12.12.09

As redes sociais e os minaretes suiços

1 de Dezembro - O mundo pula e avança. Eu fico. Há alguns anos, estavam os blogs na moda, resolvi fundar um. Eu não sabia exatamente o que era um blog. Quero dizer, conhecia-os mal mas apreciava a capacidade do ‘bicho’ para publicar em cima do acontecimento.
Em Portugal, os blogs eram poucos mas iniciava-se já a ‘febre’. O tempo livre era passado com actualizações dos ‘templates’. A ‘coisa’ queria-se de referência.
A certa altura o entusiasmo passou. É verdade que nunca vivi intensamente o fenômeno. Uma brincadeira é uma brincadeira e precisava do tempo aí dispendido para ler. Regressei aos livros e, claro, à imprensa. A internet é, de certa forma, um parque infantil. Quem deseja viver eternamente num parque infantil?
A resposta correta é: toda a gente. Dez anos depois, olho em volta e estou mais só do que nunca. Percebi isso numa reunião onde todos falavam de mundos que eu ainda não visitei. Facebook. Twitter. Esses são apenas os tradicionais. Depois existem os outros, com nomes impronunciáveis e virtualidades idem.
Parece que toda a gente ‘está’ no Facebook e ‘está’ no Twitter. Atenção ao verbo ‘estar’: fisicamente, os novos internautas podem estar sentados a uma mesa de jantar. E sorriem. E conversam. E parecem gente. Mas, na verdade, eles não ‘estão’ onde nós estamos. Onde eu estou. Eles habitam o espaço virtual, onde desenvolvem amizades virtuais, inimizades virtuais. Sem falar de amores ou traições rigorosamente virtuais. Não sei se existem casamentos, divórcios ou funerais virtuais. É provável.
Mas o pior de tudo é ser questionado. E eu? ‘Estou’ no Facebook? ‘Estou’ no Twitter? Respondo que não ‘estou’em nenhum. Alarme. Alguém comunica aos restantes que está um ser humano sentado à mesa. Olhares de estupefação e náusea. A minha vontade era responder: mas ‘estou’ aqui, em carne e osso. Podem tocar.
Erro meu. Se não ‘estou’ na internet, eu não ‘estou’ em lado algum. Eu simplesmente não existo. Ou existo, sim - mas numa cidade deserta, como o último sobrevivente de uma catástrofe nuclear.
Regresso a casa. Derrotado. Ao computador chegam periodicamente convites de ‘amizade’. Resisto. Não quero ‘amigar’ para depois ‘desamigar’.
Saio para a rua. O bulício das compras de Natal aí está. Sigo os meus autores. Talvez alguém me siga a mim. Nos sonhos, nunca devemos olhar para trás. Eu olho. E vejo. ‘Estou’ ?
4 de Dezembro – De forma irónica diz-se que a Suíça deu duas coisas ao mundo: relógios e Rousseau. Agora deve acrescentar-se à lista a grande surpresa da semana: contra todas as previsões, os suíços resolveram proibir a construção de minaretes islâmicos no seu espaço nacional. Convém lembrar que os minaretes são estruturas arquitectónicas, em forma de torre, que permitem chamar os fiéis para a oração.
Nada mais do que isso. O Partido do Povo da Suíça, a maior organização partidária do país, resolveu convocar um referendo. E o povo rejeitou a "islamização" do seu espaço público. Em certos cantões, e sobretudo com o apoio feminino, a rejeição foi esmagadora.
A atitude dos suíços horrorizou a Europa e alguns acusam-nos os de intolerância extrema. Os suíços têm ódio e medo perante o estrangeiro, dizem, e assim se explica o repúdio da religião islâmica e da sua expressão arquitectónica, uma atitude incompreensível e até irracional quando sabemos que os muçulmanos representam 5% da população suíça e são, na sua maioria, procedentes dos balcãs e da Turquia, e não necessariamente de países árabes extremistas.
Curiosamente, os suíços organizaram-se para impedir a construção de minaretes mas não, por exemplo, a construção de mais igrejas ou sinagogas. Mas existe um segundo pormenor que importa relembrar. Disse no início que a Suíça legou ao mundo relógios e Rousseau. Deixando de parte os relógios, fiquemos com Rousseau. Sobretudo com a sua particular concepção de "democracia direta", tão do agrado da chamada esquerda clássica. Se os estados justos são aqueles onde prevalece a "vontade geral", não se percebe por que motivo a "vontade geral" dos suíços horroriza assim tanto os seus herdeiros.

