20.6.13

A 'impressão' moderna e a chegada do verão

27 de maio – A história veio nos jornais e é daquelas que oferecem um final feliz. Uma criança foi salva com a construção de um pequeno tubo saído de uma impressora 3D.Um dia farão uma impressora de gente, com alma e muitas dúvidas existenciais. Metade da alma e o dobro das dúvidas. "Serei um original ou uma cópia?", perguntar-se-ão de tempos a tempos, os homens de boa vontade. E o que é que isso interessa? O que importa é ser, existir. Tudo começa como uma brincadeira. Imprimir a ex-mulher para matar saudades. A si próprio para faltar ao emprego. Enquanto um vai trabalhar, o outro fica em casa a ver a bola. Só pode dar mau resultado. A 'sósia' da ex-mulher não será assim tão diferente da original, o mesmo corpo e metade da alma. E a genuína vai sentir ciúmes da cópia, e reclamar direitos de autor. Isso vai custar uma fortuna. E o outro que era eu, igualmente preguiçoso, ou mais ainda porque tem apenas metade da alma, também vai querer seguir os jogos do Sporting e matar saudades da ex-mulher, apesar de nunca ter sido sua. Que complicada será a vida. Estamos melhor assim. Não matamos saudades, mas matamos. Matamos se quisermos, através de uma impressora. O futuro já lá vai, no parágrafo anterior, agora falamos do presente. Não é ficção científica, é a realidade científica e tecnológica, que nos atropela e nos invade de espanto. Nos Estados Unidos, algures no Texas, houve uns neo-cowboys que conseguiram fabricar uma arma, um revólver com ar de Tupperware , que dispara balas de verdade. À medida que as bisnagas se vão parecendo cada vez mais com pistolas, as pistolas parecem-se com bisnagas. Eu vi-a numa reportagem da BBC, está disponível na internet. É o passo mais concreto em direção ao abismo da impressionante tecnologia das impressoras 3D. Claro que a culpa nunca é da tecnologia mas da forma como esta é usada. Para estas impressoras, em concreto, têm sido encontradas as mais louváveis utilidades, em áreas como a medicina dentária. Maquinaria de ponta, altamente evoluída, em prol da saúde e bem-estar. Mas daqui a meia dúzia de anos será comum ter uma impressora 3D em casa. A sua democratização avança a largos passos. Nos Estados Unidos, já se vendem impressoras 3D para uso doméstico com preços a partir de 1500 dólares. Quase todas usam como material uma liga de plástico (também há com outros materias, como chocolate), que é fundida a alta temperatura. A impressora recebe os dados sobre a formatação do objeto através de um programa: os ficheiros podem ser descarregados na internet ou desenhados pelos próprios. Também já há programas que permitem cópias através de fotografias. Caminha-se assim para a pirataria de objetos em larga escala. Já não é apenas a contrafação das fábricas chinesas. Brevemente, poderemos ter clones de objetos feitos em casa. Mas também poderemos fabricar peças absolutamente originais. O homem fabrica-se a si próprio e a preços competitivos. Até faz impressão. 1 de junho – Há que tempos que te não via. Estás mais gordo. Emagreceste quantos quilos? Passaste os cem. Toma cuidado? Tu vais comer isso? Deixei de comer hidratos de carbono. Proteínas só até às seis da tarde. Nem pão, nem batata, nem arroz. Nem massa. Não comas isso, tem um índice elevado de glicemia. Só consigo beber café sem açúcar. Vou entrar no ginásio. Que dieta andas a fazer? Isso, torradas com manteiga. Potássio, não. Cenoura ralada crua e brócolos cozidos sem sal. O melão, quando está maduro, apresenta uma alta concentração de açúcar. Não devias comer isso. Estás mais magra. Votos de um bom fim de semana, sem carnes vermelhas. Abstinência de ameixas. Personal trainer. Onde é que eu vou buscar serotonina? Levo uma vida saudável. Ouvi dizer que ela comeu duzentas calorias a mais. Bem-vindos ao verão. Nova Aliança, 13 / junho / 2013

