29.7.10

O abandono do interior, a confusão da Cultura e as diferenças das "estrelas"

10 de Julho - Um secretário de Estado com um ar muito indignado gritou esta semana no Parlamento: "O Governo não está a abandonar o interior, as pessoas é que estão a abandonar o interior!"
Discutia-se a linha do Tua, e o governante perdeu a cabeça face às críticas da Oposição. Para lá da forma descabelada como reagiu, o secretário de Estado dos Transportes remeteu o ónus da desertificação do interior para as próprias populações. Para este senhor, são as pessoas que têm uma saúde miserável, que têm menos emprego e de menor qualidade, que têm as escolas cada vez mais longe de casa os culpados da desertificação do interior.
As populações do interior têm hoje melhores condições de vida do que há 30 anos, é certo. Mas a falta de emprego empurra-as não apenas para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto mas também para o estrangeiro. Basta ver o que foi o fenómeno de emigração para Espanha nos anos de ouro da economia espanhola.
Para lá do emprego, há a questão da saúde, que é um verdadeiro escândalo. Num país em que reina o desperdício de milhões em obras públicas, nos gabinetes ministeriais, nas campanhas eleitorais, há populações que não têm os mínimos na assistência hospitalar. Culpa dos governos, claro, incluindo o do referido senhor secretário de Estado, e não das malvadas populações do interior...
11 de Julho - Este comunicado do Ministério da Cultura, para além de ser reles e mostrar baixeza, é simultaneamente uma carta de demissão da ministra, pela sua confissão de absoluta incompetência:
Confessa estar agora «livre de constrangimentos». Porque não se tinha livrado deles mais cedo?
«Os sucessivos atrasos nos concursos, a barreira construída entre o Gabinete da Ministra e os agentes culturais, a ineficácia dos procedimentos, são factores que se devem às dificuldades demonstradas pelo Director-Geral para o exercício do cargo.»
Gabriela Canavilhas confessa não apenas ter-se conformado com essa situação, como ter sido incapaz de tomar uma decisão. Se não existisse a renuncia ao cargo, quanto tempo a situação por ela descrita acima se manteria? Que outros entraves e incapacidades existirão no seu ministério a aguardar a voluntária «remoção» dos responsáveis?
Pela sua inacção, foi a ministra responsável pelos atrasos, pela ineficácia e dificuldades que diz terem existido. Preferiu a «estabilidade» daquilo que descreve e que só pode ser entendido como incompetência. Mas que estabilidade poderia haver se afinal nada era feito?
Ela mesmo o diz: «A sua intervenção tem sido meramente de aplicação de medidas do Governo», o que se diga, é o que se espera de qualquer director-geral, logo…..
Portanto, já se demitiu senhora ministra? Ou o primeiro-ministro não o fará por si em nome da estabilidade e enquanto a senhora não arranja «nova colocação»?
13 de Julho – Ainda há ‘estrelas’ assim. Um jornal apanhou Messi a gozar um dia de praia no Rio de Janeiro. O craque estava acompanhado da namorada, numa imagem perfeita de um casal vulgar, ele com bronze de camionista, ela a ler um jornal, num quadro domingueiro de praia urbana. Havia paparazzi por perto, mas nenhum frenesim de seguranças.
Messi fora dos campos é um rapaz prosaico, de poucas campanhas de publicidade, de nenhuma vida mundana, sem amores furtivos em iates ou com socialites espampanantes. Ronaldo é o contrário de tudo isso. É jovem e rico como Messi mas um homem do mundo. Do mundo fashion, que na força da sua juventude sempre procurou, com todo o direito, em cada minuto de liberdade. Por isso, trocou a cinzenta Manchester pela luminosa Madrid. Juventude, elegância, dinheiro, extravagância, talento, tudo em doses generosas, fizeram de Ronaldo um fenómeno público e global, uma marca que há muito ultrapassa o menino que ainda há em si. Por isso, não pode cuspir para as câmaras nem achar que anuncia ao mundo ter sido pai e que este se fecha em copas no respeito pela sua intimidade. Ronaldo pode sentir-se irritado, mas há muito que a personagem pública que criou manda na pessoa que ele é. E a intimidade dessa personagem é hoje uma coisa cada vez menos protegida pela lei. Alguém deveria explicar-lhe isso para evitar figuras que a todos entristecem.