Nova Aliança, 10 / Dezembro / 2009

Maité Proença, ainda os animais e a actualidade de Eça

Quarta-feira, 4 de Novembro - Há dois anos, Maitê Proença, actriz de telenovelas, gravou um pequeno vídeo sobre Portugal, à época transmitido num programa da TV Globo. No vídeo, que se pretendia jocoso, a senhora imita o sotaque daqui, mostra uma casa em Sintra com o número da porta invertido e fala de um hotel de cinco estrelas sem técnico de informática. Aparentemente, isto bastou para que um nosso compatriota ressuscitasse agora tamanha irrelevância, promovesse um abaixo-assinado a exigir desculpas e incendiasse a Internet com fúria nacionalista.
O único problema da tentativa cómica da dita Proença é a falta de graça. Seria potencialmente hilariante se tratasse de características reais e realmente ridículas dos portugueses, como o fascínio pela "cultura" de países do Terceiro Mundo, Brasil incluído, que "compensa" o desconhecimento da cultura do Primeiro. Ou a capacidade de dar importância ao que não possui nenhuma.
Se, por exemplo, os franceses respondessem assim às paródias americanas, a Embaixada dos EUA em Paris seria obrigada a criar um departamento exclusivamente dedicado aos protestos. Nunca ouvi falar de protesto nenhum. Nações a sério concedem a brincadeiras o destaque que as brincadeiras merecem. A ofensa fácil e colectiva exige um caldo notável de presunção, insegurança, boçalidade e atraso de vida. O caso flagrante é o dos povos muçulmanos, que saem à rua em roupa interior sempre que alguém refere Maomé sem a devida vénia. Outro caso, menos flagrante, é curiosamente o brasileiro. Não há muito tempo, um episódio dos Simpsons que retratava o país enquanto um lugar de miséria e insegurança (imagine-se) motivou vasta indignação local, a ponto de altíssimas autoridades ameaçarem processar a produtora Fox.
Em abono do Brasil, lembro que os Simpsons são talvez a série mais influente da história da televisão. A absurda polémica em curso tornou Maitê célebre numa terra que reage a galhofas falhadas mediante pretextos para galhofas garantidas. Entretanto, a actriz de telenovelas gravou novo vídeo, este com o reclamado pedido de desculpas e a jura, a título justificativo, de que a senhora até goza o presidente (dela). Ou seja, na escala de respeito da Proença os portugueses situam-se abaixo de Lula. E isso já ofende o meu brio lusitano: não haverá um abaixo-assinado contra o segundo vídeo?

Sexta-feira, 13 de Novembro - Infelizmente, a lei que a prazo acabará com os animais selvagens nos circos não promete acabar com os animais teoricamente racionais que a inventaram. O presidente do Instituto da Conservação da Natureza, entidade irónica num país em que a natureza é periodicamente arrasada por construtores e incendiários, justifica a medida com a saúde pública e a segurança. Ignoro quantos milhares de pessoas os macacos do Chen e os tigres do Cardinali mataram até hoje. Porém, estimo em milhões as vítimas desta senha reguladora que aos poucos procura, e aos poucos vai conseguindo, censurar-nos a comida, o tabaco, o álcool, o sedentarismo, o automóvel, o jogos, os noticiários críticos do Governo e, em suma, tudo o que ainda distingue o homem civilizado da bicharada, selvagem ou outra.
Às vezes penso se os pequenos zelotas da padronização foram escolhidos para cargos públicos por serem assim ou ficaram assim depois de alcançar os cargos. A psiquiatria explicará. Para já, suspeito da primeira hipótese: além do Estado, não faltam na "sociedade civil" sujeitinhos sempre dispostos a apoiar ou instigar medidas repressivas. Veja-se, no caso dos animais, as associações do ramo. Conheço algumas e, salvo excepções dignas, nunca lhes notei a menor preocupação com o bem-estar dos bichos. Em compensação, aflige-os imenso que alguém os possa ter, gostar deles e ser retribuído. Os macacos e os tigres circenses são evidentemente um pretexto. Ou um início. A insignificância que dirige uma Associação Animal apareceu a avisar que a nova lei não basta: é urgente abolir todas as criaturas não humanas do circo. Entre parêntesis, diga--se que seria preferível abolir o dito: notoriamente, para ver palhaços não é necessário comprar bilhete e entrar numa tenda.
Fora de parêntesis, sabe-se como estas coisas começam e tenho um palpite sobre como podem acabar. Nem aprecio circos, mas é possível que tarde ou cedo o Estado e os parasitas que lhe habitam as franjas estendam o instinto totalitário à privacidade dos lares.
Sábado, 14 de Novembro - “A politica converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a cada um deles chegue o mais frequentemente que for possível a vez de entrar e sair do governo. Nos pequenos períodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministério o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos públicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos lugares que vierem a vagar. É este trabalho de assimilação e desassimilação dos partidos, que constitui a vida orgânica do que se chama a política portuguesa”.
Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, As Farpas, Agosto-Setembro de 1877

