17.11.10

Carta a um Professor e o desportivismo nos anos 50

3 de Novembro - "Caro professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas por favor diga-lhe que, por cada vilão há um herói, que por cada egoísta há também um líder dedicado, ensine-lhe por favor que por cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o, também, perder-se com os pássaros do céu, as flores do campo, os montes e os vales.
Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos. Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.
Ensine-o a ouvir a todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando está triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram. Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.
Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso.
Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.
Eu sei que estou a pedir muito, mas veja que pode fazer, caro professor".
É uma carta de 1830, de Abraham Lincon ao professor do filho que começava a aprendizagem. Um texto certo, lindíssimo, um exemplo de vida. De muitas vidas, sem data e com destinatário: nós, todos.

7 de Novembro – Procurar nos arquivos traz muitas curiosidades. Na véspera de um Porto-Benfica, em Dezembro de 1953, O Porto, jornal do F.C.Porto, escrevia o seguinte“Portistas, vem aí o Benfica. É claro que os vamos receber como ele merece: à moda do Porto. Os encarnados do sul vêm de longada até à Cidade Invicta encher de alegria os olhos dos desportistas tripeiros. Que vença, Deus o permita, o nosso glorioso clube. É legítimo. Que os bravos benfiquistas nos perdoem a tripeira fraqueza. ..Nada de hipocrisias, porque os dois baluartes do futebol nacional já habituaram de tal maneira os seus adeptos à exibição plena das mais nobres virtudes da ética desportiva…”
O Porto ganhou e o jornal O Benfica de 14 de Janeiro de 1954 escrevia:“Ganhou o Porto. Foi naquela tarde o melhor. Mas também soube pôr na vitória o timbre da firmeza e educação que só os atletas de elite possuem. Perdeu o Benfica. Mas nem por isso saiu diminuído da contenda. Deixou no belo estádio o perfume da sua categoria de grande equipa, grande na maneira de jogar, enorme na forma como soube aceitar a derrota”.
Reconhecem este desportivismo nos tempos presentes?

Nova Aliança, 11 de Novembro de 2010

A lição do Chile

14 de Outubro – A lição que recebemos
Podemos dizer que se trata de uma frase feita. Podemos dizer que nem sempre se verifica mas a ‘tal’ frase impossível - o Natal é quando o homem quiser - calhou ontem, 13 de Outubro. O cântico foi da velha chilena Violeta Parra: ‘Gracias a la vida’. Os presentes vinham num embrulho em forma de cápsula que ia e vinha e trazia sempre as mesmas letras e sempre certas: Fénix.
Quem tira os minerais do fundo da terra? Quem passa lá uma vida inteira? Quem destrói o corpo em busca do salário mensal? E esses presentes eram tão raros que muitos os deu como desaparecidos. Quem levantou os grandes monumentos? Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou pronta a Muralha da China? A grande Roma está cheia de arcos de triunfo - quem os levantou?
Perguntas antigas, que ontem tiveram resposta, tiveram nomes. Florencio Ávalos, Carlos Mamani, Jimmy Sánchez, Victor Zamora, Esteban Rojas e mais vinte e oito iguais. Ontem, chorávamos todos, o filho do Florencio, a loira da Sky News, o solitário no café da aldeia.
Ontem, um dos danados da terra e desapossados de nome, mal ganhou nome, Mário Sepúlveda, o segundo da dinastia dos 33, falou por ele e por todos - cumprindo as palavras de Violeta Parra: ‘El canto de todos que es mi proprio canto’. Pousou o bornal e tirou dele pedaços de rocha que arrancou à mina, que distribuiu. E depois disse isso em palavras: "Não me tratem como artista, sou Mário, o trabalhador mineiro." Só…
15 de Outubro – Ainda o Chile
Todos seguimos a transmissão televisiva com maior audiência da história: 33 mineiros soterrados a 700 metros de profundidade regressaram, 69 dias depois, à luz e à vida. Como escreve Hernán Letelier, a história do deserto de Atacama está coroada de tragédias como um largo muro coroado de vidros quebrados: greves, marchas da fome, acidentes fatais, mineiros mortos em inconcebíveis massacres. Mas no passado dia 13 o que se viu foi o triunfo da vida, da resistência humana, a recusa da rendição a um desfecho que parecia inevitável, o engenho científico e tecnológico ao serviço de 33 mineiros pobres e desconhecidos e o mundo inteiro suspenso por esse arrojo em que se lançaram o presidente chileno, os poderosos detentores da tecnologia de ponta e os 33 homens soterrados vivos e que, rapidamente, contagiou o mundo inteiro.
Esta operação, sumamente complexa e teoricamente nunca pensada, foi posta em prática com a precisão de um cronómetro, sem precipitações, sem erros, sem falhas. Tornou-se um ponto de honra comum à humanidade, sobrepondo-se à secura dos corações, ao conformismo e à indiferença fruto dos atributos da cultura utilitarista dos nossos dias, assente no individualismo, na ganância, no desprezo pelos mais pobres e mais fracos e no desvalor da vida humana. A história da mina de San José é, também por isso, uma revolução cultural.
Não foi apenas um resgate - o que por si já seria muito - mas um cuidar activo e eficaz conseguido com muita tecnologia, engenho e arte, criando em escassos 800 metros simulações da luz do dia para controlar os biorritmos, a temperatura e o grau de humidade, introduzindo sondas para enviar provisões, rádios e material de primeiros socorros e até pastilhas elástica com nicotina para aliviar os fumadores, para além de livros e um projector para verem filmes e futebol. O resto, um enorme resto, chama--se resistência humana, liderança activa e disciplina espiritual. Mario Sepúlveda, o mineiro que fez a vezes de jornalista nas gravações de vídeo filmadas a 700 metros de profundidade, disse quando chegou ao mundo dos vivos "Estive com Deus e estive com o Diabo, e ganhou Deus. Agarrei-me à melhor mão." Os 33 homens apareceram com uma T-shirt onde se lia "gracias, Señor".
Este final feliz, arrancado à sua própria improbabilidade, culmina um tempo sobre o qual os mineiros estabeleceram um pacto de silêncio entre si: nenhum falará sobre os outros. Ainda que seja provável que um dia se escreva um best-seller ou se realize um filme sobre esta história, boa de mais para ser verdadeira, eles não querem ser os protagonistas. Tudo ficou 700 metros abaixo do solo, e percebemos porquê. Nenhuma história pode ser tão íntima na trama com que foi tecida como a de esta extraordinária convivência. Nada pode operar transformações tão profundas no interior de cada homem como o fio do tempo - 69 dias - no qual se penduraram as fraquezas e as forças, a fé e o desespero, o medo e a coragem, o pior e o melhor de cada um daqueles seres humanas que a tragédia desnudou até ao tutano da alma.
Alberto Urzúa Iribarren, "Don Lucho" como lhe chamaram dentro e fora da mina, foi o último a sair como compete a quem assumiu ser o chefe natural daquele grupo logo após a primeira avalanche. Organizou grupos e rações: "Duas colherinhas de atum por dia, para cada um", disse. Enquanto, cá fora, Piñera fazia esta afirmação lapidar: "Procurámo-los como filhos. Encontrámo-los com a ajuda de Deus. Resgatámo-los como chilenos."



Nova Aliança, 28 de Outubro de 2010

Acreditar na Constituição, o Caso Casa Pia e a leitura dos indicadores económicos

14 de Setembro – Devemos acreditar na Constituição?
O Público dá hoje destaque na 1ª Página a uma reportagem cujo tema é “Quanto custa educar um filho?”. Não se percebe de que estão a falar. A Constituição diz que cabe ao Estado estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino e a criação de uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. Educar um filho é, 35 anos após a gloriosa revolução de Abril, totalmente gratuito.
Andam a propagar a mentira de que o futebolista José Torres terá tido dificuldades financeiras no fim da vida, agravados pelo facto de sofrer de Alzheimer. Não pode ser verdade porque a Constituição portuguesa garante que o direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.
Será impressão minha ou a Constituição anda-nos a enganar?
16 de Setembro – O que sabemos do processo Casa Pia.
Terá terminado o processo Casa Pia? Se descontarmos os recursos que aí vêm, parece que sim. Será que se fez justiça? Tirando melhor opinião, parece que sim, e exactamente do modo que a opinião pública desejava. Não é verdade que, antes da leitura da sentença, todos os inquiridos, anónimos ou não, afirmavam querer que a dita justiça se fizesse? E acrescentavam, por palavras meias ou inteiras, esperar que os arguidos fossem condenados, o que sugere que a justiça não tinha muita escolha e não se teria feito em caso de absolvição.
Não sei, não posso realmente saber, o que sucedeu nas referidas casas de Elvas e de Lisboa, e não sei se o sucedido envolveu os sujeitos apontados pelas testemunhas e agora confirmados pelo tribunal. Mas sei algumas coisas: sei que se mandou em paz a senhora que, na opinião dos juízes, era a anfitriã dos presumidos regabofes e logo conheceria cada um dos respectivos participantes; sei que o julgamento foi adiado para o dia seguinte a duas sucessivas, e relevantes, alterações ao Código Penal; sei que os condenados não ficaram detidos e que um deles andou, com ou sem advogado furioso a tiracolo, a insultar o tribunal que assim decidira frente às câmaras de tudo quanto é estação; sei que o julgamento demorou seis inacreditáveis anos; sei que a confiança que os poderes judiciais inspiram no momento em que o processo Casa Pia termina não é idêntica à que inspiravam no momento em que começou; sei que o processo Casa Pia é menos causa do que consequência deste desgraçado, e talvez irremediável, estado das coisas; sei que, por isto e por aquilo, já não se consegue fazer justiça em Portugal sem espalhar a proverbial sombra de uma dúvida. E sei que a alegria de muitos face à condenação de meia dúzia de suspeitos contrasta com a indignação de uns tantos enquanto, até certa altura, houve um sétimo e peculiar suspeito no rol. Quem? Vocês sabem de quem eu estou a falar…
29 de Setembro – Ainda teremos memória?
É bom não esquecer que: 25 de Novembro de 2009 Sócrates garantiu que não aumentaria impostos; a 8 de Março de 2010 Sócrates vangloriou-se: “O mais fácil seria aumentar impostos”; a 12 de Maio de 2010 Sócrates estava satisfeito com o crescimento no primeiro trimestre; a 6 de Junho de 2010 Sócrates garantiu que o mais recente aumento de impostos era suficiente; a 2 de Julho de 2010 Sócrates dizia que o crescimento do desemprego vai continuar a abrandar ; a 13 de Agosto de 2010 Sócrates garantia que o crescimento do PIB no segundo trimestre consiste num “sinal de grande encorajamento e confiança para a recuperação da economia portuguesa”; a 24 de Agosto de 2010 Sócrates afirmava que o crescimento da economia portuguesa, entre Janeiro e Junho, foi o dobro do previsto pelo Governo; a 29 de Setembro de 2010 Sócrates anuncia o segundo aumento de impostos do ano e decreta mais um roubo na função pública. Perante tal “responsabilidade”, “coerência” e “competência”, é fácil seguir o seu raciocínio:
1. De entre os indicadores disponíveis, escolher os mais favoráveis.
2. Entre a variação homóloga e a trimestral escolher a mais favorável.
3. Se todos os indicadores pioram, escolher os que pioram menos que os dos restantes países europeus.
4. Se um dado indicador é pior que os dos restantes países europeus, comparar com as previsões do governo/FMI/Bando de Portugal.
5. De entre várias previsões (União europeia/FMI/Bando de Portugal), escolher a mais favorável ao governo.
6. Se o desemprego aumenta, atribuir o aumento à sazonalidade.
7. Se o desemprego diminui, destacar as políticas do governo.
8. Se os dados estatísticos são desfavoráveis, alegar que estão desactualizados e que os dados mais recentes vão provar que o governo está no bom caminho.
9. Se um indicador for desfavorável atacar a credibilidade da fonte.
10. Justificar os maus indicadores com factores que não dependem do governo (crise internacional, preço do petróleo, desvalorização do euro, valorização do euro).
11. Se um indicador piora ligeiramente, alegar que estabilizou. Se melhora ligeiramente falar em retoma sustentada.
12. Evitar gráficos que dêem uma visão global dos indicadores, excepto quando os gráficos são favoráveis.
13. Se os resultados de curto e médio prazo são desfavoráveis, citar a tendência de longo prazo.

