprio, e por "segurança" a sua manutenção no cargo. Um secretário de Estado do Ambiente ciranda a anunciar "meios aéreos". O Presidente da República e o primeiro-ministro interrompem com pompa as respectivas férias mas, desrespeitosamente, as labaredas não interrompem o respectivo trabalho. E a ministra da Educação prossegue o encerramento em massa das escolas rurais e deixa cada aldeia entregue a três (ou quatro) velhinhas, assunto que nada tem a ver com os incêndios e por cuja invocação peço desculpa.
22 de Agosto – Sinal dos tempos, o casamento recente de um escritor português com o companheiro motivou uma ou outra notícia de jornal, uma ou outra coluna de opinião e uma razoável quantidade de sentimentalismo na Internet. Ora, como não se tratou do primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo, que sempre tinha o efeito da novidade, estranhei que tantos órgãos de comunicação e tantos comunicadores individuais imitassem a imprensa dos mexericos. E estranhei sobretudo que a comoção orientasse quase todos os desabafos.
A questão reside no facto de, ao contrário do que sucede no jornalismo dito "social", os autores dos desabafos em questão serem, ou parecem ser, esquerdistas convictos, daquela esquerda que gastou décadas a ridicularizar o matrimónio "burguês". Verifico divertido que, pelos vistos, bastou alterar a orientação sexual para que o que antes era ridículo se transformasse numa celebração do amor puro e irredutível. Num ápice, o formalismo opressor do "papel" passou a atestado indispensável de maioridade cívica e a motivo para lágrimas de alegria.
Será agora isto a igualdade? A igualdade que esteve no centro das reivindicações do casamento gay implicaria, agora que este se consumou em sentido lato, que se alargasse o enxovalho aos gays que cederam às "convenções" e à moralidade "tradicional".
Nova Aliança, 2 / 9 / 2010

As 'intervenções' da cultura e a 'golden share'

23 de Julho - É sempre reconfortante verificar o modo como o dinheiro dos nossos impostos continua a ser gerido. A Cultura é um bom exemplo. José Pacheco Pereira apresenta-nos, na sua coluna da Sábado de hoje, um exemplo notável: a “3ª edição do projecto de intervenção e colaboração do Teatro do Vestido, Esta é a minha Cidade e Eu Quero Viver Nela, em que Joana Craveiro (...) convidou o criador e performer Miguel Bonneville”. O espectáculo tinha entrada livre com a seguinte nota: “Cada intervenção tem a duração aproximada de 15 minutos e uma entrada limitada a 5 pessoas. Recomendamos marcação prévia”. 5 pessoas, não parece haver gralha. E o que se passa nessa “intervenção”:
“Este espectáculo acontece em dois quartos de hotel com comunicação entre si.(...) . Este espectáculo é sobre estranhos, camas, lençóis sujos, telefones e telefonemas, comunicação, divisão, desencontrarmo-nos uma vez, o Navio Night, estar perdida de noite sem saber o caminho de regresso a casa, ser salvo por alguém, não haver salvação possível, arranjar uma alternativa, portas entreabertas, levantar o chão, cofres atrás de quadros, segredos, a solidão, não é sobre cartas, é sobre o depois das cartas, é uma carta-postal mais do que um telegrama, é sobre ter um lugar num daqueles restaurantes que está aberto a noite inteira e que tem a um canto um casal improvável e nós sozinhos noutro canto, é sobre uma música em específico, a solidão da Gena Rowlands no Opening Night, enganares-te num número, quase conseguir alguma coisa, uma declaração que é feita e para a qual não tens resposta, teres uma sensação de não caberes em lado nenhum, é sobre ele me ter deixado, é sobre acordar várias vezes durante a noite. Este espectáculo é sobre ser português. “

Esta “intervenção” foi apoiada pela Fnac, Internacional Design Hotel, Teatro Nacional D. Maria II e financiado pelo Ministério da Cultura. Eu gosto mesmo é de que “este espectáculo é sobre ser português.
28 de Julho – O acordo entre a PT e a Telefónica obriga a algumas reflexões:
1. A Oi é um activo estratégico de grande importância, um pouco como a insubstituível Vivo o era ainda há 15 dias.
2. Vender a Vivo por 7,5 mil milhões é um grande negócio. Há quinze dias atrás a venda por 7,15 mil milhões era uma asneira tendo em conta o grande potencial da empresa.
3. A Oi é uma empresa de grande potencial. Há 15 dias atrás era uma empresa cheia de problemas cujo potencial não tinha qualquer comparação com o da Vivo.
4. A PT está a vender a Vivo na altura certa. O potencial de crescimento está esgotado. Esgotou-se nos últimos 15 dias.
5. Ser minoritário na Oi não é um problema. Há 15 dias uma posição de controlo da Vivo era essencial.
6. O governo fez muito bem em usar a Golden Share. Conseguiu-se subir o preço e os accionistas privados ganharam. Há 15 dias intervenção estatal era justificada pelo interesse nacional, hoje intervenção estatal é justificada como forma de reforçar o poder de barganha de privados.
7. Se não fosse o uso da Golden Share a PT não tinha entrado na Oi. Há quem acredite nisso.
8. Conseguiu-se vender a Vivo por bom preço e ficar no Brasil. (Falta dizer que a Oi foi cara, o que em parte anula o bom negócio que se fez com a Vivo).
9. Há 15 dias era inaceitável vender a Vivo porque se teria que sair do mercado brasileiro. Entrar noutra empresa seria muito difícil. Ou a Vivo ou o caos. Ao fim de 15 dias trocou-se uma posição de controlo na Vivo por uma minoritária na Oi.
10. E já nem falo nos grandes nacionalistas portugueses, que se contentam com muito pouco. Basta a ilusão de que ser minoritário na Oi é tão bom como controlar a Vivo para os manter felizes. Ficam contentes por mandar menos em menos.
29 de Julho - Os Procuradores do Ministério Público tinham 27 perguntas para fazer ao primeiro-ministro, José Sócrates, no âmbito do processo Freeport mas os prazos impostos pela Procuradoria-Geral da República para o fim do processo inviabilizaram que Sócrates fosse interrogado, avança a edição desta quinta-feira do jornal 'Público'. Isto da falta de tempo também se aplica às restantes alminhas com quem os procuradores queiram falar?