Nova Aliança, 26/ Novembro / 2009

Os animais e a escola na Finlândia

14 de Outubro - A partir de agora, os animais dos circos estão proibidos de se reproduzir. Ainda agora no rádio do carro escutei atentamente um acérrimo defensor desta medida explicar que há muitas soluções simples para garantir a extinção das espécies circenses. Sugeriu duas: 1. separar machos das fêmeas ou, 2. castrar os machos. Que crueldade. Nunca pensei ouvir tal sugestão da boca de um pretenso defensor dos animais. É preciso que a Sociedade Protectora dos Animais proteja os animais destes protectores de animais.
No primeiro caso, a separação por género, parece-me que há uma claríssima e inaceitável descriminação dos animais heterossexuais. Por favor, defensores da igualdade do género, mostrem a vossa indignação por esta solução que apenas permite uma prática sexual sã aos animais LGT e parcialmente aos B, ainda que reduzindo-lhes drasticamente a possibilidade de escolha. Espero da vossa parte uma posição clara de protesto contra estas medidas que condenam todo um grupo maioritário ao cinzentismo do auto-divertimento.
A segunda solução, para lá de arrepiante – brrrrr – é intolerável. Castrar os bichinhos? Que horror. Não só a medida é de enorme crueldade física como, mais uma vez, há uma óbvia descriminação de género, agravada pelos terríveis efeitos vexatórios sobre o bem-estar psíquico dos bichinhos a quem amputaram a sua virilidade.
A única medida que pode ser aceitável para estes casos é a pílula do dia seguinte – que deverá ser fornecida gratuitamente a todos os animais que o solicitarem nos centros de saúde da zona. (um comprimido para a macaca, 3 caixas para a elefanta).
Vamos lá, jugulares, defensores de causas profissionais e outros bloquistas, temos aqui temos uma nova causa fracturante, mexam-se. Lutemos juntos pela defesa do direito dos animais circenses a terminarem os seus mandatos com dignidade.
Os tigres dos circos não se podem reproduzir. Os macacos idem. Enfim nada disto tem importância por nada disto é para cumprir. É para ir cumprindo. Se a malta chateia lembram-lhe a legislação. Primeiro foi com a comida. A ASAE parecia omnipresente e omnipotente. Depois tivemos a fase da ginástica, dos ginásios e dos pescadores que tinham de andar de fita métrica para verificar a quantos metros estavam uns dos outros. Agora chegou a vez dos circos. Sugiro que a seguir se legisle sobre os palhaços. Não é aceitável que um ser humano seja achincalhado como acontece no número do palhaço rico e do palhaço pobre. Após os palhaços deve o legislador ou o grupo de peritos como soe dizer-se recomendar que se legisle sobre a ausência de prática desportiva entre as crianças ao fim-de-semana e o número de pactotes de batas fritas que ingerem enquanto vêem séries de televisão esticadinhas no sofá.