Nova Aliança, 22 / 7 / 2010

Quem governa Portugal e o regresso da 'sinistra'

25 de Junho - Henrique Granadeiro, essa quase certeza do panorama empresarial português, não tem dúvidas e proclamou do alto do seu imenso poder / saber: "O País é governado por uma coligação de procuradores e jornalistas." Os anões do costume logo ergueram coro a pedir, na gíria bélica a que este PS se habituou, que alguém venha "quebrar a espinha" a uns e outros em defesa da Pátria. Percebe-se o golpe de inteligência fulgurante de uns e outros: o País está perto da falência mas a culpa é dos malditos procuradores e jornalistas. Portugal não tem exportações competitivas nos mercados internacionais e a culpa é daquela dupla perversa. Portugal tem uma fractura social cada vez maior, feita de pensões miseráveis, de gente que é mandada morrer em casa sem assistência dos hospitais ou esquecida pelos burocratas (a maior parte malta do partido), e a culpa é dos procuradores e dos jornais. Portugal tem um desemprego galopante e de longa duração mas, lá está, o rigor lógico-dedutivo da rapaziada vai dar aos culpados óbvios: jornalistas e procuradores. Portugal especializou-se em obras públicas faraónicas e inúteis (estádios do Euro’2004, por exemplo) e quem decidiu e executou as obras foram... jornalistas e procuradores. O BPN e o BPP, óbvio ululante, foram casos criados também por jornalistas e procuradores. O destino da Selecção está traçado e a culpa será dos jornalistas e procuradores. Já sabem…
28 de Junho - Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação, concedeu uma entrevista ao ‘Expresso’ onde destila um desprezo pelos professores que seria impensável em qualquer outra pasta. Alguém imagina um qualquer ministro com particular asco pelo seu ‘povo’? E, no entanto, a senhora Rodrigues não tem travão: os professores, para ela, recusam a avaliação porque preferem ser todos iguais.
Que existam milhares de docentes que sejam o contrário desta caricatura e que tenha sido a mediocridade do seu modelo a despertar a ira da classe, eis duas evidências que não perturbam a senhora. Por isso, espanta que Sócrates, no lançamento de um livro da ex-ministra, tenha apresentado a senhora Rodrigues como uma mulher ‘sem ressentimentos’ e, mais, um exemplo de ‘coragem, grandeza e superioridade’. Sobre os ‘ressentimentos’, aplaude-se o momento de humor. É sempre agradável ouvir piadas neste momento de depressão colectiva. Mas não se aplaude a indelicadeza para com a actual ministra, que passou os primeiros tempos a rasgar as medidas da sua antecessora. Será a dra. Isabel Alçada um exemplo de cobardia, pequenez e inferioridade? E o que dirá Sócrates da nova ministra?
1 de Julho – Lê-se nos jornais: ‘Segurança nos comboios da Linha de Cascais vai ser reforçada’. Mas reforçada porquê, pergunto eu? Como é doutrina que não existem problemas de insegurança, que falar de assaltos é populismo, que jamais existiram arrastões em Portugal não se percebe a que ocorrências e tipo de situações se referem estas pessoas. Falam de quê quando dizem que a segurança vai ser reforçada?
3 de Julho – Preparem-se: as autoridades espanholas anunciaram recentemente que a vida da central nuclear de Almaraz II vai ser prolongada por mais dez anos. A central de Almaraz II está localizada em Cáceres e no seu processo de refrigeração é usada água de um afluente do Tejo. Outra central espanhola com impacto no Tejo é Guadalajara-Trillo, cuja vida útil foi definida em 40 anos aquando da sua inauguração, em 1988, e que neste momento se dá como adquirido que se manterá no activo pelo menos durante 55 anos. Quanto às centrais de Vandellòs II e Garoña, que deviam encerrar em 2010 e 2011, também viram o seu tempo de actividade prolongado.
Até aqui nada de novo: a Espanha acompanha uma tendência generalizada para prolongar a vida das centrais nucleares. A crise e as dificuldades políticas em fazer aprovar novas centrais levaram a que seja muito mais fácil hoje decidir o prolongamento da vida das centrais nucleares do que optar pela construção de novas unidades. Os eternos problemas com os países produtores de petróleo, o pânico criado em torno do aquecimento global e o desempenho relativamente seguro das centrais em funcionamento fizeram o resto: o nuclear passou de sinónimo de apocalipse a energia limpa e segura.