Nova Aliança, 14 de Outubro de 2010

6.10.10

A Gripe A e a estação tonta

3 de Setembro – Lembram-se da gripe A? Fizeram-se avisos, assustaram-nos de morte, obrigaram-nos a lavar as mãos em todos os compartimentos onde entrássemos. Ora, há poucas semanas e ainda não totalmente satisfeita, a Organização Mundial de Saúde avisava oficialmente, pela enésima vez, que a gripe A não terminara. E fundamentava o parecer. Para o especialista britânico John Oxford, por exemplo, a "segunda vaga" da gripe vinha a caminho e com redobrado vigor. A vacinação, referiu o dr. Oxford, é essencial. Para o português Francisco George, o H1N1 iria "com certeza" regressar e "ser responsável por nova actividade epidémica". As pessoas, referiu o dr. George, devem continuar a vacinar-se. A despropósito, note-se que o dr. Oxford é o responsável científico de um importante laboratório de investigação de vacinas e que o dr. George é um dos rostos do sistema de saúde que gastou, perdão, investiu dezenas de milhões nas ditas, ainda assim uma pequenina parcela dos 5 mil milhões gastos, perdão, investidos globalmente.
Agora, pela voz da sua directora, a OMS admite que a gripe, afinal, acabou, com um saldo de vítimas algumas vezes inferior ao da gripe comum e muitas vezes inferior ao previsto. Ao decreto do fim, a dra. Margaret Chan acrescentou uma curiosa constatação: "O mundo teve sorte."
Não digo que não seja verdade, mas sorte de facto teve a OMS, que andou um ano e tal a incitar ao pânico e, após se provar o absurdo do incitamento, mantém inexplicáveis pretensões à credibilidade. E quem diz a OMS diz a imprensa, os investigadores com e sem aspas, os governantes e restantes elementos da brigada do medo, que no mínimo há um par de décadas assustam a humanidade com epidemias e cataclismos que, contas feitas, dão em nada ou em quase nada. Das vacas malucas às aves engripadas, passando, fora do zoológico, pelo "bug" do milénio ou pelo aquecimento global, os tempos recentes têm sido uma sucessão de desgraças anunciadas e nunca verificadas.
Felizmente. Excepto pelo receio de que as massas, as exactas massas que têm entrado em histeria a cada alarme falso, um dia ignorem um alarme verdadeiro. A julgar pelas evidências, Pedro pode gritar "Lobo!" tanto quanto quiser que surgiremos sempre a acudir ao rebanho. Isto na presunção de que o rebanho são os outros.
8 de Setembro – Sabemos todos que o Verão é, por designação, a estação tonta. E existem vários exemplos que o comprovam. O ministro da Defesa, Santos Silva, anunciou que Portugal vai ter espiões no Afeganistão e no Líbano. Se fosse dia 1 de Abril o ministro teria um bom pretexto para sair de uma história bizarra, barricando-se na mentirinha de 1 de Abril.
Ninguém lhe levaria a mal uma brincadeira, ainda que tola. Afinal de contas ninguém deve ter o monopólio da tolice. Um ministro, mesmo da Defesa, que tem obrigação de transportar a pose de Estado em cada gesto, em cada passo, tem direito a dizer umas coisas fora do baralho. Desde que, claro, o que disser não prejudique outras pessoas. Ora, no caso vertente, o ministro deverá ser o primeiro a saber que esse tipo de coisas – anunciar a criação de ‘estações’ de espiões em cenários de guerra – dificilmente se enquadra em matéria anunciável.
É certo que o Governo não resiste a uma ‘novidadezita’, mas dizer à malta da al-Qaeda que vamos mandar uns espiões para as miras de tiro ou para o raio de expansão das bombas deles é obra. A CIA já pagou, amargamente, a factura da mera presença no teatro de guerra. Mas a CIA, poder--se-á sempre argumentar, é um alvo global com mais de 50 anos. Pois, mas, mais à nossa escala, também os espanhóis, italianos e polacos pagaram a factura de lá estarem. E esses nem anunciaram...
P.S. Não me esqueci da sentença da Casa Pia. A seu tempo lá irei.

Nova Aliança, 16 / 9 / 2010

Os incêndios e os casamentos gay

15 de Agosto – Os tempos vão estranhos. No ano passado, o mérito pela escassez de incêndios cabia ao Governo e não a um Verão particularmente fresco e húmido. Este ano, a culpa pela devastação em curso é do calor tórrido, dos criminosos, dos negligentes e do "aquecimento global": não é do Governo. Aparentemente, como em tantos outros aspectos, a acção preventiva do poder reflecte-se nos sucessos, não nos fracassos.
Mistérios à parte, a verdade é que o País voltou a arder e as cabeças encarregadas de o pensar também. Em países normais, impedir a calamidade discute-se antes da calamidade acontecer. Aqui discute-se durante a dita, embora não se trate do típico "casa roubada, trancas na porta", não senhor: em Portugal, debate-se o tipo de tranca enquanto a casa está a ser roubada. Depois de consumado o roubo, a porta continua aberta.
As trancas, corrijo, as medidas de prevenção sugeridas são inúmeras. A minha preferida é a do ministro da Agricultura, que deseja nacionalizar os terrenos abandonados. No universo peculiar do senhor António Serrano, obviamente habilitadíssimo para a pasta que carrega, as matas e florestas do Estado encontram-se limpas, vigiadas e pura e simplesmente não ardem. Eis o contributo mais original desde que um ministro do PSD – recordam-se? - atribuiu a origem dos fogos às granadas que os ex-combatentes trouxeram do Ultramar.
Ainda que sem o talento natural do dr. António Serrano, que ponderadamente pediu a 6 deste mês uma avaliação do Plano Nacional de Defesa da Floresta aprovado em 2006, as luminárias restantes fazem o que podem em matéria de desnorte. O ministro da Administração Interna compara, todo contente, a quantidade de área queimada com a equivalente de 2003 e declara-se preocupado com "a segurança das pessoas", uma evidência se por "pessoas" entendermos ele próprio, e por "segurança" a sua manutenção no cargo. Um secretário de Estado do Ambiente ciranda a anunciar "meios aéreos". O Presidente da República e o primeiro-ministro interrompem com pompa as respectivas férias mas, desrespeitosamente, as labaredas não interrompem o respectivo trabalho. E a ministra da Educação prossegue o encerramento em massa das escolas rurais e deixa cada aldeia entregue a três (ou quatro) velhinhas, assunto que nada tem a ver com os incêndios e por cuja invocação peço desculpa.
22 de Agosto – Sinal dos tempos, o casamento recente de um escritor português com o companheiro motivou uma ou outra notícia de jornal, uma ou outra coluna de opinião e uma razoável quantidade de sentimentalismo na Internet. Ora, como não se tratou do primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo, que sempre tinha o efeito da novidade, estranhei que tantos órgãos de comunicação e tantos comunicadores individuais imitassem a imprensa dos mexericos. E estranhei sobretudo que a comoção orientasse quase todos os desabafos.
A questão reside no facto de, ao contrário do que sucede no jornalismo dito "social", os autores dos desabafos em questão serem, ou parecem ser, esquerdistas convictos, daquela esquerda que gastou décadas a ridicularizar o matrimónio "burguês". Verifico divertido que, pelos vistos, bastou alterar a orientação sexual para que o que antes era ridículo se transformasse numa celebração do amor puro e irredutível. Num ápice, o formalismo opressor do "papel" passou a atestado indispensável de maioridade cívica e a motivo para lágrimas de alegria.
Será agora isto a igualdade? A igualdade que esteve no centro das reivindicações do casamento gay implicaria, agora que este se consumou em sentido lato, que se alargasse o enxovalho aos gays que cederam às "convenções" e à moralidade "tradicional".
Nova Aliança, 2 / 9 / 2010

As 'intervenções' da cultura e a 'golden share'

23 de Julho - É sempre reconfortante verificar o modo como o dinheiro dos nossos impostos continua a ser gerido. A Cultura é um bom exemplo. José Pacheco Pereira apresenta-nos, na sua coluna da Sábado de hoje, um exemplo notável: a “3ª edição do projecto de intervenção e colaboração do Teatro do Vestido, Esta é a minha Cidade e Eu Quero Viver Nela, em que Joana Craveiro (...) convidou o criador e performer Miguel Bonneville”. O espectáculo tinha entrada livre com a seguinte nota: “Cada intervenção tem a duração aproximada de 15 minutos e uma entrada limitada a 5 pessoas. Recomendamos marcação prévia”. 5 pessoas, não parece haver gralha. E o que se passa nessa “intervenção”:
“Este espectáculo acontece em dois quartos de hotel com comunicação entre si.(...) . Este espectáculo é sobre estranhos, camas, lençóis sujos, telefones e telefonemas, comunicação, divisão, desencontrarmo-nos uma vez, o Navio Night, estar perdida de noite sem saber o caminho de regresso a casa, ser salvo por alguém, não haver salvação possível, arranjar uma alternativa, portas entreabertas, levantar o chão, cofres atrás de quadros, segredos, a solidão, não é sobre cartas, é sobre o depois das cartas, é uma carta-postal mais do que um telegrama, é sobre ter um lugar num daqueles restaurantes que está aberto a noite inteira e que tem a um canto um casal improvável e nós sozinhos noutro canto, é sobre uma música em específico, a solidão da Gena Rowlands no Opening Night, enganares-te num número, quase conseguir alguma coisa, uma declaração que é feita e para a qual não tens resposta, teres uma sensação de não caberes em lado nenhum, é sobre ele me ter deixado, é sobre acordar várias vezes durante a noite. Este espectáculo é sobre ser português. “

Esta “intervenção” foi apoiada pela Fnac, Internacional Design Hotel, Teatro Nacional D. Maria II e financiado pelo Ministério da Cultura. Eu gosto mesmo é de que “este espectáculo é sobre ser português.
28 de Julho – O acordo entre a PT e a Telefónica obriga a algumas reflexões:
1. A Oi é um activo estratégico de grande importância, um pouco como a insubstituível Vivo o era ainda há 15 dias.
2. Vender a Vivo por 7,5 mil milhões é um grande negócio. Há quinze dias atrás a venda por 7,15 mil milhões era uma asneira tendo em conta o grande potencial da empresa.
3. A Oi é uma empresa de grande potencial. Há 15 dias atrás era uma empresa cheia de problemas cujo potencial não tinha qualquer comparação com o da Vivo.
4. A PT está a vender a Vivo na altura certa. O potencial de crescimento está esgotado. Esgotou-se nos últimos 15 dias.
5. Ser minoritário na Oi não é um problema. Há 15 dias uma posição de controlo da Vivo era essencial.
6. O governo fez muito bem em usar a Golden Share. Conseguiu-se subir o preço e os accionistas privados ganharam. Há 15 dias intervenção estatal era justificada pelo interesse nacional, hoje intervenção estatal é justificada como forma de reforçar o poder de barganha de privados.
7. Se não fosse o uso da Golden Share a PT não tinha entrado na Oi. Há quem acredite nisso.
8. Conseguiu-se vender a Vivo por bom preço e ficar no Brasil. (Falta dizer que a Oi foi cara, o que em parte anula o bom negócio que se fez com a Vivo).
9. Há 15 dias era inaceitável vender a Vivo porque se teria que sair do mercado brasileiro. Entrar noutra empresa seria muito difícil. Ou a Vivo ou o caos. Ao fim de 15 dias trocou-se uma posição de controlo na Vivo por uma minoritária na Oi.
10. E já nem falo nos grandes nacionalistas portugueses, que se contentam com muito pouco. Basta a ilusão de que ser minoritário na Oi é tão bom como controlar a Vivo para os manter felizes. Ficam contentes por mandar menos em menos.
29 de Julho - Os Procuradores do Ministério Público tinham 27 perguntas para fazer ao primeiro-ministro, José Sócrates, no âmbito do processo Freeport mas os prazos impostos pela Procuradoria-Geral da República para o fim do processo inviabilizaram que Sócrates fosse interrogado, avança a edição desta quinta-feira do jornal 'Público'. Isto da falta de tempo também se aplica às restantes alminhas com quem os procuradores queiram falar?


