30.10.12

O serviço público de televisão e os automóveis da Assembleia da República

9 de outubro - Alguém sabe o que é o serviço público de televisão? Duvido. E, como tem sido dito, antes de decidir o que fazer à RTP, é preciso definir o conceito de "serviço público". Aliás, talvez devêssemos começar pelo conceito de "conceito" mas também não precisamos de complicar. Até agora o serviço público é como a pornografia: ninguém sabe muito bem como definir, mas todos acham que saberão apontá-lo quando o virem. Não sendo tão divertido como distinguir pornografia de pseudopornografia, talvez se chegue rapidamente a uma conclusão. Das várias opiniões que tenho lido, posso adiantar que serviço público é algo que: a) nunca foi prestado em Portugal, mas não pode ser prestado por estrangeiros; b) só pode ser prestado pela estação que foi criada para isso, mas que em 55 anos nunca o prestou; c) o dinheiro dos contribuintes que é usado para uma entidade pública não o prestar, não pode ser usado para uma entidade privada não o prestar; d) se for mesmo, mesmo bem feito, cura a psoríase. Mais: a programação de serviço público tem de ser composta por bons programas. Por exemplo, deve passar bom teatro nacional. E bom cinema nacional. Bons documentários. Boas séries. Boas telenovelas. Bons concursos de boa cultura geral. Tem de passar jogos de futebol da selecção, do campeonato nacional e do Real Madrid. Um bom programa de desporto. E fazer a cobertura de bons eventos desportivos. Um bom programa infantil. E um bom programa infanto-juvenil. Bons programas de humor com boas piadas. Um bom talk-show com bons convidados. Um bom magazinediário com boas dicas sobre boa moda, boa saúde, bom lifestyle, apresentado com boa boa-disposição. Um bom programa de investigação jornalística. Um bom programa de debate político. Um bom programa de divulgação de música portuguesa. Um bom programa de divulgação de literatura portuguesa. Um bom programa de divulgação das artes plásticas portuguesas. Um bom programa de divulgação da arte de rua portuguesa. Um bom programa sobre a cultura popular e o folclore. Um bom programa sobre os Descobrimentos, claro. Um bom programa sobre as comunidades estrangeiras em Portugal. E um bom programa sobre comunidades portuguesas no estrangeiro. Um bom apontamento diário sobre meteorologia. Um bom programa sobre a boa programação de serviço público que se faz. Obviamente, para conseguir isto, não se pode privatizar a RTP. Tem é de se nacionalizar a SIC e a TVI. É a única forma de arranjar espaço em antena suficiente para estes programas. 13 de outubro –Desculpem lá mas não podemos continuar a assumir que têm sempre que ser os outros a estar sujeitos a todos os sacrifícios, desde que connosco tudo fique “mais ou menos” na mesma. Se continuamos a acreditar que vivemos numa Democracia, então aquela que deve ser a sua ‘casa’ ou seja a AR -e não só… – tem que ser rigorosa, transparente e exemplar. É imoral que em Outubro de 2012, seja via aluguer de longa duração, seja como possa ser, que estejamos a suportar com os nossos impostos só para o PS, um Audi A5 e três Passat novos. Por certo 4 VW Pólo , 4 Smart ou 4 Renault Clio ( por muito que isso desagrade a Francisco Assis ) seriam mais que suficientes embora, face ao salario que auferem, talvez devessem usar o automóvel próprio. O salário de um deputado, fora benesses, excede em muitas vezes o que qualquer trabalhador normal neste país, mais ou menos habilitado, aufere. E não tem ainda automóveis e refeições e tanto mais, a tao pouco ou nulo custo ao próprio! A exceção seria o senhor Paulo Campos ( o tal das PPP ) que, apesar de ter rendimentos mensais de sete mil euros, apenas sobrevive com a ajuda dos pais. Está na hora de todos os deputados aceitarem a diminuição dos seus salários e mordomias em 50%. E, mesmo assim, viveriam bem acima do comum dos cidadãos Os tempos são de cortes e de sacrifícios para todos. Mesmo todos!! Nova Aliança, 18 / outubro / 2012