Nova Aliança, 8 / 7 / 2010

José Saramago, o encerramento de escolas e o ministro que tudo falhou

19 de Junho - José Saramago nunca foi homem de consensos e desde muito cedo escolheu um caminho de combate. Combateu por um tipo de sociedade em que acreditava e combateu contra a sua própria circunstância, de uma pobreza que à partida o destinaria a uma existência nos antípodas daquela que teve.
Nesse sentido, aliás, toda a sua vida tal qual a conhecemos foi a de um homem literalmente levantado do chão. Combateu a fome e lutou pelo conhecimento do mesmo modo que se barricou contra o fascismo e a censura. Combateu a mesquinhez de um certo tipo de exercício do poder como aquele que atacou o seu ‘Evangelho’. Nunca se calou, nem mesmo perante o PCP, com quem foi gerindo uma relação emocional mas cada vez mais discreta e distanciada.
Nesta hora, há quem prefira destacar a obra para não ter de falar de alguns aspectos da biografia. Outros, puxarão pela biografia para subalternizar a obra. Há mesmo quem não destaque nem uma coisa nem outra porque não gostava de Saramago ou lhe era indiferente. Não se discute nenhuma das opções, todas terão as suas razões. Para Portugal, porém, quer se queira quer não, Saramago foi um grande escritor que engrandeceu o País e um homem que nunca abdicou da coragem e da frontalidade. E como ele já não ficam muitos!
Saramago sempre exigiu (e quase sempre conseguiu) que o poder político o tratasse com veneração. A meu ver, ele não foi vítima de censura nem de qualquer perseguição. Ou então também falaríamos de censura quando o escritor eliminou as dedicatórias que fizera a Isabel Nóbrega .
Ao saber da morte de Saramago, o Presidente da República emitiu uma nota a lamentar o sucedido, e enviou as condolências à família. Cumpriu o que se exigia mas podia e devia ter feito mais, pois Saramago era uma personalidade relevante do país.
Morreu um português com um reconhecimento importante e como tal a Presidência da República devia marcar uma presença que não se limitasse ao Chefe da Casa Civil.
23 de Junho - Até se pode compreender o encerramento de escolas com menos de meia dúzia de estudantes, mas esta medida é um atestado de óbito a aldeias e pequenas vilas, a comunidades com história. Professores e funcionários arriscam-se a ficar com horários zero e no quadro de mobilidade, vindo a perder uma parcela do rendimento. Os docentes serão obrigados a sair destas aldeias e desde a Primeira República que eles se encontravam entre as principais referências cívicas das localidades. O critério nem é económico, porque deslocar alunos e professores é mais caro. Parece que há mesmo a intenção do Estado de acabar com o mundo rural. Aliás, no que diz respeito a estas pequenas comunidades, as únicas coisas construtivas a que este primeiro-ministro está ligado são os mamarrachos que assinou e que estão espalhados pelo concelho da Guarda. Neste 10 de Junho que agora passou convém lembrar que as aldeias de todo o País também são Portugal.

26 de Junho - O Ministro das Finanças garantiu que Portugal engrenou numa "trajetória de forte confiança" que levará o país a ser bem sucedido na "obtenção de um défice não superior a 7,3% do PIB no final de 2010".
Trata-se do mesmo Ministro que, para 2009:
a)previu um défice de de 2,2% e o défice foi de 9,3%
b) previu um aumento do consumo público de 0,2% e o consumo público aumentou 2,6%.
c) previu um acréscimo de investimento de 1,5% e o investimento decresceu -11,8%.
d) previu um acréscimo da procura interna dos 0,9% e e a procura interna diminuiu -2,9%
e) previu um acréscimo das exportações de 1,2% e elas decresceram -12%
f) previu um aumento de emprego de 0,4% e o emprego diminuiu -2,9%
g) previu uma taxa de desemprego de 7,6% e ela foi de 9,5%.
Nestas circunstâncias, é mesmo preciso grande lata para garantir o que quer que seja. Não garantiu ele também já este ano que não havia aumento de impostos? E que haveria cortes drásticos nos grandes investimentos? Que credibilidade, pois, que confiança, tais garantias podem merecer?...