Já não é a primeira vez que se faz aqui a comparação com o país que foi considerado referência de topo pelo PM e pela ministra quando quiseram considerar os professores uns "malandros" .

16 de Outubro - Para os cidadãos, pais, professores, alunos, ministra que foi, ministra que chega, primeiro-ministro e deputados, aqui ficam as nove grandes diferenças entre portugal e a Finlândia:

1. Na Finlândia, as turmas têm 12 alunos;

2. Na Finlândia, há auxiliares de accção educativa acompanhando constantemente os professores e educandos;

3. Na Finlândia, os pais são estimulados a educar as crianças no intuito de respeitarem a Escola e os Professores;

4. Na Finlândia os professores têm tempo para preparar aulas e são profissionais altamente respeitados;

5. Na Finlândia, as aulas terminam às 3 da tarde e os alunos vão para
casa brincar, estudar e usufruir do seu tempo livre;

6. Na Finlândia, o ensino é totalmente gratuito inclusivamente os LIVROS, CADERNOS E OUTRO MATERIAL ESCOLAR;

7. Na Finlândia, todas as turmas que têm alunos com necessidades educativas especiais, têm na sala de aula um professor especializado a acompanhar o aluno que necessita de apoio;

8 . Na Finlândia, não há professores avaliadores, professores avaliados nem inspectores!

9. Na Finlândia, não há professores de primeira e de segunda.

Conseguiram perceber as diferenças?

Nova Aliança, 12 / Novembro / 2009

25.10.09

O 'professor' em Espanha e o Nobel de Obama

16 de Setembro - No jornal espanhol El Pais de ontem pode ler-se: “Los docentes serán autoridad pública en la Comunidad de Madrid. Es una de las medidas que introducirá la futura Ley de Autoridad del Profesor que la presidenta madrileña, Esperanza Aguirre, va a anunciar mañana en la cámara regional, según fuentes de su Ejecutivo, y cuyo texto llevará al hemiciclo en las próximas semanas.
La iniciativa de elevar el rango de los maestros ya la asumió el año pasado la Comunidad Valenciana y existe también, aunque sólo para los directores de los centros escolares, en Cataluña, desde hace unos meses. En el caso de Madrid persigue el objetivo de reforzar la figura del maestro.
Al ser reconocidos como autoridad pública, los profesores -al igual que jueces, policías, médicos o los pilotos y marinos al mando de una nave- cuentan con una protección especial. La agresión a uno de ellos está tipificada por el Código Penal como atentado contra la autoridad en los artículos 550 a 553, que recogen penas de prisión de dos a cuatro años.
Además, la autoridad pública tiene presunción de veracidad, lo que significa que su palabra tiene más valor que la de un ciudadano de a pie. Y permite a la fiscalía perseguir de oficio los delitos contra estos funcionarios públicos.
La futura ley de Aguirre también recogerá una mejora de la retribución para los niveles intermedios de mando de los centros escolares: secretarios y jefes de estudios. Esta subida se aplica ya desde el 1 de enero para los directores de los colegios madrileños, que perciben una media de 320 euros más que hace un año.
Para quem tem alguma rejeição à língua de Cervantes, eis a tradução dos 3º e 4º parágrafos:

