24.2.10

Outras gentes, outros hábitos...

7 de Fevereiro – ( Adaptado do Público de hoje ) Nove meses depois de o escândalo rebentar e a pouco mais de três meses da data prevista para as legislativas, a reputação do Parlamento a) sofreu ontem novo revés. O relatório às despesas dos deputados concluiu que o sistema de reembolsos é "profundamente defeituoso" e que a "cultura de deferência" que subsiste em b) favorece os abusos. Concluídas as investigações, mais de 300 actuais e antigos deputados terão de devolver ( sensivelmente ) 1,12 milhões de euros recebidos indevidamente desde 2004 - um pouco menos do que o custo final do inquérito.
"Documento da vergonha." Foi assim que o jornal c) chamou ao relatório de 241 páginas preparado por d), o antigo dirigente da administração pública que e) chamou para aplacar a polémica criada em Maio, quando o jornal f) publicou detalhes dos gastos (em alguns casos apenas excêntricos noutros totalmente irregulares) dos deputados com a segunda residência, aquela a que têm direito os eleitos por círculos fora de g).
E o veredicto ontem tornado público não podia ser mais devastador: o sistema é "profundamente defeituoso", as regras são "vagas" e em muito casos não existem documentos que justifiquem as despesas. "Tendo em conta a falta de transparência e a cultura de deferência, isto significa que falta legitimidade às decisões tomadas [pelos funcionários] do gabinete de despesas e muitas delas estavam de facto erradas", conclui d).
Ao todo, 364 deputados - mais de metade dos investigados - terão de devolver dinheiro recebido entre 2004 e 2009, em valores que variam entre os ( sensivelmente ) 42 mil libras exigidas à secretária de Estado da Administração local, h), e os ( sensivelmente ) 40 cêntimos pedidos ao deputado trabalhista i).
A maioria terá de devolver entre mil a cinco mil libras, uma conta muito inferior à apresentada ao casal j) . Durante anos, um deles recebeu ajuda do Parlamento para pagar um apartamento em k), enquanto ao outro eram pagas as prestações da residência familiar.
Seguindo as instruções dos líderes, a maioria dos visados devolveu o dinheiro antes de concluídas as investigações e, em vários casos, até pagaram somas superiores às que agora lhes são exigidas. Ao todo, regressaram ao Parlamento ( sensivelmente ) 800 mil libras.
Mas 75 deles optaram por recorrer, acusando d) de aplicar regras que então não existiam. E o juiz l), nomeado para decidir os recursos, concluiu que algumas das decisões foram "lesivas e injustas". Lembrou, por exemplo, que nada impedia um deputado de celebrar um contrato de arrendamento com um familiar. Por causa disso, 44 recursos foram aceites e 26 deputados viram mesmo as suas dívidas anuladas.
Na esperança de encerrar este episódio antes das legislativas, os líderes partidários apoiaram as conclusões. "Esta é uma etapa essencial para restaurar a confiança nas nossas instituições", disse um porta-voz do primeiro-ministro, enquanto m), líder dos conservadores, acredita que a reparação dos erros "permitirá criar um Parlamento em que o povo confie". "Espero que seja o episódio final deste Parlamento apodrecido", acrescentou o liberal-democrata n).
Expectativas que parecem irrealistas face à sugestão de que alguns deputados se preparam para recorrer aos tribunais, ainda que o Parlamento prometa cortar os salários dos que não tenham reparado a dívida até ao dia 22. E hoje o Ministério Público decide se acusa seis deputados suspeitos de ilícitos criminais e que não foram abrangidos pelo inquérito.
Parece, por isso, previsível que só as eleições permitam enterrar o caso: os deputados com a reputação abalada dificilmente serão reeleitos (muitos decidiram já não se recandidatar) e as novas regras para os gastos entrarão em vigor na próxima legislatura.
Nota: Como certamente o leitor reparou, este texto não se refere ao parlamento português, mas sim ao parlamento de um país onde ninguém está acima da lei e onde as investigações vão atá ao fim, aconteça o que acontecer. Um país onde as “calhandrices” do senhor Lacão não teriam lugar. Eis as legendas em falta: a)Britânico; b) Westminster; c) Times; d) Thomas Legg; e) Gordon Brown; f) Daily Telegraph; g) Londres; h) Barbara Follet; i)Mike Gapes; j) Andrew Mackay e Julie Kirkbride; k) Londres; l) Paul Kennedy; m) David Cameron; n) Nick Clegg.