Nova Aliança, 20 / 8 / 2010

As lições do futebol

11 de Julho – Ainda o desporto-rei. O homem que mudou para sempre o destino do futebol espanhol é um tipo meio estranho, daqueles para quem se olha e dificilmente se acredita que está ali um astro dos relvados. Na edição de ontem da “Marca”, Roberto Palomar assinava uma coluna de opinião que retratava o herói do momento: “Visto de perto, Iniesta poderia ser um profissional de qualquer coisa menos de futebol. Podia ser um repositor de fruta ou um funcionário do Ministério da Agricultura. Qualquer coisa, mas nunca futebolista. Limpo de tatuagens, brincos ou pulseiras, pálido como leite, calvo, só se lhe conhecem duas excentricidades: um dia mandou calar Cristiano Ronaldo e agora atreveu-se a mostrar uma camisola com uma mensagem para Dani Jarque.”
De facto, está ali tudo menos o símbolo da estrela dos novos tempos. A subida aos céus de um jogador assim, tão discreto, deve ser uma dor de cabeça para os tubarões do marketing, que devem andar em palpos de aranha para perceber como vão conseguir pôr Iniesta a vender qualquer coisa.
Quando Sara Carbonero o entrevistava, no final do Espanha-Holanda, o jogador do Barcelona ouvia-se a custo e não era por causa das vuvuzelas. O tom de voz de sempre, acabrunhado, quase a pedir desculpa por ali estar. Ontem chegava a ser difícil encontrá-lo nas fotografias de celebração que foram publicadas nos vários jornais espanhóis. Provavelmente, não aprecia grandes festas nem confusões e, por isso, prefere ficar no seu cantinho.
Há pessoas assim: que nasceram para jogar e nada mais. Há cada vez menos, é verdade, mas ainda há. E, para além de jogar, este ainda ganha. Mundial’2010, Euro’2008, duas Ligas dos Campeões (2006 e 2009), quatro campeonatos de Espanha (2004/05; 2005/06; 2008/09; 2009/10), uma Supertaça Europeia (2009), três Supertaças de Espanha (2005, 2006 e 2009), uma Taça do Rei (2008/09) e um Campeonato Mundial de Clubes (2009). Se gostasse de falar, veja-se bem o que Andrés já não teria para contar.
12 de Julho – Os portugueses são assim: optimistas, sonhadores e arrogantes. Mas, por enquanto, uma das máximas do futebol diz que o campeão é sempre justo e esta Espanha merece mais do que todos os outros porque é, indiscutivelmente e sem margem para qualquer discussão, melhor do que todos os outros. Um percalço no primeiro jogo do Mundial não impediu que La Roja fizesse uma campanha fabulosa com constantes demonstrações de força, classe e um futebol capaz de maravilhar e criar unanimidade, porventura a coisa mais difícil de colher no universo futebolístico.
As razões para este fenómeno espanhol não se resumem aos fantásticos jogadores de que dispõe. É muito mais que isso e deveria ser uma lição para Portugal. Depois de terem conseguido acabar com a malapata do “quase” no Euro’2008, os espanhóis mudaram de selecionador mas não mudaram de filosofia. Ao contrário do que sucedeu por cá, Del Bosque foi inteligente e humilde ao ponto de perceber que aquilo que está bem não se muda. Os profissionais competentes e seguros de si não necessitam de suscitar revoluções para darem o cunho pessoal. O técnico espanhol manteve a estrutura, a filosofia e tentou (e conseguiu) aumentar a qualidade, resistindo à pressão e até aos ataques ferozes do bem-sucedido antecessor. Até ao fim foi um gentleman e um profissional de extrema competência e por alguma razão são estes que têm sucesso e não outros.
Uma frase de Del Bosque, ontem depois da vitória na final sobre a Holanda, deve igualmente servir de exemplo para os portugueses. “Os jogadores merecem tudo. Estivemos juntos 50 dias e não houve qualquer problema ou incidente”, afirmou o novo campeão do Mundo. A seleção espanhola está recheada de estrelas mas nenhuma delas se julga acima de todas as outras, puxando unicamente para si os louros na hora das vitórias e a azia nas derrotas. Por isso Iniesta, Xavi e Casillas vão acabar as carreiras como campeões e senhores do futebol.
Com tudo isto, justificar, daqui em diante, o insucesso português com o facto de termos sido eliminados pelos campeões do Mundo é uma patetice e uma aberração. Gracias Espanha, pelo exemplo e pela ajuda para o Mundial’2018.


Nova Aliança, 6 / Agosto / 2010

29.7.10

O abandono do interior, a confusão da Cultura e as diferenças das "estrelas"

10 de Julho - Um secretário de Estado com um ar muito indignado gritou esta semana no Parlamento: "O Governo não está a abandonar o interior, as pessoas é que estão a abandonar o interior!"
Discutia-se a linha do Tua, e o governante perdeu a cabeça face às críticas da Oposição. Para lá da forma descabelada como reagiu, o secretário de Estado dos Transportes remeteu o ónus da desertificação do interior para as próprias populações. Para este senhor, são as pessoas que têm uma saúde miserável, que têm menos emprego e de menor qualidade, que têm as escolas cada vez mais longe de casa os culpados da desertificação do interior.
As populações do interior têm hoje melhores condições de vida do que há 30 anos, é certo. Mas a falta de emprego empurra-as não apenas para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto mas também para o estrangeiro. Basta ver o que foi o fenómeno de emigração para Espanha nos anos de ouro da economia espanhola.
Para lá do emprego, há a questão da saúde, que é um verdadeiro escândalo. Num país em que reina o desperdício de milhões em obras públicas, nos gabinetes ministeriais, nas campanhas eleitorais, há populações que não têm os mínimos na assistência hospitalar. Culpa dos governos, claro, incluindo o do referido senhor secretário de Estado, e não das malvadas populações do interior...
11 de Julho - Este comunicado do Ministério da Cultura, para além de ser reles e mostrar baixeza, é simultaneamente uma carta de demissão da ministra, pela sua confissão de absoluta incompetência:
Confessa estar agora «livre de constrangimentos». Porque não se tinha livrado deles mais cedo?
«Os sucessivos atrasos nos concursos, a barreira construída entre o Gabinete da Ministra e os agentes culturais, a ineficácia dos procedimentos, são factores que se devem às dificuldades demonstradas pelo Director-Geral para o exercício do cargo.»
Gabriela Canavilhas confessa não apenas ter-se conformado com essa situação, como ter sido incapaz de tomar uma decisão. Se não existisse a renuncia ao cargo, quanto tempo a situação por ela descrita acima se manteria? Que outros entraves e incapacidades existirão no seu ministério a aguardar a voluntária «remoção» dos responsáveis?
Pela sua inacção, foi a ministra responsável pelos atrasos, pela ineficácia e dificuldades que diz terem existido. Preferiu a «estabilidade» daquilo que descreve e que só pode ser entendido como incompetência. Mas que estabilidade poderia haver se afinal nada era feito?
Ela mesmo o diz: «A sua intervenção tem sido meramente de aplicação de medidas do Governo», o que se diga, é o que se espera de qualquer director-geral, logo…..
Portanto, já se demitiu senhora ministra? Ou o primeiro-ministro não o fará por si em nome da estabilidade e enquanto a senhora não arranja «nova colocação»?
13 de Julho – Ainda há ‘estrelas’ assim. Um jornal apanhou Messi a gozar um dia de praia no Rio de Janeiro. O craque estava acompanhado da namorada, numa imagem perfeita de um casal vulgar, ele com bronze de camionista, ela a ler um jornal, num quadro domingueiro de praia urbana. Havia paparazzi por perto, mas nenhum frenesim de seguranças.
Messi fora dos campos é um rapaz prosaico, de poucas campanhas de publicidade, de nenhuma vida mundana, sem amores furtivos em iates ou com socialites espampanantes. Ronaldo é o contrário de tudo isso. É jovem e rico como Messi mas um homem do mundo. Do mundo fashion, que na força da sua juventude sempre procurou, com todo o direito, em cada minuto de liberdade. Por isso, trocou a cinzenta Manchester pela luminosa Madrid. Juventude, elegância, dinheiro, extravagância, talento, tudo em doses generosas, fizeram de Ronaldo um fenómeno público e global, uma marca que há muito ultrapassa o menino que ainda há em si. Por isso, não pode cuspir para as câmaras nem achar que anuncia ao mundo ter sido pai e que este se fecha em copas no respeito pela sua intimidade. Ronaldo pode sentir-se irritado, mas há muito que a personagem pública que criou manda na pessoa que ele é. E a intimidade dessa personagem é hoje uma coisa cada vez menos protegida pela lei. Alguém deveria explicar-lhe isso para evitar figuras que a todos entristecem.