16.10.12

A intolerância religiosa

A coisa começa a ser frequente. Desta vez, foi um filme amador sobre a vida do profeta Maomé que incendiou o sempre ‘pacífico’ mundo árabe. O embaixador americano na Líbia foi morto. Embaixadas americanas no Oriente Médio foram atacadas. E as instalações da ‘Kentucky Fried Chicken’ tiveram a sua dose de violência e destruição. Ouvi muita gente e a opinião é unânime: o filme é nojento, ofensivo, ignorante; mas nada disso justifica a violência que ele provocou. É indiferente saber se o filme é bom ou mau, nojento ou refinado, ofensivo ou altamente elogioso para o islão. Não é função de nenhum chefe político tecer comentários sobre a qualidade do que se diz, faz ou pensa em países ocidentais, onde a liberdade de expressão é um valor sacramental. E a liberdade de expressão comporta tudo: o repelente, o ofensivo, o ignorante, o sacrílego. Se existem fanáticos que não gostam desse modo de vida, o problema não é do Ocidente. O problema é dos fanáticos. Claro que, para além da violência superficial que se espalhou pelo Médio Oriente, existem questões mais perversas: e se os atos dos fanáticos não estiverem apenas relacionados com o filme? E se o ódio ao Ocidente for a verdadeira gasolina que faz arder esses atos? E se a Primavera Árabe, afinal, foi apenas uma forma de trocar velhos tiranos por novos? Os meios de comunicação ocidentais, que defendem romanticamente a Primavera Árabe, consideram que só podem florescer aí democracias civilizadas, respeitadoras dos direitos humanos e onde a liberdade individual não tem preço. Eis a suprema falácia do pensamento progressista, que o filósofo John Gray, em artigo recente para a BBC, destruiu sem piedade: o facto de derrubarmos um ditador não significa necessariamente que as alternativas serão melhores. E porquê? Isaiah Berlin (1909 - 1997). já tinha avisado que os valores mais importantes em política não podem ser confundidos uns com os outros: liberdade é liberdade, não é igualdade; igualdade é igualdade, não é liberdade; democracia é democracia, não é justiça. Por outras palavras: o voto da maioria pode ser uma condição para a existência de regimes livres. Mas pode também ser o contrário: uma forma de liquidar a liberdade individual. Basta que a maioria, por exemplo, opte por um regime baseado na sharia islâmica, e não pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. E essa perversão nem sequer é uma exclusividade do islão. Será preciso recordar que Hitler é o exemplo mais eloquente de alguém que usou a democracia para liquidar a democracia? Hoje, no mundo islâmico, sabemos que ditaduras criminosas foram derrubadas. Mas também sabemos que islamitas tomaram o poder no Egipto ou na Tunísia. E que várias facções, com vários graus de radicalismo fundamentalista, lutam pelo poder dentro de cada um desses países. O que não sabemos nem escutamos são vozes liberais dentro do Egipto ou da Tunísia defendendo regimes democráticos respeitadores dos direitos humanos e da liberdade individual. Na década de 1960, perguntaram ao primeiro ministro chinês Zhou Enlai o que ele pensava sobre a Revolução Francesa de 1789. Resposta: "Ainda é muito cedo para dizer". Também aqui podemos dizer o mesmo. Nova Aliança, 4 / outubro / 2012

1.10.12

A 'nossa' responsabilidade

Os tempos não correm fáceis. Entre comunicações ao país, idas aos concertos e jogos de futebol, os portugueses sentem-se roubados e explorados. De uma forma geral, as crises que destroem os países começam nas finanças (com a bancarrota), continuam na economia (com recessão e desemprego), atingem a política (com os governos em desagregação) e finalmente chegam às ruas (com a sociedade em revolta). Facilmente sentimos que as duas primeiras fases – o naufrágio financeiro e económico – já foram cumpridas. Portugal vive agora a terceira. Perante isto, Passos não consegue explicar por que motivo o governo ‘carrega’ como nunca na mais pura extorsão fiscal, sem que existam progressos visíveis no tão prometido emagrecimento do Estado. Passos não explica, no fundo, por que motivo continuam a ser os funcionários públicos os mais prejudicados (para além dos dois subsídios, houve antes disso uma ‘subtração’ de uma percentagem do vencimento levada a cabo pelo Pinto de Sousa, lembram-se? ) e esquece as fundações e as famosas PPP. Estará o país a entrar na sua quarta fase? Pelo menos, saiu à rua sob o simpático slogan ‘Que se lixe a troika – Queremos a nossa vida de volta!’. Fez bem: gritar alivia e, além disso, o que está a suceder é imperdoável. Mas convinha esclarecer dois pontos sobre o slogan. Para começar, a ‘troika’ não aterrou em Lisboa por sua vontade e num dia qualquer. Foi um governo PS quem a chamou, depois de ter falido o país. Sem o dinheiro da ‘troika’, esse mesmo povo não teria um cêntimo no bolso. Restava-lhe a saída do euro, a adopção de uma nova moeda – e de uma nova vida. Que vida? Não, com certeza, a vida de fantasia que o euro permitiu – a governos, empresas, famílias, etc. Chegados a este ponto, para quem nos podemos voltar? Para o Presidente da República, responderão alguns. Será? Não foi esse mesmo Presidente da República que, com a história da boa e da má moeda, colocou no poder o Pinto de Sousa? E, mesmo que o fizesse, o que viria aí? Novas eleições para levar ao poder quem enfiou o país no buraco e não tem uma única ideia válida para tirá-lo de lá? Um governo de ‘salvação nacional’, tipo bacalhau com todos, onde os partidos da esquerda e da direita darão as mãos em cânticos patrióticos? Tudo o que o Presidente tinha a dizer, já o disse Ferreira Leite: as últimas medidas anunciadas por Passos são um desastre para a economia. Arranjem outras. Ponto final. Se Passos tiver juízo e quiser salvar a cabeça, agirá em conformidade. Repito o que tenho dito aqui algumas vezes. Somos nós os culpados da situação. Quem é que dá sempre um ‘jeitinho’? Que outros povos valorizam os espertos e não os sábios ou os justos ? Conhecem outro povo que aplaude o vencedor do Big Brother, mas não sabe o nome dum escritor? Que respeito merece um povo que reelege uma Fátima Felgueiras, um Isaltino Morais, um Valentim Loureiro e outros? Qual o povo que admira o pobre que fica rico da noite para o dia? Conhecem outro que ria quando consegue sacar a Tv Cabo do vizinho? O que esperar de um povo que não sabe o que é pontualidade? Quem atira o lixo para a rua e depois reclama pela sujeira? O que esperar de um povo que não valoriza a leitura? Quem finge dormir quando um idoso ou um deficiente entra no autocarro Pensem nisso, o problema não são os políticos, são os Portugueses! Os políticos não se elegeram, fomos nós que os elegemos. Nova Aliança, 20 / Setembro / 2012