"Ao serem reconhecidos como autoridade pública, os professores - tal como os juízes, polícias, médicos ou os pilotos e comandantes de navios - contam com uma protecção especial. A agressão a um professor está tipificada pelo Código Penal como atentado contra a autoridade (…) e pode valer pena de prisão de dois a quatro anos."
"Além de serem autoridade pública, têm presunção da verdade, o que significa que a sua palavra tem mais valor do que a de outro cidadão. E permite às autoridades fiscalizar os delitos contra estes funcionários públicos."
Em Portugal nestes quatro anos foi o que sabemos. Quão diferente é o "socialista" Sócrates do seu homólogo Zapatero..."
10 de Outubro - Há quem diga que este Nobel da Paz é pura fé e intenções. Obama ainda agora começou! Alguns até o comparam a galardoar um potencial génio que não concluiu a primária. Outros alongam-se naquela estafa sobre a politização da Academia.
Mas parte desta glória só pode dever-se ao nome Nobel, apelido do químico sueco que criou o prémio e que, em muitas línguas europeias, ressoa a nobre. Ou seja, digno ou honrado. Se o senhor se chamasse Svitjod a coisa não teria igual sucesso. Brincadeiras à parte, estes Nobel costumam ser mais polémicos. A paz é uma esperança. Raramente é um resultado final. Aliás, também outros são mera expectativa. Por exemplo, “descoberta que traz esperança ao tratamento do cancro” foi, neste ano, o Nobel da Medicina.
A guerra do Afeganistão continua e Obama não recebeu o Dalai Lama. Alterou a política americana no Leste, Irão, Israel, Guantánamo. E, assim, mantém o ‘Yes, we can’, nove meses de esperanças depois. Mas que não será eterno, como revelam as críticas nos próprios EUA. E, antes que acabe, celebre-se. Pessoa, crendo no papel do sonho na política, entendia que Portugal só sairia do marasmo “ressuscitando” D. Sebastião. Disparate? Talvez. Mas o poeta sabia bem que “O mito é o nada que é tudo”. Embora não tivesse ganho um Nobel...

11 de Outubro – Quem quiser explicar a um estrangeiro as idiosincrasias portuguesas, tem uma tarefa complicada. Temos de explicar-lhes que Portugal é um país brando e solarengo, mas cujos humores oscilam bastante. Temos uma tradição de homicídios políticos pela província.
Tudo se mistura: caçadeiras a monte, ódio político, disparate latente e questões sentimentais. O caso de Ermelo, Vila Real (900 eleitores), vem daí. Falta-nos humor para o essencial e coragem para olhar as coisas de longe. A miséria da política é como em Ermelo: pede a exclusão. Daí ao tiroteio é um passo.


Nova Aliança, 16 / Outubro / 2009

Os políticos eo 'interesse geral'

Com o devido respeito, eis um texto do professor Paulo Guinote, publicado no blog ‘A Educação do meu Umbigo’ ( http://educar.wordpress.com ):
“Há em alguns políticos e comentadores a tentação para se erigirem como detentores da capacidade de enxergarem e defenderem o Interesse Geral contra os mesquinhos interesses corporativos.
Criticam quem defenda a verdade, o rigor com os factos e as promessas, mas depois são eles que têm uma verdade maior, a verdade do Interesse Geral. Os outros são defensores de interesses particulares, menores, egoístas.
Esta é uma atitude profundamente arrogante porque Interesse Geral eu não conheço, nem nunca conheci como se determina ou se coloca em prática, ou defende, porque não passa de uma abstracção retórica. Ou então o Interesse Geral mais não passa do que o agregado dos diversos interesses particulares dos cidadãos de uma dada sociedade.
Aliás, o Interesse Geral, colocado assim, acima dos interesses dos indivíduos, remete-nos para um caldinho cultural vizinho dos regimes autoritários e totalitários que erigiram a Raça, a Nação, a Religião ou a Classe como Interesses Gerais do seu projecto político, espezinhando pelo caminho os interesses particulares e os indivíduos que se opuseram a esse projecto Colectivo de Unidade.
E acho estranho que quem se assuma defensor da liberdade, ou liberal no sentido político ou económico, embarque nestas aventuras estranhas do Interesse Geral, indemonstrável e volúvel conforme os contextos.
Só para contextualizar, relembremos o caso do défice, que em 2003 qualificaram como obsessão, em 2005 já era de Interesse Geral e agora em 2009 tem dias: se é para uns efeitos pode agravar-se, se é para outros deve conter-se.
O Interesse Geral mais não passa do que de um manto usado para cobrir interesses de facção, elevando-os a um patamar superior.
Eu prefiro ser realista e explicar o meu interesse particular. E acho que é da soma dos interesses particulares, conjugando-os, mas sem sacrificar brutalmente nenhuns, que se atinge um projecto de sociedade verdadeiramente liberal no sentido mais radical do termo.
Quem está sempre a acusar os interesses corporativos, sabe bem que uma sociedade não se constrói sobre uma amálgama indiferenciada de indivíduos, sem identidades socioprofissionais, por exemplo. A menos que seja esse o projecto do Interesse Geral: tornar a sociedade uma mera amálgama de indivíduos indiferenciados.
Há que fazer opções, é certo. A manta não dá para cobrir todos, aceito. Mas preciso que me expliquem e fundamentem as opções tomadas, não apenas que as enunciem como inadiáveis e há muito necessárias. É preciso mais do que isto.
O Interesse Geral não pode ser um vazio usado para ocultar vazios de ideias e projectos ou para legitimar opções políticas e económicas resultantes de interesses particulares, esses sim, transitoriamente com as rédeas do poder político para os impor ao resto da sociedade.
Por isso, sempre tive dificuldade em rever-me em projectos políticos com soluções mágicas para tudo, evocando um qualquer tipo de Interesse Geral para colocar o Colectivo acima do Indivíduo. Sejam de esquerda, de direita ou do centro.
Sejam baseados em Magalhães, em Livros Verdes, Vermelhos ou Laranjas. Na Bíblia ou em bíblias.
A deriva totalitária, mesmo que em democracia formal, é uma tentação de todos os homens que se acham providenciais.
O Interesse Geral, nova formulação aparentemente mais vazia dos velhos projectos de subordinação das massas aos projectos políticos de facção, não me serve como argumento para nada.
Em especial quando surge enroupado em coisa nenhuma, tirando fatiotas elegantes e meneios estudados.”