Nova Aliança, 22 / 7 / 2010

Quem governa Portugal e o regresso da 'sinistra'

25 de Junho - Henrique Granadeiro, essa quase certeza do panorama empresarial português, não tem dúvidas e proclamou do alto do seu imenso poder / saber: "O País é governado por uma coligação de procuradores e jornalistas." Os anões do costume logo ergueram coro a pedir, na gíria bélica a que este PS se habituou, que alguém venha "quebrar a espinha" a uns e outros em defesa da Pátria. Percebe-se o golpe de inteligência fulgurante de uns e outros: o País está perto da falência mas a culpa é dos malditos procuradores e jornalistas. Portugal não tem exportações competitivas nos mercados internacionais e a culpa é daquela dupla perversa. Portugal tem uma fractura social cada vez maior, feita de pensões miseráveis, de gente que é mandada morrer em casa sem assistência dos hospitais ou esquecida pelos burocratas (a maior parte malta do partido), e a culpa é dos procuradores e dos jornais. Portugal tem um desemprego galopante e de longa duração mas, lá está, o rigor lógico-dedutivo da rapaziada vai dar aos culpados óbvios: jornalistas e procuradores. Portugal especializou-se em obras públicas faraónicas e inúteis (estádios do Euro’2004, por exemplo) e quem decidiu e executou as obras foram... jornalistas e procuradores. O BPN e o BPP, óbvio ululante, foram casos criados também por jornalistas e procuradores. O destino da Selecção está traçado e a culpa será dos jornalistas e procuradores. Já sabem…
28 de Junho - Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação, concedeu uma entrevista ao ‘Expresso’ onde destila um desprezo pelos professores que seria impensável em qualquer outra pasta. Alguém imagina um qualquer ministro com particular asco pelo seu ‘povo’? E, no entanto, a senhora Rodrigues não tem travão: os professores, para ela, recusam a avaliação porque preferem ser todos iguais.
Que existam milhares de docentes que sejam o contrário desta caricatura e que tenha sido a mediocridade do seu modelo a despertar a ira da classe, eis duas evidências que não perturbam a senhora. Por isso, espanta que Sócrates, no lançamento de um livro da ex-ministra, tenha apresentado a senhora Rodrigues como uma mulher ‘sem ressentimentos’ e, mais, um exemplo de ‘coragem, grandeza e superioridade’. Sobre os ‘ressentimentos’, aplaude-se o momento de humor. É sempre agradável ouvir piadas neste momento de depressão colectiva. Mas não se aplaude a indelicadeza para com a actual ministra, que passou os primeiros tempos a rasgar as medidas da sua antecessora. Será a dra. Isabel Alçada um exemplo de cobardia, pequenez e inferioridade? E o que dirá Sócrates da nova ministra?
1 de Julho – Lê-se nos jornais: ‘Segurança nos comboios da Linha de Cascais vai ser reforçada’. Mas reforçada porquê, pergunto eu? Como é doutrina que não existem problemas de insegurança, que falar de assaltos é populismo, que jamais existiram arrastões em Portugal não se percebe a que ocorrências e tipo de situações se referem estas pessoas. Falam de quê quando dizem que a segurança vai ser reforçada?
3 de Julho – Preparem-se: as autoridades espanholas anunciaram recentemente que a vida da central nuclear de Almaraz II vai ser prolongada por mais dez anos. A central de Almaraz II está localizada em Cáceres e no seu processo de refrigeração é usada água de um afluente do Tejo. Outra central espanhola com impacto no Tejo é Guadalajara-Trillo, cuja vida útil foi definida em 40 anos aquando da sua inauguração, em 1988, e que neste momento se dá como adquirido que se manterá no activo pelo menos durante 55 anos. Quanto às centrais de Vandellòs II e Garoña, que deviam encerrar em 2010 e 2011, também viram o seu tempo de actividade prolongado.
Até aqui nada de novo: a Espanha acompanha uma tendência generalizada para prolongar a vida das centrais nucleares. A crise e as dificuldades políticas em fazer aprovar novas centrais levaram a que seja muito mais fácil hoje decidir o prolongamento da vida das centrais nucleares do que optar pela construção de novas unidades. Os eternos problemas com os países produtores de petróleo, o pânico criado em torno do aquecimento global e o desempenho relativamente seguro das centrais em funcionamento fizeram o resto: o nuclear passou de sinónimo de apocalipse a energia limpa e segura.

Nova Aliança, 8 / 7 / 2010

José Saramago, o encerramento de escolas e o ministro que tudo falhou

19 de Junho - José Saramago nunca foi homem de consensos e desde muito cedo escolheu um caminho de combate. Combateu por um tipo de sociedade em que acreditava e combateu contra a sua própria circunstância, de uma pobreza que à partida o destinaria a uma existência nos antípodas daquela que teve.
Nesse sentido, aliás, toda a sua vida tal qual a conhecemos foi a de um homem literalmente levantado do chão. Combateu a fome e lutou pelo conhecimento do mesmo modo que se barricou contra o fascismo e a censura. Combateu a mesquinhez de um certo tipo de exercício do poder como aquele que atacou o seu ‘Evangelho’. Nunca se calou, nem mesmo perante o PCP, com quem foi gerindo uma relação emocional mas cada vez mais discreta e distanciada.
Nesta hora, há quem prefira destacar a obra para não ter de falar de alguns aspectos da biografia. Outros, puxarão pela biografia para subalternizar a obra. Há mesmo quem não destaque nem uma coisa nem outra porque não gostava de Saramago ou lhe era indiferente. Não se discute nenhuma das opções, todas terão as suas razões. Para Portugal, porém, quer se queira quer não, Saramago foi um grande escritor que engrandeceu o País e um homem que nunca abdicou da coragem e da frontalidade. E como ele já não ficam muitos!
Saramago sempre exigiu (e quase sempre conseguiu) que o poder político o tratasse com veneração. A meu ver, ele não foi vítima de censura nem de qualquer perseguição. Ou então também falaríamos de censura quando o escritor eliminou as dedicatórias que fizera a Isabel Nóbrega .
Ao saber da morte de Saramago, o Presidente da República emitiu uma nota a lamentar o sucedido, e enviou as condolências à família. Cumpriu o que se exigia mas podia e devia ter feito mais, pois Saramago era uma personalidade relevante do país.
Morreu um português com um reconhecimento importante e como tal a Presidência da República devia marcar uma presença que não se limitasse ao Chefe da Casa Civil.
23 de Junho - Até se pode compreender o encerramento de escolas com menos de meia dúzia de estudantes, mas esta medida é um atestado de óbito a aldeias e pequenas vilas, a comunidades com história. Professores e funcionários arriscam-se a ficar com horários zero e no quadro de mobilidade, vindo a perder uma parcela do rendimento. Os docentes serão obrigados a sair destas aldeias e desde a Primeira República que eles se encontravam entre as principais referências cívicas das localidades. O critério nem é económico, porque deslocar alunos e professores é mais caro. Parece que há mesmo a intenção do Estado de acabar com o mundo rural. Aliás, no que diz respeito a estas pequenas comunidades, as únicas coisas construtivas a que este primeiro-ministro está ligado são os mamarrachos que assinou e que estão espalhados pelo concelho da Guarda. Neste 10 de Junho que agora passou convém lembrar que as aldeias de todo o País também são Portugal.

26 de Junho - O Ministro das Finanças garantiu que Portugal engrenou numa "trajetória de forte confiança" que levará o país a ser bem sucedido na "obtenção de um défice não superior a 7,3% do PIB no final de 2010".
Trata-se do mesmo Ministro que, para 2009:
a)previu um défice de de 2,2% e o défice foi de 9,3%
b) previu um aumento do consumo público de 0,2% e o consumo público aumentou 2,6%.
c) previu um acréscimo de investimento de 1,5% e o investimento decresceu -11,8%.
d) previu um acréscimo da procura interna dos 0,9% e e a procura interna diminuiu -2,9%
e) previu um acréscimo das exportações de 1,2% e elas decresceram -12%
f) previu um aumento de emprego de 0,4% e o emprego diminuiu -2,9%
g) previu uma taxa de desemprego de 7,6% e ela foi de 9,5%.
Nestas circunstâncias, é mesmo preciso grande lata para garantir o que quer que seja. Não garantiu ele também já este ano que não havia aumento de impostos? E que haveria cortes drásticos nos grandes investimentos? Que credibilidade, pois, que confiança, tais garantias podem merecer?...

Nova Aliança, 24 / 6 / 2010

O Mundial e os gravadores do deputado socialista

19 de Maio – Os portugueses não descansam. Com o Mundial à porta e a crise praticamente ultrapassada, segundo o primeiro-ministro, o futuro pertence-nos. Carlos Queiroz sugeriu há dias que a selecção nacional "pode funcionar como um estímulo e um capital importante de auto-estima para os portugueses". Se ele não o dissesse, nunca teríamos notado. Prova-se que o desempenho desportivo de uma nação reflecte-se no comportamento dos respectivos cidadãos e, consequentemente, nos indicadores colectivos de progresso. Mesmo que os estudos o não afirmassem, bastaria estarmos atentos à realidade.
O Luxemburgo, por exemplo, é um território deprimido e indigente porque nunca se habituou a celebrar vitórias em competições internacionais. Já os habitantes do Quénia e da Jamaica, estimulados pelos campeões do atletismo, acumularam o capital de auto-estima necessário para transformar esses países nas potências prósperas em que se tornaram.
Portugal é um caso intermédio. De vez em quando, há uma competição internacional, por regra de futebol, que corre razoavelmente. É nesses momentos que o optimismo do povo se alarga e rapidamente julgamos ser os melhores do mundo e, por processos que apenas alguns conhecem, até na economia. Infelizmente, tais momentos não abundam.
É verdade que o recente campeonato do Benfica empolgou sete milhões de portugueses, entretanto estimuladíssimos em benefício da pátria. Mas é preciso ter em conta os três milhões que o mesmo campeonato deprimiu e que, pelo menos durante umas semanas, querem que a pátria se lixe. É por causa disso que as competições internas não ajudam à confiança de que todos os portugueses carecem.
O Mundial da África do Sul, porém, constitui uma extraordinária oportunidade para inverter o desesperado estado das coisas. Cada golo marcado e cada drible de Cristiano Ronaldo terão efeitos imediatos nos números do desemprego. Cada vitória empurrará multidões para as ruas, a transbordar de auto-estima e de cerveja. E a crise ficará mais uma vez esquecida.
20 de Maio - O deputado Ricardo Rodrigues é uma pessoa muito popular. O seu tom de voz também ajuda a percebê-lo. Ora, estava o senhor a ser entrevistado e, alegadamente, não gostou de algumas questões colocadas. Eu entendo, preferia uma daquelas entrevistas à José Alberto Carvalho e Judite de Sousa com perguntas certinhas e respostas preparadas. Vai daí, não quis responder às perguntas dos jornalistas da Sábado e, à socapa, surripiou (nas suas palavras, "tomou posse") ou locupletou-se com os gravadores dos jornalistas, que apresentaram queixa por roubo. O deputado justifica-se com a "violência psicológica insuportável" que teria sido exercida sobre ele. Neste ponto, lembro que foram apenas umas perguntas. Argumento sério. Certamente foi por isso que apareceu a invocá-lo numa conferência, acompanhado de dois dirigentes do partido. Pelo sim, pelo não, desta vez os jornalistas agarraram bem nos gravadores. Pudera.
Há contudo uma certeza: alguém terá uma predilecção por um deputado como este. Também é determinado (veja-se a determinação com que enfia os gravadores no bolso e se pira todo lampeiro). Também procura defender o seu bom-nome (veja-se o pundonor com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Também enfrenta os jornalistas e tal (veja-se a resolução com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Também não tem medo, não hesita e não recua (veja-se a coragem com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Agora não é tempo para mostrar fraqueza e tal (veja-se a valentia com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro).

Nova Aliança, 27 / 5 / 2010

26.5.10

O 'Alzheimer' português e as faltas dos alunos

3 de Maio – Um conjunto de situações fez-me acompanhei em directo a audição de Armando Vara na Comissão de Inquérito da Assembleia da República. Na sua qualidade de administrador de um dos maiores bancos comerciais portugueses, ele tem conversas sem conteúdo, só sabe das coisas pelo que lê nos jornais e, mesmo quando o informam de qualquer coisinha, é "umas horas antes" dessas tais coisinhas serem públicas. Em suma: uma nulidade. Não sabe, não tem presente, não recorda, terá sido mais ou menos, mas não pode garantir...., tudo acompanhado de uma cara de anjo, de um encolher de ombros. Para responsável pelo meu património não o queria, ele só ganha o ordenado que lhe pagam, e ainda por cima para falar com pessoas que andam perdidas em Lisboa, sem saberem onde é a EDP, ou a REN ( recebendo umas caixas de robalos de vez em quando ). Mas acha tudo isso muito normal. Normalíssimo. Ora, isso deixa-me cada vez mais preocupado. Já conheci pessoas com Alzheimer (alguns sintomas: pequenos esquecimentos, perdas de memória), e acreditem que é frustrante e terrível chegar àquela condição.
Na sociedade portuguesa são muitos os novos casos de cidadãos com esta doença.


