18.6.14
Lacão e os quadros de Miró
12 de fevereiro - O Parlamento português viveu recentemente um momento histórico. Não foi um grande discurso ou um debate fabuloso, muito menos um protesto imaginativo nas galerias. Nada disso, desta vez o momento histórico teve lugar numa Comissão e deu-se numa interpelação do senhor Jorge Lacão à ministra da Justiça.
E o que fez Lacão? Lembrou-se de uma pergunta inquietante, fez uma exposição notável, representou os seus eleitores brilhantemente? Não, Lacão falou, falou, falou e... falou. Mais precisamente falou durante cinquenta e nove (59) minutos. Acontece que o monólogo passava por ser uma pergunta à ministra, que ali estava para responder às perguntas dos deputados.
Ou seja, quando teve a oportunidade de fazer perguntas a Paula Teixeira da Cruz, o deputado Jorge Lacão decidiu ler um papel durante 59 minutos. Mais precisamente, em vez de fazer uma pergunta ou um conjunto de perguntas, resolveu ouvir-se a si próprio durante uma hora - perdão, uma hora menos um minuto -, com o objectivo claro de não fazer nenhuma pergunta, muito menos de obter respostas.
Os deputados de vários partidos e a ministra assistiram a tudo isto de boca aberta, protestaram e Lacão acabou por abandonar a sala depois de uma segunda investida, agora com uns modestos 15 minutos. Lacão abandonou a sala em protesto porque não o deixaram falar, depois de ter falado 59 + 15 minutos. Os deputados do PS saíram atrelados a ele, talvez para o continuarem a ouvir nos corredores ou no jardim.
Caros eleitores, já sabem, se virem Jorge Lacão um dia na rua, mudem de passeio imediatamente ou finjam que estão a correr para o autocarro. Já viram se ele vos pergunta pelas horas ou como é que se vai para a Bemposta? Lá se vai uma hora do vosso dia…
16 de fevereiro - Nesta discussão sobre as obras de Miró parte-se logo de um equívoco: a de que não existe custo se ficarmos com os quadros, pois eles já são nossos. Não é verdade. Há um custo de cerca de 35 milhões de euros. Se os quadros não forem vendidos, será o Orçamento de Estado a ter de meter esses 35 milhões no imenso buraco do BPN – uma realidade que a senhora Inês de Medeiros insiste em negar com a sua imensa arrogância e ignorância. É uma gota de água nesse imenso buraco? É. Mas não deixam de ser mais 35 milhões suportados pelos contribuintes.
Estando este ponto assente, importa saber se comprar uma colecção de quadros de Miró tem prioridade sobre outros gastos do Estado, se tem prioridade sobre outros gastos da Cultura e se tem prioridade sobre a aquisição de outras obras e colecções para os museus nacionais.
Qualquer pessoa sensata só pode responder negativamente a qualquer destas perguntas. Nenhum governante com os pés assentes na terra preferiria aplicar 35 milhões em pinturas de Miró quando isso implica retirar 35 milhões a outros destinos. E nenhum titular da Cultura com um mínimo de sensibilidade decidiria gastar 35 milhões nestas pinturas e não noutras inúmeras obras e colecções realmente relevantes para o património e memória nacionais. Aquela colecção de Miró nunca seria a primeira escolha.
É esta realidade que devia entrar pelos olhos dentro. O resto é poeira para os olhos.
Uma das ilusões que também regressou com este debate é a de que este “investimento” geraria muitas receitas futuras. É preciso ter uma enorme lata. Olhe-se para a Colecção Berardo que continua sem cobrar bilhete aos que a visitam. Olhe-se para o destino de Foz Côa. Olhe-se para os números dos museus nacionais onde existem colecções mais relevantes e muito mais interessantes. Só o voluntarismo cínico e demagógico dos que gostam de chamar aos outros “estúpidos institucionais” é que pode propagar esta ilusão.
Uma ilusão, como sempre, paga com o dinheiro dos outros. Se acham mesmo que o investimento é bom, dirijam-se a um banco, arranjem os 35 milhões, exponham depois os quadros num museu cobrando bilhete e fiquem ricos. Ou, o que é mais provável, fiquem endividados para sempre. Mas não queiram sobrecarregar ainda mais os contribuintes portugueses.
Nova Aliança, 23 / fevereiro / 2014
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