12.12.09

As redes sociais e os minaretes suiços

1 de Dezembro - O mundo pula e avança. Eu fico. Há alguns anos, estavam os blogs na moda, resolvi fundar um. Eu não sabia exatamente o que era um blog. Quero dizer, conhecia-os mal mas apreciava a capacidade do ‘bicho’ para publicar em cima do acontecimento.
Em Portugal, os blogs eram poucos mas iniciava-se já a ‘febre’. O tempo livre era passado com actualizações dos ‘templates’. A ‘coisa’ queria-se de referência.
A certa altura o entusiasmo passou. É verdade que nunca vivi intensamente o fenômeno. Uma brincadeira é uma brincadeira e precisava do tempo aí dispendido para ler. Regressei aos livros e, claro, à imprensa. A internet é, de certa forma, um parque infantil. Quem deseja viver eternamente num parque infantil?
A resposta correta é: toda a gente. Dez anos depois, olho em volta e estou mais só do que nunca. Percebi isso numa reunião onde todos falavam de mundos que eu ainda não visitei. Facebook. Twitter. Esses são apenas os tradicionais. Depois existem os outros, com nomes impronunciáveis e virtualidades idem.
Parece que toda a gente ‘está’ no Facebook e ‘está’ no Twitter. Atenção ao verbo ‘estar’: fisicamente, os novos internautas podem estar sentados a uma mesa de jantar. E sorriem. E conversam. E parecem gente. Mas, na verdade, eles não ‘estão’ onde nós estamos. Onde eu estou. Eles habitam o espaço virtual, onde desenvolvem amizades virtuais, inimizades virtuais. Sem falar de amores ou traições rigorosamente virtuais. Não sei se existem casamentos, divórcios ou funerais virtuais. É provável.
Mas o pior de tudo é ser questionado. E eu? ‘Estou’ no Facebook? ‘Estou’ no Twitter? Respondo que não ‘estou’em nenhum. Alarme. Alguém comunica aos restantes que está um ser humano sentado à mesa. Olhares de estupefação e náusea. A minha vontade era responder: mas ‘estou’ aqui, em carne e osso. Podem tocar.
Erro meu. Se não ‘estou’ na internet, eu não ‘estou’ em lado algum. Eu simplesmente não existo. Ou existo, sim - mas numa cidade deserta, como o último sobrevivente de uma catástrofe nuclear.
Regresso a casa. Derrotado. Ao computador chegam periodicamente convites de ‘amizade’. Resisto. Não quero ‘amigar’ para depois ‘desamigar’.
Saio para a rua. O bulício das compras de Natal aí está. Sigo os meus autores. Talvez alguém me siga a mim. Nos sonhos, nunca devemos olhar para trás. Eu olho. E vejo. ‘Estou’ ?
4 de Dezembro – De forma irónica diz-se que a Suíça deu duas coisas ao mundo: relógios e Rousseau. Agora deve acrescentar-se à lista a grande surpresa da semana: contra todas as previsões, os suíços resolveram proibir a construção de minaretes islâmicos no seu espaço nacional. Convém lembrar que os minaretes são estruturas arquitectónicas, em forma de torre, que permitem chamar os fiéis para a oração.
Nada mais do que isso. O Partido do Povo da Suíça, a maior organização partidária do país, resolveu convocar um referendo. E o povo rejeitou a "islamização" do seu espaço público. Em certos cantões, e sobretudo com o apoio feminino, a rejeição foi esmagadora.
A atitude dos suíços horrorizou a Europa e alguns acusam-nos os de intolerância extrema. Os suíços têm ódio e medo perante o estrangeiro, dizem, e assim se explica o repúdio da religião islâmica e da sua expressão arquitectónica, uma atitude incompreensível e até irracional quando sabemos que os muçulmanos representam 5% da população suíça e são, na sua maioria, procedentes dos balcãs e da Turquia, e não necessariamente de países árabes extremistas.
Curiosamente, os suíços organizaram-se para impedir a construção de minaretes mas não, por exemplo, a construção de mais igrejas ou sinagogas. Mas existe um segundo pormenor que importa relembrar. Disse no início que a Suíça legou ao mundo relógios e Rousseau. Deixando de parte os relógios, fiquemos com Rousseau. Sobretudo com a sua particular concepção de "democracia direta", tão do agrado da chamada esquerda clássica. Se os estados justos são aqueles onde prevalece a "vontade geral", não se percebe por que motivo a "vontade geral" dos suíços horroriza assim tanto os seus herdeiros.