8 de Maio - Em Março do ano passado, o Ministério da Educação anunciou que, no primeiro período, o número de faltas caíra 22,5 por cento. Um feito que a então ministra Maria de Lurdes Rodrigues atribuiu ao facto de os alunos faltosos terem passado a ser obrigados a realizar provas de recuperação. "Um progresso absolutamente extraordinário", comentou na altura o primeiro-ministro, José Sócrates.
Na altura, quando os professores contrariavam os dados do ministério e afirmavam que as provas de recuperação tinham provocado o aumento de faltas, algumas escolas eram alvo da inspecção.
Agora ‘tudo’ mudou. O Governo do mesmo partido e com o mesmo primeiro-ministro chegou à conclusão, contida na proposta de alteração ao Estatuto do Aluno aprovada, de que as provas de recuperação terão incentivado os alunos a faltar mais e contribuído para maior abandono escolar.

Com as provas acabou o chumbo automático por faltas, mas os alunos que não obtêm aproveitamento nestas podem ficar retidos por decisão do conselho de turma. Esta premissa não consta da proposta aprovada agora pelo Governo, que opta antes pela obrigatoriedade de aplicação de "medidas cautelares", como a realização de trabalhos na escola. No final de Março, a ministra da Educação já tinha anunciado que os alunos só chumbarão se revelarem insuficiências de aprendizagem, uma situação, aliás, recorrente entre os estudantes faltosos. "Sentimos que não devemos associar a ausência da escola à repetência", acrescentou.

Apesar de lhe dar razão quanto aos efeitos das provas de recuperação, a nova proposta do Governo volta a ser criticada. Afinal de contas, continua-se a promover uma cultura de facilitismo com o objectivo de promover o "sucesso" nas estatísticas a qualquer preço.

Não faz sentido substituir as provas de recuperação por medidas de apoio pedagógico diferenciadas que já são aplicadas, nem continuar a proteger os alunos que faltam sistematicamente e de forma injustificada. De que serve suspendê-los se as faltas não contam para nada?

São estes meninos, agora com doze anos, que daqui a dez vão querer entrar no mercado de trabalho. Um mercado onde não haverá PTs, nem RENs, nem GALPs, nem institutos públicos, nem administração pública, nem subsídios de emprego, nem rendimentos mínimos, nem empréstimos ao consumo, que os valha. Um mercado a sério: difícil, competitivo e selectivo. Onde quem está bem preparado talvez consiga arranjar emprego, casa, carro, ir de férias e fazer compras no Pingo Doce, e onde quem não está preparado, está tramado.
Esses meninos estão agora, hoje, numa escola onde não se chumba, não se exige, não premeia e não ensina. As gerações futuras, além de terem de carregar com a dívida nacional dos paizinhos e pagá-la, vão herdar uma educação miserável que os está a preparar para concorrer ao rendimento mínimo e não ao mercado de trabalho.
P.S. 1 Durante o consulado de Milú Rodrigues à frente do Ministério da Educação, a Dra. Isilda Jana foi, em Abrantes, uma das suas defensoras incondicionais: elogiava-se a ‘mudança’, anunciavam-se ‘novos rumos’, exaltava-se a ‘convicção’ da ministra. Quando saiu da Câmara Municipal, os professores abrantinos esperaram da Dra. Isilda Jana uma atitude coerente: voltar à escola, à ‘sua’ escola como ela diz, experimentar a ‘mudança’, tomar contacto com os ‘novos rumos’, tentar encontrar a ‘convicção’. Ora, em vez disso, a Dra. Isilda Jana preferiu continuar na Câmara, desta vez num local cirúrgico. Ficámos por isso esclarecidos. Todos.
P.S. 2 Se a Presidente da Câmara de Abrantes julga que a ligação ao PS é o único factor de nomeação para cargos institucionais, então começa o seu mandato da pior maneira e há um sem-número de actividades que irão deixar de ocorrer na cidade.
P.S. 3 Agradeço à minha leitora Maria Adelina Lizardo a informação rápida que me transmitiu à questão aqui deixada no último número.

Nova Aliança, 13 / Maio / 2010

30.4.10

A tolerância de ponto e a bravura

15 de Abril - Não podíamos passar ao lado disto, a visita do Papa a Portugal deu origem a uma pequena e comovente polémica sobre a tolerância de ponto decretada pelo Governo. Os fanáticos do costume decretaram que pretendiam trabalhar nesses três dias a bem da separação do Estado e da Igreja e – pasme-se – em prol da produtividade nacional que, na sua douta opinião, não pode ser abalada pela visita de um "líder religioso qualquer" que decida deslocar-se ao nosso país. Até a CIP e as centrais sindicais, esses pilares sólidos da nossa economia, se pronunciaram patrioticamente contra a decisão tomada pelo Governo, alertando para a crise em que vivemos e para a necessidade dos funcionários públicos contribuírem, com o seu trabalho, para o aumento da produtividade e para o desenvolvimento da pátria.
É evidente que este reconhecimento súbito do estado em que nos encontramos não deixa de ser salutar, sendo de esperar, nomeadamente por parte de todos os envolvidos, exemplos futuros de responsabilidade e compreensão pela situação em que se encontram as finanças públicas e a economia portuguesa. Ao contrário do que tem sido dito, o que está em causa não é a neutralidade do Estado em relação às diversas religiões, mas a incapacidade de perceber que, num país de tradição católica, o Papa não é um "líder religioso qualquer", como tem sido amplamente referido.
Pretender comparar a visita de Bento XVI à visita de qualquer outro líder religioso (hindu ou muçulmano, como já vi defender) é não compreender a realidade portuguesa e desconhecer totalmente a sua história. Há uma ligação entre o País (e o ocidente, em geral) e a Igreja que um Estado laico deve saber reconhecer. Um Estado laico não é sinónimo de um Estado anti-religioso, incapaz de compreender a dimensão pública da fé. E a crer nalgumas coisas que por aí têm sido escritas, dá ideia de que o Papa, não lhe sendo retirado o direito de viajar pelo mundo, devia ter, pelo menos, a decência de o fazer clandestinamente. De forma a não importunar ninguém. Porque o problema é que este Papa, em particular, importuna.

18 de Abril - Os jornais noticiaram o afogamento de dois rapazinhos numa lagoa artificial nas imediações do Cacém. A informação, focada no apuramento de responsabilidades, dava brevíssima nota do sucedido: de que o primeiro dos rapazinhos caíra à água e de que o segundo, porque o primeiro não sabia nadar, se lançara imediatamente à lagoa, em seu auxílio, enquanto a restante miudagem procurava socorro na vizinhança. Um ‘pequeno’ pormenor. Ele próprio também não sabia nadar. Para além do horror e da tristeza do acontecimento, impressionou-me profundamente a heróica abnegação, ou a extraordinária bondade, ou a coragem desmedida, ou a lição de vida do segundo rapazinho, cujo gesto honra, como poucos, a nossa condição humana. Gostaria de saber o seu nome, para poder escrevê-lo aqui, muitas vezes, todo em maiúsculas, e nunca mais o esquecer. Porque, esse sim, é um nome que merece ser lembrado… Alguém sabe o nome do Rapazinho?

Nova Aliança, 29 de Abril de 2010

Texto de Eduardo Cintra Torres

Com a devida vénia reproduzo um texto de Eduardo Cintra Torres publicado hoje no Público.
«Valença, praça-forte contra o invasor do costume, encheu-se de bandeiras espanholas por causa de atendimentos médicos. Só as consultas da caixa mobilizam a população a ponto de as Urgências serem mais importantes do que a pátria. Como as manifestações e outras acções do repertório dos movimentos sociais não chegaram, foi preciso esta semana recorrer à provocação final, a das bandeiras estrangeiras. A sociedade civil mobiliza-se mais e com mais eficácia contra medidas governamentais quando atraída por formas de acção inovadoras, mediáticas e aparentemente desligadas dos partidos e de como muitos vêem a própria política. E, de facto, vários políticos profissionais ofenderam-se com as bandeiras espanholas agitadas no húmus sagrado da pátria. A provocação simbólica ignorou o cardápio do politicamente correcto. O mesmo maravilhoso povo que há seis anos, a pretexto do futebol, encheu todas as janelas disponíveis com bandeiras verde-rubras, para alegria própria e do poder, fez agora a desfeita ao mesmo poder de desfraldar as amarelo-rubras. Pelas imagens e declarações, percebeu-se que a cena das bandeiras espanholas foi apenas uma provocação, mais para levar os media a explorar o inédito do que por sentimentos antipatrióticos. Os valencianos estão contra o Governo, não contra o seu país. As bandeiras espanholas não escandalizaram porque na fase actual nada escandaliza. Se o primeiro-ministro aparece envolvido em casos atrás de casos, se o Governo faz exactamente o contrário do que prometeu, se a crise se agrava enquanto Sócrates propagandeia diariamente moinhos de vento renovável, porquê escandalizarmo-nos com bandeiras espanholas como repertório de acção de agit-prop popular? O clima político tem-se degradado gradualmente, semana a semana, desde Setembro. Isso nota-se também nos media. Enquanto os noticiários da RTP continuam a missão oficial de gerir os danos que a política governamental causa ao próprio Governo, os noticiários da SIC e da TVI não seguem a mesma reverência perante o querido líder. Nos últimos meses, nas aparições públicas que ainda mantém em agenda, Sócrates aparece como um político acossado. A central de propaganda tentou que as televisões não fizessem perguntas "fora da agenda" ao chefe do Governo. Na altura, a RTP e a SIC aceitaram, mas a TVI noticiou o próprio caso. Agora, que há perguntas inconvenientes, Sócrates não responde. Foge dos jornalistas, foge das perguntas à vista das câmaras e dos espectadores. E, como se viu na TVI, às 13h10 de terça-feira, está rodeado de seguranças que empurram à bruta os repórteres quando estes fazem perguntas que lhe desagradam, incluindo sobre as bandeiras. É a lei do mais forte, comentou o repórter Amílcar Matos em directo. A prazo, veremos se a lei do mais forte é a dos "gorilas" de Sócrates ou a da liberdade de o mostrar em fuga. Protegido pelos empurrões dos guarda-costas, Sócrates em fuga realça o carácter de propaganda das mesmas "TV opportunities" de sempre a que ele ainda vai: fala do palanque, com cenário e discurso preparados, repete no final aos jornalistas o auto-elogio que fizera no palanque (que ou é sobre as energias renováveis ou é sobre as energias renováveis) e foge depois a perguntas sobre a crise, o desemprego, as falências, a dívida externa, a possível recessão, as bandeiras em Valença, os prémios do seu Mexia, os casos incríveis em que esteve ou está pessoalmente metido. Estas marcantes imagens televisivas de uma acção contra o Governo por cidadãos agitando bandeiras estrangeiras e de um primeiro-ministro fugindo da realidade por via de empurrões de guarda-costas retratam a situação do país: um barril de pólvora em cima de um pântano sistémico.»