Nova Aliança, 17 de Fevereiro de 2010

10.2.10

A lei da violência conjugal e ainda os exames a estrangeiros

6 de Janeiro - Em Espanha, um juiz denunciou o sentido único da Lei da Violência de Género, aprovada em 2004 e dedicada a punir em exclusivo os maus tratos dos homens sobre as mulheres. Em Portugal, há uns tempos atrás, o provedor dos leitores do Público lamentou a diferença na cobertura do diário a um homicídio da esposa pelo marido (chamada de primeira página) e a um homicídio do marido pela esposa (quatro linhas interiores).
É notável que, no Ocidente do século XXI, a emancipação feminina tenha de voltar a ser defendida e, ainda por cima, o seja por uns poucos excêntricos, sozinhos contra a nova misoginia emergente. Os exemplos citados mostram o modo como, décadas após a igualdade que tanto lhe custou alcançar, a fêmea da espécie se vê devolvida ao estatuto de penduricalho decorativo. Na justiça e na imprensa, a corrente histeria em volta da violência doméstica toma por adquirida a culpa do homem, sem dúvida na presunção de que o "sexo frágil" nunca reage a um conflito conjugal mediante tiros de caçadeira ou qualquer outro método desagradável. Provavelmente, acha-se que uma senhora é demasiado tontinha para carregar uma arma e demasiado inofensiva para premir o gatilho. Mesmo nos casos em que o marido é encontrado na cama com seis balas nas costas, a moralidade dominante inclina-se para o suicídio ou morte "natural" ("Ele devia estar a pedi-las"): o único papel disponível à mulher é o de vítima, estatuto que confere vantagens em divórcios litigiosos e não confere mais nada, incluindo humanidade.
A velha escola da discriminação desumanizava as "minorias" para as oprimir às claras. Nos subtis dias que correm, face às mulheres e ao resto, a desumanização das "minorias" é uma tendência comum aos que berram em seu alegado favor. Entre o berreiro, só os "inimigos", leia-se os indivíduos do sexo masculino, heterossexuais, caucasianos, etc., emergem como pessoas inteiras, capazes dos actos medonhos que também definem a espécie. Pela minha parte, obrigadinho, mas não alinho na sugestão de que o exercício de atrocidades está vedado a mulheres, homossexuais, pretos e similares grupos do catálogo em que o politicamente correcto armazena pessoas maiores e talvez vacinadas.
Além de mentiroso, o pressuposto é vexatório, na medida em que reduz as "minorias" ao tipo de clichés que afirma combater. As mulheres são passivos sacos de pancada. Os gays são criaturinhas festivas e frágeis, carentes de um aval do Estado para consumar uma atracção. E os pretos são condenados ao gueto da pequena delinquência "romântica" e a expressões de subjugação social, género capoeira ou hip-hop, para consumo, e consolo, do senhor branco.
Tudo isto, afinal, se inscreve na Síndroma Lorosae. Quando a independência de Timor era por cá "causa" obrigatória, era igualmente obrigatório tratar os timorenses de "dóceis" e "meigos" para baixo, adjectivos normalmente reservados a cachorrinhos e destinados a suscitar pena universal. Mal se percebeu que os timorenses eram gente e que a sua "docilidade" não os impedia de se chacinarem mutuamente, a "terra do Sol Nascente" saiu das notícias, nas quais, para evitar choques de realidade, as mulheres homicidas e o bom senso nem chegam a entrar.
13 de Janeiro – Regra geral, a cantiga de que os portugueses não valorizam o que têm de bom é uma desculpa para não se criticar o que temos de péssimo. Às vezes, curiosamente, a cantiga é verdadeira.
Veja-se o sucedido com os exames de português para imigrantes, de que, afinal, uma considerável parte não era realizada pelos candidatos à aquisição de nacionalidade, mas por familiares, amigos ou prestadores de serviços contratados. O SEF reparou na fraude e deteve noventa e tal sujeitos. Incompreensivelmente, não houve autoridade que reparasse no que de facto interessa: o pormenor de que existe por aí gente com um domínio mínimo da nossa língua, raridade que, ao invés de cadeia, devia dar direito a cargos de responsabilidade nos sectores privado e público, incluindo, a julgar pelas limitações verbais de um antigo secretário de Estado da Educação, no próprio Governo. Prender esses indivíduos é desperdiçar recursos de que o País carece e que, dada a exigência nula dos respectivos testes, os meninos e meninas do ensino secundário não prometem preencher.
É possível, admito, que a aparente taxa de sucesso nos exames para estrangeiros se justifique pela sua facilidade. Ainda assim, não podem ser tão fáceis quanto os do "secundário", ou então qualquer cidadão do Burkina Faso chegado anteontem à Portela os teria feito. E, como a bem intencionada porém cega acção do SEF revelou, não os fez.