Nova Aliança, 10 / Dezembro / 2009

Maité Proença, ainda os animais e a actualidade de Eça

Quarta-feira, 4 de Novembro - Há dois anos, Maitê Proença, actriz de telenovelas, gravou um pequeno vídeo sobre Portugal, à época transmitido num programa da TV Globo. No vídeo, que se pretendia jocoso, a senhora imita o sotaque daqui, mostra uma casa em Sintra com o número da porta invertido e fala de um hotel de cinco estrelas sem técnico de informática. Aparentemente, isto bastou para que um nosso compatriota ressuscitasse agora tamanha irrelevância, promovesse um abaixo-assinado a exigir desculpas e incendiasse a Internet com fúria nacionalista.
O único problema da tentativa cómica da dita Proença é a falta de graça. Seria potencialmente hilariante se tratasse de características reais e realmente ridículas dos portugueses, como o fascínio pela "cultura" de países do Terceiro Mundo, Brasil incluído, que "compensa" o desconhecimento da cultura do Primeiro. Ou a capacidade de dar importância ao que não possui nenhuma.
Se, por exemplo, os franceses respondessem assim às paródias americanas, a Embaixada dos EUA em Paris seria obrigada a criar um departamento exclusivamente dedicado aos protestos. Nunca ouvi falar de protesto nenhum. Nações a sério concedem a brincadeiras o destaque que as brincadeiras merecem. A ofensa fácil e colectiva exige um caldo notável de presunção, insegurança, boçalidade e atraso de vida. O caso flagrante é o dos povos muçulmanos, que saem à rua em roupa interior sempre que alguém refere Maomé sem a devida vénia. Outro caso, menos flagrante, é curiosamente o brasileiro. Não há muito tempo, um episódio dos Simpsons que retratava o país enquanto um lugar de miséria e insegurança (imagine-se) motivou vasta indignação local, a ponto de altíssimas autoridades ameaçarem processar a produtora Fox.
Em abono do Brasil, lembro que os Simpsons são talvez a série mais influente da história da televisão. A absurda polémica em curso tornou Maitê célebre numa terra que reage a galhofas falhadas mediante pretextos para galhofas garantidas. Entretanto, a actriz de telenovelas gravou novo vídeo, este com o reclamado pedido de desculpas e a jura, a título justificativo, de que a senhora até goza o presidente (dela). Ou seja, na escala de respeito da Proença os portugueses situam-se abaixo de Lula. E isso já ofende o meu brio lusitano: não haverá um abaixo-assinado contra o segundo vídeo?

Sexta-feira, 13 de Novembro - Infelizmente, a lei que a prazo acabará com os animais selvagens nos circos não promete acabar com os animais teoricamente racionais que a inventaram. O presidente do Instituto da Conservação da Natureza, entidade irónica num país em que a natureza é periodicamente arrasada por construtores e incendiários, justifica a medida com a saúde pública e a segurança. Ignoro quantos milhares de pessoas os macacos do Chen e os tigres do Cardinali mataram até hoje. Porém, estimo em milhões as vítimas desta senha reguladora que aos poucos procura, e aos poucos vai conseguindo, censurar-nos a comida, o tabaco, o álcool, o sedentarismo, o automóvel, o jogos, os noticiários críticos do Governo e, em suma, tudo o que ainda distingue o homem civilizado da bicharada, selvagem ou outra.
Às vezes penso se os pequenos zelotas da padronização foram escolhidos para cargos públicos por serem assim ou ficaram assim depois de alcançar os cargos. A psiquiatria explicará. Para já, suspeito da primeira hipótese: além do Estado, não faltam na "sociedade civil" sujeitinhos sempre dispostos a apoiar ou instigar medidas repressivas. Veja-se, no caso dos animais, as associações do ramo. Conheço algumas e, salvo excepções dignas, nunca lhes notei a menor preocupação com o bem-estar dos bichos. Em compensação, aflige-os imenso que alguém os possa ter, gostar deles e ser retribuído. Os macacos e os tigres circenses são evidentemente um pretexto. Ou um início. A insignificância que dirige uma Associação Animal apareceu a avisar que a nova lei não basta: é urgente abolir todas as criaturas não humanas do circo. Entre parêntesis, diga--se que seria preferível abolir o dito: notoriamente, para ver palhaços não é necessário comprar bilhete e entrar numa tenda.
Fora de parêntesis, sabe-se como estas coisas começam e tenho um palpite sobre como podem acabar. Nem aprecio circos, mas é possível que tarde ou cedo o Estado e os parasitas que lhe habitam as franjas estendam o instinto totalitário à privacidade dos lares.
Sábado, 14 de Novembro - “A politica converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a cada um deles chegue o mais frequentemente que for possível a vez de entrar e sair do governo. Nos pequenos períodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministério o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos públicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos lugares que vierem a vagar. É este trabalho de assimilação e desassimilação dos partidos, que constitui a vida orgânica do que se chama a política portuguesa”.
Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, As Farpas, Agosto-Setembro de 1877