Nova Aliança, 15 de Abril de 2010

12.4.10

O exemplo que chega da Irlanda e as empresas de avaliação de risco de crédito

A consciência moral de meio mundo despertou para a história de Iris Robinson, a deputada e mulher do primeiro-ministro da Irlanda do Norte que, aos 59 anos, deu umas cambalhotas extraconjugais com um rapaz de 19 e, ao que consta, se serviu da posição (política, nada de segundas intenções) para financiar o bar do amante. A justiça local pegou no lado corrupto da questão. A justiça popular de toda a parte preferiu naturalmente o lado pícaro e, além de elaborar vistosos trocadilhos com a adúltera homónima do filme A Primeira Noite (e a canção de Paul Simon feita para o filme), desatou a condenar a sra. Robinson pela aventura sexual.
A condenação merece um ou dois comentários. Há uma quantidade notável de políticos infiéis que se safaram sem mácula, ainda que as consequências da infidelidade fossem ligeiramente mais graves que a abertura de um bar. Um exemplo moderado é o de Bill Clinton. Um exemplo extremo é o de Edward Kennedy, que, em Julho de 1969, conduziu não demasiado sóbrio o seu carro para o fundo de um lago. No carro seguia, e lá ficou até morrer, uma "amiga" do senador. O senador fugiu. O escândalo não impediu que Kennedy sobrevivesse biológica e politicamente ao acidente e que, 40 anos decorridos, as elegias fúnebres de Agosto passado o pintassem como um santo. Já a carreira da sra. Robinson (e, talvez, a do marido) terminou dias após a divulgação do seu pecado. O que explica a diferença de tratamento?
O problema, se bem percebo, passa pelas convicções, sinceras ou simuladas, da sra. Robinson. Antes do deslize amoroso, ela cometeu o deslize de confessar fé cristã e simpatia pelos "valores familiares". Pior ainda, em 2008 produzira umas afirmações desagradáveis acerca da homossexualidade. Isto, somado ao affaire, chega e sobra para transformar a senhora numa "hipócrita". Na América, embora obviamente não só na América, a detecção da "hipocrisia" em políticos conservadores é um dos desportos preferidos da esquerda, sob o argumento de que a vida privada deve corresponder escrupulosamente aos ideais professados na vida pública. Podia-se inferir daqui que, em nome da coerência, os ideais públicos de Clinton incluíam o abuso de funcionárias e os de "Ted" Kennedy a embriaguez, o homicídio e a fuga. Mas é melhor dar um desconto, e apenas notar que atrás de imensos progressistas se esconde um inquisidor e uma fogueira acesa.
Quarta-feira, 13 de Janeiro
Sem dinheiro não há palhaços?
A Moody's, que é uma das maiores empresas mundiais de avaliação de risco de crédito, é outra entidade a prever a "morte lenta" (sic) da economia portuguesa, caso o défice continue descontrolado. Por sorte, o ministro das Finanças não liga a profetas da desgraça e prefere os números do sempre credível, amigo e optimista Banco de Portugal. Fundamentado em tais números, Teixeira dos Santos chamou os jornalistas e, pela 629.ª vez, anunciou o fim da recessão. É verdade que o dr. Teixeira dos Santos também admite a existência do défice e promete combatê-lo. Como? Através de "estímulos à actividade económica", leia-se investimento público, o que é o mesmo que curar um traumatismo craniano com marteladas na cabeça.
Reduzir a dívida mediante o aumento da dívida é um método peculiar, cujos resultados, de resto, são evidentes na actual situação do País. Em larga medida, o País atingiu os fundilhos actuais porque o Estado gasta acima, muito acima, do que tem e pode. O dr. Teixeira dos Santos quer que o Estado gaste ainda mais, coisa que suscita menos dúvidas sobre o nosso futuro do que sobre o presente do dr. Teixeira dos Santos e do Governo a que pertence.
Pelo renovado ânimo com que reage a cada confirmação do seu fracasso, já se percebeu que o Governo frequenta uma realidade própria e não partilhável. Falta perceber se o alheamento é deliberado ou natural. Dito de maneira diferente, convinha apurar se o Governo deseja conscientemente espatifar o que resta disto ou está de facto convencido da bondade das medidas que regularmente toma. A primeira hipótese revela uma crueldade peculiar; a segunda, uma inépcia sem grandes precedentes. Claro que as consequências de ambas são idênticas, mas seria útil entender se estamos nas mãos de sádicos ou de incompetentes, nem que fosse para escolhermos entre o papel de masoquistas e o de palhaços - pobres, escusado dizer.

Nova Aliança, 1 de Abril de 2010

A culpa dos feriados, a bandeira de Paredes e a força do 'povo'

18 de Fevereiro – A Associação Empresarial de Portugal (AEP) descobriu a causa do subdesenvolvimento português: os feriados. A melhor forma de reagir ao “período excepcionalmente difícil” que o país atravessa, segundo o vice-presidente da AEP, é cortando nos maléficos feriados. Nem é preciso grande esforço, de resto. Os empresários já fizeram as contas: depois do recurso à máquina de calcular, concluiram que Portugal tem mais dois feriados do que a média da União Europeia. Dois! Dois dias inteirinhos de trabalho que são desperdiçados com cnsequências catastróficas para o país – é essa a singela diferença que nos separa da riqueza da Alemanha. Com mais de 16 horas de trabalho por ano, acabaria o défice, o desemprego e o sobreendividamento. Só há um pequeno detalhe que estraga este raciocínio. É que a experiência das paragens para um cafezinho e das mensagens no Facebook indicam que o problema não é que os portugueses fazem quando não estão a trabalhar – é o que eles não fazem quando estão.

22 de Fevereiro - Está a causar certa polémica a decisão da Câmara de Paredes em erguer um mastro com cem metros de altura e uma bandeira nacional na ponta. Não percebo a razão. O edil lá do sítio, eleito nas listas do PSD, explica, e muito bem, que a bandeira visa comemorar o centenário da república e que o mastro visa "georreferenciar" (sic) o concelho. Ao contrário dos adversários do projecto, defendo que a república deve ser comemorada e sobretudo que Paredes deve ser "georreferenciada", até porque, a olho nu, não conseguiria encontrar semelhante lugar mesmo que quisesse.
Sem surpresa, o problema das más-línguas prende-se com o custo da obra: um milhão de euros. Com surpresa, as maiores más-línguas pertencem à oposição autárquica e invocam a ofensa aos contribuintes, de cujo bolso o mastro fatalmente sairá. Se não me engano, é a primeira vez que vejo socialistas preocupados com o destino do dinheiro alheio. O espanto aumenta quando um dos socialistas em questão se chama Artur Penedos (um nome familiar, nos dois sentidos) e é, além de vereador em Paredes, assessor do primeiro-ministro.
Aparentemente, o convívio com o eng. Sócrates não atirou o sr. Penedos para as leituras de Keynes e não lhe ensinou uma verdade irrefutável: o investimento público é essencial ao desenvolvimento do país, logo, por maioria de razão, ao desenvolvimento de Paredes. Como inúmeras das maravilhas que o eng. Sócrates diariamente publicita, o mastro com bandeira colocará Portugal na vanguarda da Europa em matéria de mastros e bandeiras, dinamizará a economia local através do turismo, estimulará a auto-estima dos autóctones mediante a elevação quase celestial da esfera armilar e, não satisfeito, criará empregos, no mínimo dois: um para subir e descer o pavilhão, outro para afugentar os cães que pretendam urinar na base da estrutura. Se o mastro é menos veloz que o comboio de alta velocidade, será inequivocamente mais alto, e 15 mil vezes mais barato.
19 de Março - Pouco depois da agressão a Berlusconi, um blogue português explicava o sucedido: "O que a democracia não resolve, resolve o povo!" A distinção é velha, e sempre engraçada. Uma coisa é o processo democrático, legitimado por massas alienadas que tendem a resignar-se à "normalidade" liberal. Outra coisa, muito mais bonita, é o "povo" enquanto entidade mítica. Não importa se o "povo" é formado por milhões, milhares ou centenas de pessoas. Aliás, não importa se o "povo" consiste apenas numa única criatura. Importa é que realize os nossos sonhos, incluindo o de espatifar o rosto de um velho ou, de modo genérico, o de arrasar os símbolos da "opressão" que estiverem a jeito.
É evidente que o "povo" com dinheiro e tempo disponíveis esteve em acção nas ruas de Copenhaga, vagamente a pretexto da recente Cimeira do clima. Aí, na falta de um estadista desprotegido, a fúria libertadora aliviou-se, sob a forma de pedregulhos, na polícia e em edifícios públicos. Parece que a palavra de ordem era "Queremos justiça climática!", embora o conceito, de tão absurdo, pudesse ter sido substituído sem prejuízo por qualquer frase, incluindo "Não gostamos de goiabada!" ou "Viva o chapéu de aba larga!". Durante a destruição, uma "activista" feliz berrava com maior precisão: "Isto é o que uma democracia deve ser!", por oposição, deduz-se, ao aborrecimento de colocar o voto na urna e acatar a vontade da maioria.

Nova Aliança, 18 de Março de 2010

O novo Sherlock Holmes e a conta do recém-nascido

16 de janeiro - Assisto a "Sherlock Holmes", o último filme de Guy Ritchie. Gostyo pouco de caricaturas e prefiro sempre os originais. Falo de Tarantino e, já agora, falo do Sherlock Holmes lendário, criado por Arthur Conan Doyle há mais de cem anos. Li as histórias na idade certa; e, depois, com uma gratidão infinita, vi a materialização do herói na composição magistral de Jeremy Brett, que legou o Sherlock Holmes definitivo (e inultrapassável!!) em dezenas de episódios filmados pela televisão britânica nas décadas de 80 e 90. Quem viu, não esquece: Brett não representa Sherlock Holmes; Brett é Sherlock Holmes. De tal forma que, dizem as más línguas, enlouqueceu com o papel. Acontece aos melhores.
O "Sherlock Holmes" de Ritchie diverte e Robert Downey Jr. é estimável como ator. Mas o seu Sherlock, de autêntico, só conserva o nome, embora fosse mais apropriado chamar-lhe "Indiana Holmes": ele corre, ele salta, ele luta. Não tem chicote, mas quase. No meio do frenesim, perdeu-se o essencial: um detective que era puro intelecto, um mestre da dedução lógica que desvendava crimes com a mesma elegância imóvel com que fumava o seu cachimbo.
Sem falar de um pormenor que escapa a Ritchie: o Sherlock de Conan Doyle é, no sentido preciso do termo, o primeiro existencialista moderno, consumido pela angústia do "spleen" urbano: uma angústia que ele tenta aliviar com as substâncias possíveis e a resolução de casos impossíveis. No fundo, duas formas de vício que cumprem o mesmo propósito: impedir que uma mente monstruosamente brilhante se devore a si própria. Conheço casos.
18 de janeiro – Raciocinemos um pouco: o que falta para inverter a baixíssima taxa de natalidade em Portugal? Vontade? Fertilidade? Emprego? Nada disso: faltam exactamente 200 euros, o montante que o Governo vai depositar na conta de cada recém-nascido e que este poderá levantar aos 18 anos - se, ao que percebi, entretanto completar a escolaridade obrigatória.
Bastaria isto para sairmos à rua numa manifestação de apoio. Quantas crianças trocaram precocemente a escola por uma vida de errância graças à inexistência de estímulo material? Ao contrário do que habitual e apressadamente se afirma, os trágicos resultados nacionais a Matemática, Português e etc. não se devem ao facto de os meninos e as meninas não saberem nada de coisa nenhuma, mas ao desânimo de quem sabe não ter 40 contos dos antigos à espera no fim do liceu.
Daqui em diante, o abandono escolar será uma memória difusa. Valerá a pena aguardar 18 anos para ver milhares de jovens iniciarem carreiras repletas de "empreendedorismo" e risco, munidos com o portentoso trunfo profissional que é o diploma do 12.º e os 200 euros (fora juros) que o Estado lhes deu. O que aconteceria se o Governo ousasse estipular donativos graduais para as crianças que adquirissem uma licenciatura (230 euros, por exemplo), um mestrado (245) ou um doutoramento (252)?
Contudo, tal como está, a medida ‘já’ é excelente. E possui a vantagem adicional de servir, nas palavras oficiais, de "incentivo à poupança". Pelos vistos, o Governo dispõe de indícios de que os progenitores nacionais médios são demasiado apalermados para se lembrarem sozinhos de abrir uma conta em prol da descendência. Ou seja, as famílias não poupavam porque não lhes ocorria.
Agora, por obra da generosidade governamental, não há esquecimento possível: os pais poderão poupar, poupar imenso, poupar tanto que os 200 euros virtuais que a criança recebe à nascença talvez alcancem os reais milhares que a criança nasce já a dever, por conta de um défice que medidas assim maravilhosas multiplicam e justificam em pleno.