Nova Aliança, 4 / Fevereiro / 2010

O exame para estrangeiros, o mastro de Paredes e a praia de Madrid

3 de Janeiro – De um modo geral, a cantiga de que os portugueses não valorizam o que têm de bom é uma desculpa para não se criticar o que temos de péssimo. Veja-se o sucedido com os exames de português para imigrantes em que, afinal, uma considerável parte não era realizada pelos candidatos à aquisição de nacionalidade, mas por familiares, amigos ou prestadores de serviços contratados. O SEF reparou na fraude e deteve noventa e tal sujeitos. Incompreensivelmente, não houve autoridade que reparasse no que de facto interessa: o pormenor de que existe por aí gente com um domínio mínimo da nossa língua. Prender esses indivíduos é desperdiçar recursos de que o País carece e que, dada a exigência nula dos respectivos testes, os meninos e meninas do ensino secundário não prometem preencher.
É possível, admito, que a aparente taxa de sucesso nos exames para estrangeiros se justifique pela sua facilidade. Ainda assim, não podem ser tão fáceis quanto os do "secundário", ou então qualquer cidadão do Burkina Faso chegado anteontem à Portela os teria feito. E, como a bem intencionada porém cega acção do SEF revelou, não os fez.
7 de Janeiro - Está a causar certa polémica a decisão da Câmara de Paredes em erguer um mastro com cem metros de altura e uma bandeira nacional na ponta. Não percebo a razão. O autarca em causa explica, e muito bem, que a bandeira visa comemorar o centenário da república e que o mastro visa "georreferenciar" (sic) o concelho. Ao contrário dos adversários do projecto, defendo que a república deve ser comemorada e sobretudo que Paredes deve ser "georreferenciada", até porque, a olho nu, não conseguiria encontrar semelhante lugar mesmo que quisesse (não quero).
Sem surpresa, o problema das más-línguas prende-se com o custo da obra: um milhão de euros. Com surpresa, as maiores más-línguas pertencem à oposição autárquica e invocam a ofensa aos contribuintes, de cujo bolso o mastro fatalmente sairá. O espanto aumenta quando uma das vozes em questão se chama Artur Penedos e é, além de vereador em Paredes, assessor do primeiro-ministro.
Aparentemente, o convívio com o eng. Sócrates não atirou o sr. Penedos para as leituras de Keynes e não lhe ensinou uma verdade irrefutável: o investimento público é essencial ao desenvolvimento do país, logo, por maioria de razão, ao desenvolvimento de Paredes. Como inúmeras das maravilhas que o eng. Sócrates diariamente publicita, o mastro com bandeira colocará Portugal na vanguarda da Europa em matéria de mastros e bandeiras, dinamizará a economia local através do turismo, estimulará a auto-estima dos autóctones mediante a elevação quase celestial da esfera armilar e, não satisfeito, criará empregos, no mínimo dois: um para subir e descer o pavilhão, outro para afugentar os cães que pretendam urinar na base da estrutura. Se o mastro é menos veloz que o comboio de alta velocidade, será inequivocamente mais alto, e 15 mil vezes mais barato.
9 de Janeiro – Via TSF - Na apresentação de mais um estudo sobre o impacto do projecto de alta velocidade no sector do turismo, o ministro das Obras Públicas reiterou que Portugal pode vir a beneficiar «bastante» com o TGV, sublinhando que Lisboa pode mesmo «transformar-se na praia de Madrid».
Foi apresentado, esta quinta-feira, mais um estudo sobre o impacto do projecto de alta velocidade no sector do turismo que aponta para uma subida do número de turistas espanhóis.
O ministro das Obras Públicas, António Mendonça, aproveitou esta oportunidade para reiterar que Portugal pode vir a beneficiar bastante com o TGV.
«Lisboa pode-se transformar por exemplo na praia de Madrid, em termos de condições turísticas, as condições que nós [Portugal] temos para desportos novos como o surf. Há um conjunto de ideias e de oportunidades que importa explorar para aproveitarmos o que esta ligação pode trazer», afirmou António Mendonça.
Este estudo indica que se apenas dois por cento do actuais turistas espanhóis visitarem Portugal em 2015, dois anos depois do TGV, serão 12 milhões e meio, e em 2030, devem ultrapassar largamente os 13 milhões.
É por causa destes estudos que o ministro António Mendonça desafiou os empresários a agarrar a oportunidade do TGV, recusando ter uma visão conservadora.
«Quando o comboio foi introduzido no século XIX, as carroças a cavalos caíram e se calhar na altura os agentes económicos que estavam ligados à exploração de carroças ficaram extremamente tristes, bem como todas as indústrias associadas a esta actividade», exemplificou o ministro.
Os autores deste estudo, a Deloite e a Confederação do Turismo, prevêem ainda que o número de empregos, ligados ao turismo, também dispare. Em 15 anos, serão mais de 35 mil os novos empregados no sector.