Nova Aliança, 1 / Outubro / 2009

A modorra dos dias de verão...

4 de Setembro – Ao contrário do que o leitor poderá pensar, em Julho e Agosto o mundo não pára e sucedem-se coisas tão interessantes como: em Lisboa, o ‘Zé’ lembrou-se de plantar girassóis – é, sem dúvida, a intervenção que a cidade mais precisa -; quatro lisboetas hastearam a bandeira monárquica na Câmara Municipal; é candidato a deputado um sujeito que engessou fraudulentamente um braço para evitar um reconhecimento de assinatura; surgiram dois novos partidos: o Partido Nulo – só desistem se ganharem as eleições – e o Partido Pirata – conteúdos grátis na Internet -; a senhora Clinton ficou furiosa por lhe terem perguntado pelas opiniões do senhor Clinton; o Presidente da Costa Rica despacha na cama, visto que tem gripe A, a mesma que levou os actores das novelas mexicana a eliminarem os beijos – estamos em plena histeria como se estivesse aí a peste negra quando os sintomas são a cefaleia e a expectoração; o czar Putin caça, pesca, mergulha, monta a cavalo e mostra o seu tronco ginasticado aos fotógrafos; o presidente francês contratou uma treinadora pessoal para o exercitar nos deveres conjugais; uma editora que planeava lançar um livro sobre Arafat recuou, e não foi com medo das recensões; o Hamas anunciou a criação de uma’Hamaswood’, uma espécie de Hollyood palestiniana onde podemos contar com explosões, incluindo as dos protagonistas; uma visitante do Louvre atirou chá quente à Mona Lisa; uma rapariga de ‘burquini’- uma burqa para a natação – foi impedida de frequentar uma piscina laica e republicana; o príncipe do Mónaco foi visto a dançar com uma namorada oficial enquanto trazia no ouvido um auricular; a namorada do príncipe William confessou que não gosta de cavalos, pecado grave na monarquia inglesa; falando em cavalos – mal comparado – um empresário abrantino tentou introduzir um burro no edifício camarário; um repórter fotográfico foi atropelado pelo carro que conduzia Pinto da Costa à saída do tribunal e apesar de um agente da PSP ter dado ordem de paragem – que não foi cumprido -, o Comando do Porto teve necessidade de lançar um comunicado desculpando o facto do condutor não ter acatado a ordem por se ter tratado de um acto ‘explícito’; um apresentador de televisão brasileiro encomendava crimes para aumentar a audiência do seu programa sobre crimes; o assaltante do Banco Espírito Santo confessou na cadeia que “o BES ainda é o meu banco”; o actor Carlos Areia, de 63 anos, tem uma namorada de 17 anos; a Câmara de Paços de Ferreira atribuiu o nome de Manuel Pinho a uma rua da cidade apenas porque no local não existe praça de touros; a televisiva Carolina Patrocínio – mandatária do PS para a juventude – confessou que só come cerejas se a empregada lhe tirar os caroços e uvas se a dita senhora lhe retirar previamente as grainhas; o mesmo rosto afirmou que prefere fazer batota a perder; o proprietário de uma charca apedrejou um helicóptero – dois vidros partidos e várias amolgadelas - que tentava abastecer no seu terreno durante o combate a um incêndio; um jornal televisivo – o de 6ª feira na TVI – foi suspenso porque o ‘estilo’ era considerado demasiado ‘agressivo’ para com o primeiro-ministro. Uff, as férias terminaram…