Nova Aliança, 4 de Março

24.2.10

Outras gentes, outros hábitos...

7 de Fevereiro – ( Adaptado do Público de hoje ) Nove meses depois de o escândalo rebentar e a pouco mais de três meses da data prevista para as legislativas, a reputação do Parlamento a) sofreu ontem novo revés. O relatório às despesas dos deputados concluiu que o sistema de reembolsos é "profundamente defeituoso" e que a "cultura de deferência" que subsiste em b) favorece os abusos. Concluídas as investigações, mais de 300 actuais e antigos deputados terão de devolver ( sensivelmente ) 1,12 milhões de euros recebidos indevidamente desde 2004 - um pouco menos do que o custo final do inquérito.
"Documento da vergonha." Foi assim que o jornal c) chamou ao relatório de 241 páginas preparado por d), o antigo dirigente da administração pública que e) chamou para aplacar a polémica criada em Maio, quando o jornal f) publicou detalhes dos gastos (em alguns casos apenas excêntricos noutros totalmente irregulares) dos deputados com a segunda residência, aquela a que têm direito os eleitos por círculos fora de g).
E o veredicto ontem tornado público não podia ser mais devastador: o sistema é "profundamente defeituoso", as regras são "vagas" e em muito casos não existem documentos que justifiquem as despesas. "Tendo em conta a falta de transparência e a cultura de deferência, isto significa que falta legitimidade às decisões tomadas [pelos funcionários] do gabinete de despesas e muitas delas estavam de facto erradas", conclui d).
Ao todo, 364 deputados - mais de metade dos investigados - terão de devolver dinheiro recebido entre 2004 e 2009, em valores que variam entre os ( sensivelmente ) 42 mil libras exigidas à secretária de Estado da Administração local, h), e os ( sensivelmente ) 40 cêntimos pedidos ao deputado trabalhista i).
A maioria terá de devolver entre mil a cinco mil libras, uma conta muito inferior à apresentada ao casal j) . Durante anos, um deles recebeu ajuda do Parlamento para pagar um apartamento em k), enquanto ao outro eram pagas as prestações da residência familiar.
Seguindo as instruções dos líderes, a maioria dos visados devolveu o dinheiro antes de concluídas as investigações e, em vários casos, até pagaram somas superiores às que agora lhes são exigidas. Ao todo, regressaram ao Parlamento ( sensivelmente ) 800 mil libras.
Mas 75 deles optaram por recorrer, acusando d) de aplicar regras que então não existiam. E o juiz l), nomeado para decidir os recursos, concluiu que algumas das decisões foram "lesivas e injustas". Lembrou, por exemplo, que nada impedia um deputado de celebrar um contrato de arrendamento com um familiar. Por causa disso, 44 recursos foram aceites e 26 deputados viram mesmo as suas dívidas anuladas.
Na esperança de encerrar este episódio antes das legislativas, os líderes partidários apoiaram as conclusões. "Esta é uma etapa essencial para restaurar a confiança nas nossas instituições", disse um porta-voz do primeiro-ministro, enquanto m), líder dos conservadores, acredita que a reparação dos erros "permitirá criar um Parlamento em que o povo confie". "Espero que seja o episódio final deste Parlamento apodrecido", acrescentou o liberal-democrata n).
Expectativas que parecem irrealistas face à sugestão de que alguns deputados se preparam para recorrer aos tribunais, ainda que o Parlamento prometa cortar os salários dos que não tenham reparado a dívida até ao dia 22. E hoje o Ministério Público decide se acusa seis deputados suspeitos de ilícitos criminais e que não foram abrangidos pelo inquérito.
Parece, por isso, previsível que só as eleições permitam enterrar o caso: os deputados com a reputação abalada dificilmente serão reeleitos (muitos decidiram já não se recandidatar) e as novas regras para os gastos entrarão em vigor na próxima legislatura.
Nota: Como certamente o leitor reparou, este texto não se refere ao parlamento português, mas sim ao parlamento de um país onde ninguém está acima da lei e onde as investigações vão atá ao fim, aconteça o que acontecer. Um país onde as “calhandrices” do senhor Lacão não teriam lugar. Eis as legendas em falta: a)Britânico; b) Westminster; c) Times; d) Thomas Legg; e) Gordon Brown; f) Daily Telegraph; g) Londres; h) Barbara Follet; i)Mike Gapes; j) Andrew Mackay e Julie Kirkbride; k) Londres; l) Paul Kennedy; m) David Cameron; n) Nick Clegg.

Nova Aliança, 17 de Fevereiro de 2010

10.2.10

A lei da violência conjugal e ainda os exames a estrangeiros

6 de Janeiro - Em Espanha, um juiz denunciou o sentido único da Lei da Violência de Género, aprovada em 2004 e dedicada a punir em exclusivo os maus tratos dos homens sobre as mulheres. Em Portugal, há uns tempos atrás, o provedor dos leitores do Público lamentou a diferença na cobertura do diário a um homicídio da esposa pelo marido (chamada de primeira página) e a um homicídio do marido pela esposa (quatro linhas interiores).
É notável que, no Ocidente do século XXI, a emancipação feminina tenha de voltar a ser defendida e, ainda por cima, o seja por uns poucos excêntricos, sozinhos contra a nova misoginia emergente. Os exemplos citados mostram o modo como, décadas após a igualdade que tanto lhe custou alcançar, a fêmea da espécie se vê devolvida ao estatuto de penduricalho decorativo. Na justiça e na imprensa, a corrente histeria em volta da violência doméstica toma por adquirida a culpa do homem, sem dúvida na presunção de que o "sexo frágil" nunca reage a um conflito conjugal mediante tiros de caçadeira ou qualquer outro método desagradável. Provavelmente, acha-se que uma senhora é demasiado tontinha para carregar uma arma e demasiado inofensiva para premir o gatilho. Mesmo nos casos em que o marido é encontrado na cama com seis balas nas costas, a moralidade dominante inclina-se para o suicídio ou morte "natural" ("Ele devia estar a pedi-las"): o único papel disponível à mulher é o de vítima, estatuto que confere vantagens em divórcios litigiosos e não confere mais nada, incluindo humanidade.
A velha escola da discriminação desumanizava as "minorias" para as oprimir às claras. Nos subtis dias que correm, face às mulheres e ao resto, a desumanização das "minorias" é uma tendência comum aos que berram em seu alegado favor. Entre o berreiro, só os "inimigos", leia-se os indivíduos do sexo masculino, heterossexuais, caucasianos, etc., emergem como pessoas inteiras, capazes dos actos medonhos que também definem a espécie. Pela minha parte, obrigadinho, mas não alinho na sugestão de que o exercício de atrocidades está vedado a mulheres, homossexuais, pretos e similares grupos do catálogo em que o politicamente correcto armazena pessoas maiores e talvez vacinadas.
Além de mentiroso, o pressuposto é vexatório, na medida em que reduz as "minorias" ao tipo de clichés que afirma combater. As mulheres são passivos sacos de pancada. Os gays são criaturinhas festivas e frágeis, carentes de um aval do Estado para consumar uma atracção. E os pretos são condenados ao gueto da pequena delinquência "romântica" e a expressões de subjugação social, género capoeira ou hip-hop, para consumo, e consolo, do senhor branco.
Tudo isto, afinal, se inscreve na Síndroma Lorosae. Quando a independência de Timor era por cá "causa" obrigatória, era igualmente obrigatório tratar os timorenses de "dóceis" e "meigos" para baixo, adjectivos normalmente reservados a cachorrinhos e destinados a suscitar pena universal. Mal se percebeu que os timorenses eram gente e que a sua "docilidade" não os impedia de se chacinarem mutuamente, a "terra do Sol Nascente" saiu das notícias, nas quais, para evitar choques de realidade, as mulheres homicidas e o bom senso nem chegam a entrar.
13 de Janeiro – Regra geral, a cantiga de que os portugueses não valorizam o que têm de bom é uma desculpa para não se criticar o que temos de péssimo. Às vezes, curiosamente, a cantiga é verdadeira.
Veja-se o sucedido com os exames de português para imigrantes, de que, afinal, uma considerável parte não era realizada pelos candidatos à aquisição de nacionalidade, mas por familiares, amigos ou prestadores de serviços contratados. O SEF reparou na fraude e deteve noventa e tal sujeitos. Incompreensivelmente, não houve autoridade que reparasse no que de facto interessa: o pormenor de que existe por aí gente com um domínio mínimo da nossa língua, raridade que, ao invés de cadeia, devia dar direito a cargos de responsabilidade nos sectores privado e público, incluindo, a julgar pelas limitações verbais de um antigo secretário de Estado da Educação, no próprio Governo. Prender esses indivíduos é desperdiçar recursos de que o País carece e que, dada a exigência nula dos respectivos testes, os meninos e meninas do ensino secundário não prometem preencher.
É possível, admito, que a aparente taxa de sucesso nos exames para estrangeiros se justifique pela sua facilidade. Ainda assim, não podem ser tão fáceis quanto os do "secundário", ou então qualquer cidadão do Burkina Faso chegado anteontem à Portela os teria feito. E, como a bem intencionada porém cega acção do SEF revelou, não os fez.