Nova Aliança, 21 / Janeiro / 2010

A escolha para a Cinemateca e a propaganda

27 de Dezembro - Sobretudo na respeitável área da "cultura", qualquer recém-nomeado para um cargo público lança os jornalistas na busca de opiniões de "personalidades" acerca do feliz contemplado. Por regra, não há surpresas: as opiniões são na maioria positivas, embora irrompam ocasionais manifestações de antipatia. Independentemente da sua orientação, porém, o teor "intimista" dos testemunhos revela o tamanho do meio, tão pequeno que não se encontra quem não tenha já roçado, metafórica ou literalmente, a criatura em questão.
Se a constatação da nossa dimensão paroquial deprime, pelo menos os argumentos das "personalidades" divertem. Recentemente, as reacções à designação de Maria João Seixas para directora da Cinemateca Nacional divertiram-me. Noto que, excepto por umas variedades televisivas, não conheço a senhora de lado nenhum, logo naturalmente não compreendo as razões da nomeação. O engraçado é que os que a conhecem também não parecem compreender, mas em nome da amizade elaboram imaginativas explicações.
O realizador João Botelho acha a dra. Maria João "culta, simpática e fora dos lóbis", duas razões etéreas e uma discutível. A realizadora Margarida Gil vê nela "uma pessoa do cinema", presumivelmente por ter sido casada com Fernando Lopes e recebido subsídios para publicitar fitas nacionais no estrangeiro. O produtor Paulo Branco elogia- -lhe, sem especificar, o "trabalho" e o "trajecto". E Medeiros Ferreira ganha de longe o prémio da justificação mais original: o antigo ministro e deputado louva a escolha porque num seu aniversário a dra. Maria João, cito, "convidou o plenário dos seus amigos para uma celebração natalícia na Cinemateca". Volto a citar o dr. Medeiros Ferreira: "Está tudo dito sobre o seu amor ao cinema."
Estará? Eu julgo que ainda falta aplaudir a devoção às aves de todos quantos festejam os anos em churrasqueiras. Falta esclarecer em que circunstâncias uma instituição pública se reserva para pândegas particulares. E falta certamente destacar a opinião de Nuno Artur Silva, dono das Produções Fictícias e o único a apresentar uma razão credível para a nomeação da dra. Maria João: o "traquejo político". Traduzido, isso significa que a novel directora foi assessora de António Guterres e mandatária em candidaturas de Jorge Sampaio, Mário Soares e Manuel Maria Carrilho. Agora sim, está tudo dito sobre o seu amor ao cinema.
2 de Janeiro - Aconteceu em Cacia. Durante o anúncio da construção de uma fábrica de baterias, o senhor José Sócrates Pinto de Sousa ergueu a mãozinha e juntou o polegar ao indicador para decretar: "Eu sou dos que acham que quando as cidades tiverem uma percentagem suficiente de carros eléctricos, sem emissões e sem barulho, já não vão querer andar para trás." Em seguida, explicou que Portugal será o primeiro país do mundo com uma rede nacional de abastecimento dos carros em questão. Por fim, conduziu, risonho, um exemplar dos ditos, com tamanho comparável a uma lata de atum e desempenho idem. Terminada a sessão, ficaram no ar clichés dispersos: "aposta", "investimento", "inovação", "ambição", "linha da frente", etc. Contas feitas, tratou-se de um espectáculo notável, mas quem não viu sabe exactamente o que perdeu.
Em quase cinco anos no poder, é impossível registar o número de ocasiões aproveitadas por Sócrates para nos informar de que o Governo, o dele, colocou Portugal na vanguarda internacional de uma maravilha qualquer. Agora é o carro eléctrico. Das outras vezes foram chips de computadores, caixas de computadores, "aerogeradores", placas solares e por aí fora. Invariavelmente, cada maravilha suscita três ou quatro cerimónias de propaganda até se dissolver em falências, fracassos, trapalhadas judiciais ou nas meras intenções. E até perder a atenção de Sócrates, capaz de abraçar a próxima maravilha com a candura de quem nunca se comprometeu com as anteriores.
Havia a anedota do sujeito que vendia bóias na praia enquanto o tsunami se aproximava: Sócrates continua a vendê-las após a devastação e, sobretudo, como se a devastação não tivesse ocorrido. Juro: não quero saber quanto do meu dinheiro reverte para essas duvidosas causas. Nem perguntar se não haverá um bom motivo para que nações de facto prósperas permitam a Portugal ser pioneiro no que quer que seja. Nem mesmo verificar a marca do computador que o primeiro-ministro usa, a origem da energia que consome ou o veículo em que, desde Cacia, se desloca.
O único ponto de interesse consiste em apurar se, depois de habituados às emissões e ao barulho que o PS produz, os portugueses algum dia vão querer seguir em frente. E, já agora, também conviria saber se em frente ainda haverá alguma coisa além do abismo.