Nova Aliança, 4 / Setembro / 2009

14.9.09

Os exames de Português e Matemática do 9º Ano

14 de Agosto – Já ninguém fica espantado se um professor universitário contar que parte significativa dos seus alunos não sabe as regras básicas da gramática e coloca, por exemplo, uma virgula entre o nome e o verbo. Diga-se que o desconhecimento da Língua já chega aos próprios professores universitários. Uma professora de uma prestigiada instituição de ensino superior de Lisboa deu nota ‘çuficiente’ a trabalhos apresentados por alunos.
Foram conhecidos os resultados dos exames nacionais do Ensino Básico (Português e Matemática). Comparando com o ano lectivo anterior, houve uma diminuição considerável na percentagem de classificações negativas em Matemática (de 44,9% para 36,2%) e um aumento (praticamente uma duplicação!) na de Português (de 16,7% para 30,1%).

Independentemente de se tratar de subidas ou descidas, o que nos deve preocupar talvez acima de tudo é darem-se estas variações: nem se trata de pequenas oscilações, mas sim de autênticos e enormes solavancos.

Há um problema de fiabilidade nestes levantamentos. E, pior ainda, surgem dúvidas sobre a seriedade e a competência das orientações e critérios com que se elaboram os exames. Como se pode avaliar um processo que apresenta toda esta inconstância? É claro que este ministério da Educação não parece preocupado com isso: preocupa-se somente em produzir propaganda disparatada (como a acusação à Sociedade Portuguesa de Matemática [!] pelos maus resultados dos últimos exames, etc.).

Há, nos resultados tornados públicos hoje, um "pormenor" que não deve ser desprezado: veja-se que, tanto em Português que "piorou" muito, como também em Matemática que "melhorou", deu-se um aumento do número de alunos classificados com a nota mais baixa ( nota de 'um' ): de 310 para 700, em Português e, o que é mais espantoso, de 3107 para 3623, em Matemática.

E isto é ainda mais sério, se nos lembrarmos que o aumento é acompanhado por uma diminuição do universo dos alunos examinados: de 94832 em 2007 / 08 para 90184 este ano! Quer dizer, aumentou consideravelmente o número de alunos que praticamente não conseguiram responder a nada ou quase nada dos exames...

Ficar contente com estes resultados é um mau princípio. A escola tem de ser mais exigente, porque o futuro destes jovens vai ser muito competitivo e na vida real se não estiverem preparados terão os empregos menos qualificados e mais mal remunerados. O capital humano é a maior riqueza do País. Se o desbaratamos com uma má educação estamos a ser cúmplices de um terrível erro que prejudicará milhares de jovens e nos empobrecerá a todos no futuro.
A ministra disse que os resultados dos exames devem encher o País de orgulho. É difícil encontrar motivo de júbilo quando praticamente um em cada três alunos do nono ano chumba num exame relativamente fácil. Nenhuma pessoa no seu perfeito juízo se deve alegrar com estes resultados: continuamos com mais de um terço de classificações negativas em Matemática e com uma duplicação vergonhosa das negativas em Português. Ora, o que diz a isto a senhora ministra da Educação? Isto (leiam sentados, por favor):
“Gostava de sublinhar que a larga maioria dos alunos teve nota positiva tanto a Português como a Matemática. Isso deve-nos encher de orgulho. É muito positivo e muito bom para o país.”