Nova Aliança, 26/ Novembro / 2009

Os animais e a escola na Finlândia

14 de Outubro - A partir de agora, os animais dos circos estão proibidos de se reproduzir. Ainda agora no rádio do carro escutei atentamente um acérrimo defensor desta medida explicar que há muitas soluções simples para garantir a extinção das espécies circenses. Sugeriu duas: 1. separar machos das fêmeas ou, 2. castrar os machos. Que crueldade. Nunca pensei ouvir tal sugestão da boca de um pretenso defensor dos animais. É preciso que a Sociedade Protectora dos Animais proteja os animais destes protectores de animais.
No primeiro caso, a separação por género, parece-me que há uma claríssima e inaceitável descriminação dos animais heterossexuais. Por favor, defensores da igualdade do género, mostrem a vossa indignação por esta solução que apenas permite uma prática sexual sã aos animais LGT e parcialmente aos B, ainda que reduzindo-lhes drasticamente a possibilidade de escolha. Espero da vossa parte uma posição clara de protesto contra estas medidas que condenam todo um grupo maioritário ao cinzentismo do auto-divertimento.
A segunda solução, para lá de arrepiante – brrrrr – é intolerável. Castrar os bichinhos? Que horror. Não só a medida é de enorme crueldade física como, mais uma vez, há uma óbvia descriminação de género, agravada pelos terríveis efeitos vexatórios sobre o bem-estar psíquico dos bichinhos a quem amputaram a sua virilidade.
A única medida que pode ser aceitável para estes casos é a pílula do dia seguinte – que deverá ser fornecida gratuitamente a todos os animais que o solicitarem nos centros de saúde da zona. (um comprimido para a macaca, 3 caixas para a elefanta).
Vamos lá, jugulares, defensores de causas profissionais e outros bloquistas, temos aqui temos uma nova causa fracturante, mexam-se. Lutemos juntos pela defesa do direito dos animais circenses a terminarem os seus mandatos com dignidade.
Os tigres dos circos não se podem reproduzir. Os macacos idem. Enfim nada disto tem importância por nada disto é para cumprir. É para ir cumprindo. Se a malta chateia lembram-lhe a legislação. Primeiro foi com a comida. A ASAE parecia omnipresente e omnipotente. Depois tivemos a fase da ginástica, dos ginásios e dos pescadores que tinham de andar de fita métrica para verificar a quantos metros estavam uns dos outros. Agora chegou a vez dos circos. Sugiro que a seguir se legisle sobre os palhaços. Não é aceitável que um ser humano seja achincalhado como acontece no número do palhaço rico e do palhaço pobre. Após os palhaços deve o legislador ou o grupo de peritos como soe dizer-se recomendar que se legisle sobre a ausência de prática desportiva entre as crianças ao fim-de-semana e o número de pactotes de batas fritas que ingerem enquanto vêem séries de televisão esticadinhas no sofá.

Já não é a primeira vez que se faz aqui a comparação com o país que foi considerado referência de topo pelo PM e pela ministra quando quiseram considerar os professores uns "malandros" .

16 de Outubro - Para os cidadãos, pais, professores, alunos, ministra que foi, ministra que chega, primeiro-ministro e deputados, aqui ficam as nove grandes diferenças entre portugal e a Finlândia:

1. Na Finlândia, as turmas têm 12 alunos;

2. Na Finlândia, há auxiliares de accção educativa acompanhando constantemente os professores e educandos;

3. Na Finlândia, os pais são estimulados a educar as crianças no intuito de respeitarem a Escola e os Professores;

4. Na Finlândia os professores têm tempo para preparar aulas e são profissionais altamente respeitados;

5. Na Finlândia, as aulas terminam às 3 da tarde e os alunos vão para
casa brincar, estudar e usufruir do seu tempo livre;

6. Na Finlândia, o ensino é totalmente gratuito inclusivamente os LIVROS, CADERNOS E OUTRO MATERIAL ESCOLAR;

7. Na Finlândia, todas as turmas que têm alunos com necessidades educativas especiais, têm na sala de aula um professor especializado a acompanhar o aluno que necessita de apoio;

8 . Na Finlândia, não há professores avaliadores, professores avaliados nem inspectores!

9. Na Finlândia, não há professores de primeira e de segunda.

Conseguiram perceber as diferenças?

Nova Aliança, 12 / Novembro / 2009