Nova Aliança, 7 / Janeiro / 2010

O poder muda e o casamento entre católicos e não católicos

13 de Dezembro – O poder muda realmente as pessoas! É impressionante ver a transformação de algumas de condição modesta quando atingem posições importantes em termos de fama, de riqueza e de poder. Ainda hoje recordo um funcionário que todos os dias vinha ter comigo a lamentar-se da pouca saúde, dos problemas da mulher e dos filhos. Quando passou a chefe de outros funcionários, deixou de vir ter comigo e começou logo a atormentar os que dependiam dele.

Tenho visto muitos casos semelhantes entre operários e empregados. Já para não falar do que se passa na política. Antes das eleições, alguns políticos cumprimentam-nos calorosamente e pouco falta para nos abraçarem. Depois, assim que conseguem um cargo, tornam-se inacessíveis. Em alguns casos, é impossível contactá-los por telefone e não respondem a cartas. Com o tempo, acabei por perceber que agem assim por estarem convencidos de que o poder tem por base o medo. No início da carreira, invejam os superiores. Como os temem, para lhes caírem nas boas graças, comportam-se de forma reverencial, servil e até, como acontecia com o meu queixoso funcionário, tentam obter a piedade deles. Contudo, se os observarmos bem, percebemos que, no fundo, são pretensiosos e ávidos.

Não confiam nos colegas, não os respeitam, vêem-nos como adversários. Para alguns, os subordinados não passam de indivíduos invejosos e hostis que se comportam com deferência apenas por medo. É por isso que, após uma promoção, se tornam autoritários e déspotas: apenas se sentem seguros quando os subalternos obedecem a tremer. Quando conquistam cargos ainda mais importantes, todos os outros se tornam rivais. É por essa razão que apenas escolhem colaboradores medíocres que concordam com tudo. Felizmente, também há indivíduos que se comportam de forma oposta e que vêem o poder como uma liderança assente na criatividade, no mérito e na capacidade de obter resultados. E alguns, ao contrário dos primeiros, não sentem receio no início da carreira, porque confiam em si próprios e nas suas capacidades e apenas desejam poder exprimir--se e mostrar aquilo de que são capazes. Quando chegam ao poder, não vêem os seres talentosos como potenciais adversários; pelo contrário, procuram colaboradores com valor e rodeiam-se de especialistas, de homens de cultura e de artistas, a quem pedem opiniões e conselhos. No caso dos primeiros, o principal objectivo é aumentar o poder; os verdadeiros líderes têm ideais, sonhos e rodeiam-se de todos aqueles que desejam partilhá-los, para uma realização conjunta.
15 de Dezembro - O i-online dá notícia da proibição, pelo Papa Bento XVI, do casamento entre católicos e não católicos. O pretexto da notícia é uma tradução, parcial e não oficial, em espanhol de uma tradução em italiano do texto original em Latim.
Na parte respeitante ao casamento, a notícia é falsa. O Papa não proibiu coisa nenhuma (nem proibiu nada que não fosse já proibido). O Código de Direito Canónico (CIC) previa o casamento entre católicos e o casamento entre um católico e um não católico (casamento misto), sujeitando-os, porém, a ritos e requisitos algo diversos. E continua a prever depois da decisão papal que fundamenta a notícia. A alteração do texto de várias normas, como se explica no texto papal (que, nesta parte, não aparece na tradução espanhola usada pelo i), visou apenas clarificar o regime aplicável aos casamentos em que intervenha alguém baptizado, mas que se tenha afastado da Igreja (relativamente aos quais havia dúvidas sobre se deveria, ser tratados como católicos ou como não católicos, para efeitos da determinação do rito e requisitos aplicáveis).
Os jornalistas não têm de saber latim, mas não custava muito, por exemplo, consultar o texto anterior das normas do CIC, para perceber o disparate do título.

Nova Aliança,24 / Dezembro / 2009