Nova Aliança, 20 / 8 / 2010

As lições do futebol

11 de Julho – Ainda o desporto-rei. O homem que mudou para sempre o destino do futebol espanhol é um tipo meio estranho, daqueles para quem se olha e dificilmente se acredita que está ali um astro dos relvados. Na edição de ontem da “Marca”, Roberto Palomar assinava uma coluna de opinião que retratava o herói do momento: “Visto de perto, Iniesta poderia ser um profissional de qualquer coisa menos de futebol. Podia ser um repositor de fruta ou um funcionário do Ministério da Agricultura. Qualquer coisa, mas nunca futebolista. Limpo de tatuagens, brincos ou pulseiras, pálido como leite, calvo, só se lhe conhecem duas excentricidades: um dia mandou calar Cristiano Ronaldo e agora atreveu-se a mostrar uma camisola com uma mensagem para Dani Jarque.”
De facto, está ali tudo menos o símbolo da estrela dos novos tempos. A subida aos céus de um jogador assim, tão discreto, deve ser uma dor de cabeça para os tubarões do marketing, que devem andar em palpos de aranha para perceber como vão conseguir pôr Iniesta a vender qualquer coisa.
Quando Sara Carbonero o entrevistava, no final do Espanha-Holanda, o jogador do Barcelona ouvia-se a custo e não era por causa das vuvuzelas. O tom de voz de sempre, acabrunhado, quase a pedir desculpa por ali estar. Ontem chegava a ser difícil encontrá-lo nas fotografias de celebração que foram publicadas nos vários jornais espanhóis. Provavelmente, não aprecia grandes festas nem confusões e, por isso, prefere ficar no seu cantinho.
Há pessoas assim: que nasceram para jogar e nada mais. Há cada vez menos, é verdade, mas ainda há. E, para além de jogar, este ainda ganha. Mundial’2010, Euro’2008, duas Ligas dos Campeões (2006 e 2009), quatro campeonatos de Espanha (2004/05; 2005/06; 2008/09; 2009/10), uma Supertaça Europeia (2009), três Supertaças de Espanha (2005, 2006 e 2009), uma Taça do Rei (2008/09) e um Campeonato Mundial de Clubes (2009). Se gostasse de falar, veja-se bem o que Andrés já não teria para contar.
12 de Julho – Os portugueses são assim: optimistas, sonhadores e arrogantes. Mas, por enquanto, uma das máximas do futebol diz que o campeão é sempre justo e esta Espanha merece mais do que todos os outros porque é, indiscutivelmente e sem margem para qualquer discussão, melhor do que todos os outros. Um percalço no primeiro jogo do Mundial não impediu que La Roja fizesse uma campanha fabulosa com constantes demonstrações de força, classe e um futebol capaz de maravilhar e criar unanimidade, porventura a coisa mais difícil de colher no universo futebolístico.
As razões para este fenómeno espanhol não se resumem aos fantásticos jogadores de que dispõe. É muito mais que isso e deveria ser uma lição para Portugal. Depois de terem conseguido acabar com a malapata do “quase” no Euro’2008, os espanhóis mudaram de selecionador mas não mudaram de filosofia. Ao contrário do que sucedeu por cá, Del Bosque foi inteligente e humilde ao ponto de perceber que aquilo que está bem não se muda. Os profissionais competentes e seguros de si não necessitam de suscitar revoluções para darem o cunho pessoal. O técnico espanhol manteve a estrutura, a filosofia e tentou (e conseguiu) aumentar a qualidade, resistindo à pressão e até aos ataques ferozes do bem-sucedido antecessor. Até ao fim foi um gentleman e um profissional de extrema competência e por alguma razão são estes que têm sucesso e não outros.
Uma frase de Del Bosque, ontem depois da vitória na final sobre a Holanda, deve igualmente servir de exemplo para os portugueses. “Os jogadores merecem tudo. Estivemos juntos 50 dias e não houve qualquer problema ou incidente”, afirmou o novo campeão do Mundo. A seleção espanhola está recheada de estrelas mas nenhuma delas se julga acima de todas as outras, puxando unicamente para si os louros na hora das vitórias e a azia nas derrotas. Por isso Iniesta, Xavi e Casillas vão acabar as carreiras como campeões e senhores do futebol.
Com tudo isto, justificar, daqui em diante, o insucesso português com o facto de termos sido eliminados pelos campeões do Mundo é uma patetice e uma aberração. Gracias Espanha, pelo exemplo e pela ajuda para o Mundial’2018.


Nova Aliança, 6 / Agosto / 2010