Nova Aliança, 4 / Fevereiro / 2010

O exame para estrangeiros, o mastro de Paredes e a praia de Madrid

3 de Janeiro – De um modo geral, a cantiga de que os portugueses não valorizam o que têm de bom é uma desculpa para não se criticar o que temos de péssimo. Veja-se o sucedido com os exames de português para imigrantes em que, afinal, uma considerável parte não era realizada pelos candidatos à aquisição de nacionalidade, mas por familiares, amigos ou prestadores de serviços contratados. O SEF reparou na fraude e deteve noventa e tal sujeitos. Incompreensivelmente, não houve autoridade que reparasse no que de facto interessa: o pormenor de que existe por aí gente com um domínio mínimo da nossa língua. Prender esses indivíduos é desperdiçar recursos de que o País carece e que, dada a exigência nula dos respectivos testes, os meninos e meninas do ensino secundário não prometem preencher.
É possível, admito, que a aparente taxa de sucesso nos exames para estrangeiros se justifique pela sua facilidade. Ainda assim, não podem ser tão fáceis quanto os do "secundário", ou então qualquer cidadão do Burkina Faso chegado anteontem à Portela os teria feito. E, como a bem intencionada porém cega acção do SEF revelou, não os fez.
7 de Janeiro - Está a causar certa polémica a decisão da Câmara de Paredes em erguer um mastro com cem metros de altura e uma bandeira nacional na ponta. Não percebo a razão. O autarca em causa explica, e muito bem, que a bandeira visa comemorar o centenário da república e que o mastro visa "georreferenciar" (sic) o concelho. Ao contrário dos adversários do projecto, defendo que a república deve ser comemorada e sobretudo que Paredes deve ser "georreferenciada", até porque, a olho nu, não conseguiria encontrar semelhante lugar mesmo que quisesse (não quero).
Sem surpresa, o problema das más-línguas prende-se com o custo da obra: um milhão de euros. Com surpresa, as maiores más-línguas pertencem à oposição autárquica e invocam a ofensa aos contribuintes, de cujo bolso o mastro fatalmente sairá. O espanto aumenta quando uma das vozes em questão se chama Artur Penedos e é, além de vereador em Paredes, assessor do primeiro-ministro.
Aparentemente, o convívio com o eng. Sócrates não atirou o sr. Penedos para as leituras de Keynes e não lhe ensinou uma verdade irrefutável: o investimento público é essencial ao desenvolvimento do país, logo, por maioria de razão, ao desenvolvimento de Paredes. Como inúmeras das maravilhas que o eng. Sócrates diariamente publicita, o mastro com bandeira colocará Portugal na vanguarda da Europa em matéria de mastros e bandeiras, dinamizará a economia local através do turismo, estimulará a auto-estima dos autóctones mediante a elevação quase celestial da esfera armilar e, não satisfeito, criará empregos, no mínimo dois: um para subir e descer o pavilhão, outro para afugentar os cães que pretendam urinar na base da estrutura. Se o mastro é menos veloz que o comboio de alta velocidade, será inequivocamente mais alto, e 15 mil vezes mais barato.
9 de Janeiro – Via TSF - Na apresentação de mais um estudo sobre o impacto do projecto de alta velocidade no sector do turismo, o ministro das Obras Públicas reiterou que Portugal pode vir a beneficiar «bastante» com o TGV, sublinhando que Lisboa pode mesmo «transformar-se na praia de Madrid».
Foi apresentado, esta quinta-feira, mais um estudo sobre o impacto do projecto de alta velocidade no sector do turismo que aponta para uma subida do número de turistas espanhóis.
O ministro das Obras Públicas, António Mendonça, aproveitou esta oportunidade para reiterar que Portugal pode vir a beneficiar bastante com o TGV.
«Lisboa pode-se transformar por exemplo na praia de Madrid, em termos de condições turísticas, as condições que nós [Portugal] temos para desportos novos como o surf. Há um conjunto de ideias e de oportunidades que importa explorar para aproveitarmos o que esta ligação pode trazer», afirmou António Mendonça.
Este estudo indica que se apenas dois por cento do actuais turistas espanhóis visitarem Portugal em 2015, dois anos depois do TGV, serão 12 milhões e meio, e em 2030, devem ultrapassar largamente os 13 milhões.
É por causa destes estudos que o ministro António Mendonça desafiou os empresários a agarrar a oportunidade do TGV, recusando ter uma visão conservadora.
«Quando o comboio foi introduzido no século XIX, as carroças a cavalos caíram e se calhar na altura os agentes económicos que estavam ligados à exploração de carroças ficaram extremamente tristes, bem como todas as indústrias associadas a esta actividade», exemplificou o ministro.
Os autores deste estudo, a Deloite e a Confederação do Turismo, prevêem ainda que o número de empregos, ligados ao turismo, também dispare. Em 15 anos, serão mais de 35 mil os novos empregados no sector.


Nova Aliança, 21 / Janeiro / 2010

A escolha para a Cinemateca e a propaganda

27 de Dezembro - Sobretudo na respeitável área da "cultura", qualquer recém-nomeado para um cargo público lança os jornalistas na busca de opiniões de "personalidades" acerca do feliz contemplado. Por regra, não há surpresas: as opiniões são na maioria positivas, embora irrompam ocasionais manifestações de antipatia. Independentemente da sua orientação, porém, o teor "intimista" dos testemunhos revela o tamanho do meio, tão pequeno que não se encontra quem não tenha já roçado, metafórica ou literalmente, a criatura em questão.
Se a constatação da nossa dimensão paroquial deprime, pelo menos os argumentos das "personalidades" divertem. Recentemente, as reacções à designação de Maria João Seixas para directora da Cinemateca Nacional divertiram-me. Noto que, excepto por umas variedades televisivas, não conheço a senhora de lado nenhum, logo naturalmente não compreendo as razões da nomeação. O engraçado é que os que a conhecem também não parecem compreender, mas em nome da amizade elaboram imaginativas explicações.
O realizador João Botelho acha a dra. Maria João "culta, simpática e fora dos lóbis", duas razões etéreas e uma discutível. A realizadora Margarida Gil vê nela "uma pessoa do cinema", presumivelmente por ter sido casada com Fernando Lopes e recebido subsídios para publicitar fitas nacionais no estrangeiro. O produtor Paulo Branco elogia- -lhe, sem especificar, o "trabalho" e o "trajecto". E Medeiros Ferreira ganha de longe o prémio da justificação mais original: o antigo ministro e deputado louva a escolha porque num seu aniversário a dra. Maria João, cito, "convidou o plenário dos seus amigos para uma celebração natalícia na Cinemateca". Volto a citar o dr. Medeiros Ferreira: "Está tudo dito sobre o seu amor ao cinema."
Estará? Eu julgo que ainda falta aplaudir a devoção às aves de todos quantos festejam os anos em churrasqueiras. Falta esclarecer em que circunstâncias uma instituição pública se reserva para pândegas particulares. E falta certamente destacar a opinião de Nuno Artur Silva, dono das Produções Fictícias e o único a apresentar uma razão credível para a nomeação da dra. Maria João: o "traquejo político". Traduzido, isso significa que a novel directora foi assessora de António Guterres e mandatária em candidaturas de Jorge Sampaio, Mário Soares e Manuel Maria Carrilho. Agora sim, está tudo dito sobre o seu amor ao cinema.
2 de Janeiro - Aconteceu em Cacia. Durante o anúncio da construção de uma fábrica de baterias, o senhor José Sócrates Pinto de Sousa ergueu a mãozinha e juntou o polegar ao indicador para decretar: "Eu sou dos que acham que quando as cidades tiverem uma percentagem suficiente de carros eléctricos, sem emissões e sem barulho, já não vão querer andar para trás." Em seguida, explicou que Portugal será o primeiro país do mundo com uma rede nacional de abastecimento dos carros em questão. Por fim, conduziu, risonho, um exemplar dos ditos, com tamanho comparável a uma lata de atum e desempenho idem. Terminada a sessão, ficaram no ar clichés dispersos: "aposta", "investimento", "inovação", "ambição", "linha da frente", etc. Contas feitas, tratou-se de um espectáculo notável, mas quem não viu sabe exactamente o que perdeu.
Em quase cinco anos no poder, é impossível registar o número de ocasiões aproveitadas por Sócrates para nos informar de que o Governo, o dele, colocou Portugal na vanguarda internacional de uma maravilha qualquer. Agora é o carro eléctrico. Das outras vezes foram chips de computadores, caixas de computadores, "aerogeradores", placas solares e por aí fora. Invariavelmente, cada maravilha suscita três ou quatro cerimónias de propaganda até se dissolver em falências, fracassos, trapalhadas judiciais ou nas meras intenções. E até perder a atenção de Sócrates, capaz de abraçar a próxima maravilha com a candura de quem nunca se comprometeu com as anteriores.
Havia a anedota do sujeito que vendia bóias na praia enquanto o tsunami se aproximava: Sócrates continua a vendê-las após a devastação e, sobretudo, como se a devastação não tivesse ocorrido. Juro: não quero saber quanto do meu dinheiro reverte para essas duvidosas causas. Nem perguntar se não haverá um bom motivo para que nações de facto prósperas permitam a Portugal ser pioneiro no que quer que seja. Nem mesmo verificar a marca do computador que o primeiro-ministro usa, a origem da energia que consome ou o veículo em que, desde Cacia, se desloca.
O único ponto de interesse consiste em apurar se, depois de habituados às emissões e ao barulho que o PS produz, os portugueses algum dia vão querer seguir em frente. E, já agora, também conviria saber se em frente ainda haverá alguma coisa além do abismo.


Nova Aliança, 7 / Janeiro / 2010

O poder muda e o casamento entre católicos e não católicos

13 de Dezembro – O poder muda realmente as pessoas! É impressionante ver a transformação de algumas de condição modesta quando atingem posições importantes em termos de fama, de riqueza e de poder. Ainda hoje recordo um funcionário que todos os dias vinha ter comigo a lamentar-se da pouca saúde, dos problemas da mulher e dos filhos. Quando passou a chefe de outros funcionários, deixou de vir ter comigo e começou logo a atormentar os que dependiam dele.

Tenho visto muitos casos semelhantes entre operários e empregados. Já para não falar do que se passa na política. Antes das eleições, alguns políticos cumprimentam-nos calorosamente e pouco falta para nos abraçarem. Depois, assim que conseguem um cargo, tornam-se inacessíveis. Em alguns casos, é impossível contactá-los por telefone e não respondem a cartas. Com o tempo, acabei por perceber que agem assim por estarem convencidos de que o poder tem por base o medo. No início da carreira, invejam os superiores. Como os temem, para lhes caírem nas boas graças, comportam-se de forma reverencial, servil e até, como acontecia com o meu queixoso funcionário, tentam obter a piedade deles. Contudo, se os observarmos bem, percebemos que, no fundo, são pretensiosos e ávidos.

Não confiam nos colegas, não os respeitam, vêem-nos como adversários. Para alguns, os subordinados não passam de indivíduos invejosos e hostis que se comportam com deferência apenas por medo. É por isso que, após uma promoção, se tornam autoritários e déspotas: apenas se sentem seguros quando os subalternos obedecem a tremer. Quando conquistam cargos ainda mais importantes, todos os outros se tornam rivais. É por essa razão que apenas escolhem colaboradores medíocres que concordam com tudo. Felizmente, também há indivíduos que se comportam de forma oposta e que vêem o poder como uma liderança assente na criatividade, no mérito e na capacidade de obter resultados. E alguns, ao contrário dos primeiros, não sentem receio no início da carreira, porque confiam em si próprios e nas suas capacidades e apenas desejam poder exprimir--se e mostrar aquilo de que são capazes. Quando chegam ao poder, não vêem os seres talentosos como potenciais adversários; pelo contrário, procuram colaboradores com valor e rodeiam-se de especialistas, de homens de cultura e de artistas, a quem pedem opiniões e conselhos. No caso dos primeiros, o principal objectivo é aumentar o poder; os verdadeiros líderes têm ideais, sonhos e rodeiam-se de todos aqueles que desejam partilhá-los, para uma realização conjunta.
15 de Dezembro - O i-online dá notícia da proibição, pelo Papa Bento XVI, do casamento entre católicos e não católicos. O pretexto da notícia é uma tradução, parcial e não oficial, em espanhol de uma tradução em italiano do texto original em Latim.
Na parte respeitante ao casamento, a notícia é falsa. O Papa não proibiu coisa nenhuma (nem proibiu nada que não fosse já proibido). O Código de Direito Canónico (CIC) previa o casamento entre católicos e o casamento entre um católico e um não católico (casamento misto), sujeitando-os, porém, a ritos e requisitos algo diversos. E continua a prever depois da decisão papal que fundamenta a notícia. A alteração do texto de várias normas, como se explica no texto papal (que, nesta parte, não aparece na tradução espanhola usada pelo i), visou apenas clarificar o regime aplicável aos casamentos em que intervenha alguém baptizado, mas que se tenha afastado da Igreja (relativamente aos quais havia dúvidas sobre se deveria, ser tratados como católicos ou como não católicos, para efeitos da determinação do rito e requisitos aplicáveis).
Os jornalistas não têm de saber latim, mas não custava muito, por exemplo, consultar o texto anterior das normas do CIC, para perceber o disparate do título.

Nova Aliança,24 / Dezembro / 2009