Nova Aliança, 24 / 6 / 2010

O Mundial e os gravadores do deputado socialista

19 de Maio – Os portugueses não descansam. Com o Mundial à porta e a crise praticamente ultrapassada, segundo o primeiro-ministro, o futuro pertence-nos. Carlos Queiroz sugeriu há dias que a selecção nacional "pode funcionar como um estímulo e um capital importante de auto-estima para os portugueses". Se ele não o dissesse, nunca teríamos notado. Prova-se que o desempenho desportivo de uma nação reflecte-se no comportamento dos respectivos cidadãos e, consequentemente, nos indicadores colectivos de progresso. Mesmo que os estudos o não afirmassem, bastaria estarmos atentos à realidade.
O Luxemburgo, por exemplo, é um território deprimido e indigente porque nunca se habituou a celebrar vitórias em competições internacionais. Já os habitantes do Quénia e da Jamaica, estimulados pelos campeões do atletismo, acumularam o capital de auto-estima necessário para transformar esses países nas potências prósperas em que se tornaram.
Portugal é um caso intermédio. De vez em quando, há uma competição internacional, por regra de futebol, que corre razoavelmente. É nesses momentos que o optimismo do povo se alarga e rapidamente julgamos ser os melhores do mundo e, por processos que apenas alguns conhecem, até na economia. Infelizmente, tais momentos não abundam.
É verdade que o recente campeonato do Benfica empolgou sete milhões de portugueses, entretanto estimuladíssimos em benefício da pátria. Mas é preciso ter em conta os três milhões que o mesmo campeonato deprimiu e que, pelo menos durante umas semanas, querem que a pátria se lixe. É por causa disso que as competições internas não ajudam à confiança de que todos os portugueses carecem.
O Mundial da África do Sul, porém, constitui uma extraordinária oportunidade para inverter o desesperado estado das coisas. Cada golo marcado e cada drible de Cristiano Ronaldo terão efeitos imediatos nos números do desemprego. Cada vitória empurrará multidões para as ruas, a transbordar de auto-estima e de cerveja. E a crise ficará mais uma vez esquecida.
20 de Maio - O deputado Ricardo Rodrigues é uma pessoa muito popular. O seu tom de voz também ajuda a percebê-lo. Ora, estava o senhor a ser entrevistado e, alegadamente, não gostou de algumas questões colocadas. Eu entendo, preferia uma daquelas entrevistas à José Alberto Carvalho e Judite de Sousa com perguntas certinhas e respostas preparadas. Vai daí, não quis responder às perguntas dos jornalistas da Sábado e, à socapa, surripiou (nas suas palavras, "tomou posse") ou locupletou-se com os gravadores dos jornalistas, que apresentaram queixa por roubo. O deputado justifica-se com a "violência psicológica insuportável" que teria sido exercida sobre ele. Neste ponto, lembro que foram apenas umas perguntas. Argumento sério. Certamente foi por isso que apareceu a invocá-lo numa conferência, acompanhado de dois dirigentes do partido. Pelo sim, pelo não, desta vez os jornalistas agarraram bem nos gravadores. Pudera.
Há contudo uma certeza: alguém terá uma predilecção por um deputado como este. Também é determinado (veja-se a determinação com que enfia os gravadores no bolso e se pira todo lampeiro). Também procura defender o seu bom-nome (veja-se o pundonor com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Também enfrenta os jornalistas e tal (veja-se a resolução com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Também não tem medo, não hesita e não recua (veja-se a coragem com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Agora não é tempo para mostrar fraqueza e tal (veja-se a valentia com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro).

Nova Aliança, 27 / 5 / 2010