A lamechice dos exames

8 de maio – Nas críticas aos exames que agora começam encontramos uma sociedade cujas famílias já acham que é obrigação do Estado transportar-lhes os filhos para tudo o que tenha a ver com a escola – se não fosse a crise ainda teríamos o direito ao transporte escolar para a festa de aniversário! – ou que se chocam muito porque se pede aos seus filhos que assinem um papel onde declaram que não têm consigo telemóveis nem qualquer outro equipamento de comunicação. “Porque acontecerão numa sala com meninos que nunca viram”. “Porque terão de ir a uma escola que não é a sua”. “Porque lhes pedem que declarem que não têm consigo telemóvel”. “Porque os professores encarregados de os vigiar não serão os seus”. "Porque estarão nervosos"... Estes são alguns dos argumentos usados para criticar os exames do ensino básico. A estes argumentos há sempre quem recorde o facto de no Estado Novo se terem realizado exames neste nível de ensino, o que à partida condena aos infernos os ditos exames. O resultado destas teses sobre os exames em particular e a avaliação em geral acabou na tragédia conhecida: temos um ensino caro mas com resultados medíocres. Pior, sob as roupagens do "não podemos deixar pessoas para trás" ou " a escola não pode discriminar os mais desfavorecidos" passou a esperar-se menos dos alunos. Como é óbvio, foram os filhos dos mais pobres e dos menos escolarizados as principais vítimas desta armadilha pois a classe média, onde sobressaem os defensores de sistemas muito alternativos de avaliação, é a primeira a colocar os seus filhos em escolas onde a avaliação é rigorosa. Contudo, os exames não são importantes apenas no que concerne à avaliação em si mesma mas também como factor de responsabilização. Nas críticas aos exames que agora começam encontramos uma sociedade cujas famílias já acham que é obrigação do Estado transportar-lhes os filhos para tudo o que tenha a ver com a escola - se não fosse a crise ainda teríamos o direito ao transporte escolar para a festa de aniversário! - ou que se chocam muito porque se pede aos seus filhos que assinem um papel onde declaram que não têm consigo telemóveis nem qualquer outro equipamento de comunicação. Por isso o que se contesta nestes exames nem é tanto o fenómeno da avaliação que passada a fase do folclore pedagógico, se tem como indispensável, mas que nos detalhes da sua organização - declaração sobre a posse de telemóvel; ida a outra escola... se trate as crianças como pessoas e não como bebés. Na TSF um dos pais reclamava porque "aqueles professores que estão a supervisionar o exame não conhecem os alunos". Fiquei chocado. Então não conhecem os alunos? Nada? Nem um bocadinho de intimidade...nem um bocadinho de cumplicidade? Não percebo... quem é que se lembra destas coisas? Um exame a sério...que ideia tão bizarra. Muitas crianças diziam que não estavam nada preocupados porque lhes foi transmitido pelos pais que "era tudo uma palhaçada que não servia para nada". Mas serve! Serve para perceber que com educadores deste calibre não há método que aguente. Esta infantilização das crianças e dos jovens gerou uns perturbantes bebés adultos que aos 18 anos ainda vão à consulta de pediatria, pois a idade pediátrica estende-se agora até aos 18 anos, onde entre imagens de ursinhos e cegonhas recordarão as ressacas dos festivais de Verão ou as histórias macabras sobre as crescentes agressões nas escolas, como a sucedida recentemente na EB 2/3 Ruy Luís Gomes, no Laranjeiro, em Almada, em que uma aluna foi violada por cinco colegas. Ou que, numa versão mais crescida, continuam a beber e a divertir-se enquanto um seu colega foi assassinado. Se Marlon Correia tivesse morrido, não na sequência de um assalto, mas sim numa fuga à polícia os seus colegas estariam muito provavelmente hoje de luto e vivendo uma forte indignação. Assim foi apenas um azar e a festa com muita cerveja vai prosseguiu. Nova Aliança, 16 / maio / 2013