Nova Aliança, 4 / Setembro / 2009

Os gestores, o governador e a gargalhada

13 de Julho – Segundo um estudo de Manuel António Pina, publicado no Jornal de Notícias de 24/10/08, "... se os portugueses comuns (os que têm trabalho) ganham pouco mais de metade (55%) do que se ganha na zona euro, os nossos gestores recebem, em média:
- mais 32% do que os americanos;
- mais 22,5% do que os franceses;
- mais 55 % do que os finlandeses;
- mais 56,5% do que os suecos"

E são estes mesmos gestores que chamam a nossa atenção porque "os portugueses gastam acima das suas possibilidades".

15 de Julho – Desculpem mas não posso deixar de voltar ao assunto. O senhor Vítor Constâncio ainda não percebeu que é um triste símbolo de um ciclo que terminou.
Fiado na sua imensa autoridade e contente na sua soberba, Constâncio decidiu pregar um raspanete à Assembleia da República por esta se ter imiscuído nos meandros da supervisão. Nem o relatório final da comissão de inquérito ao BPN, feito à sua medida, conseguiu acalmar os ânimos do governador do Banco de Portugal.
O PS, através da deputada Sanfona, apresentou um texto inócuo e inconclusivo, recheado de citações oficiais e de desculpas de mau pagador. Imune a este tipo de simpatias, Constâncio não perdeu tempo e apresentou-se imediatamente ao país, disposto a desfazer qualquer dúvida sobre a sua iluminada pessoa. E lá explicou, pela enésima vez, que a sua extraordinária actuação estava muito acima das capacidades de qualquer deputado.
Como se viu, só ele, na sua infinita sabedoria, se considera em condições de se avaliar a si próprio, longe da chicana parlamentar e dos golpes sujos da oposição. E ele, como se viu também, tem-se em alta conta: não há falha que o atinja, nem offshore que o diminua. Em guerra aberta com a realidade, consegue ser tudo menos aquilo que, na realidade, deveria ser: um governador do Banco de Portugal.
Durante anos, com suave persistência, Constâncio transformou o Banco de Portugal numa espécie de porta-voz oficial do ministério das Finanças, com défices ao sabor do cliente e previsões à altura das suas necessidades. Lembram-se como a descrição dos números mudavam quando a oposição era governo?
A conferência de imprensa que deu, na semana passada, foi a prova de que já ninguém precisava. Abrigado na sua imensa arrogância, Constâncio pretendeu apresentar-se como um mártir iluminado, sem compreender o espectáculo mais ou menos patético que confirmou apenas a solidão de um homem com o cargo errado no lugar errado.


17 de Julho – Está em marcha mais um atentado urbanístico em Abrantes. A criação pomposa de um Museu Ibérico ( os espanhóis saberão? ) de Arqueologia e Arte de Abrantes arrastará consigo um cubo de dimensões obscenas e que poluirá de forma desmedida um dos pontos mais elevados da cidade de Abrantes. Como, mais uma vez, os cidadãos não foram tidos nem achados, há que procurar outros meios. Está a circular uma petição no endereço electrónico
http://www.gopetition.com/online/28923.html e é essa petição que eu o convido a assinar.


19 de Julho – Antes de férias, eis um texto “actual” de Eça de Queirós. "A gargalhada nem é um raciocínio, nem uma ideia, nem um sentimento, nem uma crítica: nem é o desdém, nem é a indignação; nem julga, nem repele, nem pensa; não cria nada, destrói tudo, não responde por coisa alguma! E no entanto é o único inventário do mundo político em Portugal. Um governo decreta? Gargalhada. Fala? Gargalhada. Reprime? Gargalhada. Cai? Gargalhada. E sempre a política, aqui, ou pensando, ou criando, ou liberal ou opressiva, terá em redor dela, diante dela, sobre ela, envolvendo-a, como a palpitação de asas de uma ave monstruosa, sempre, perpetuamente, vibrante, cruel, implacável – a gargalhada!"



Nova Aliança, 23 / Julho / 2009

15.7.09

A TVI, o governador ingénuo e os "corninhos" de Pinho

20 de Junho - Quando Sócrates identificou a TVI como sua inimiga, surgiram notícias de incitamentos ao mais alto nível para que esta fosse comprada. O intuito visível desse eventual negócio era obviamente político.

A TVI causa a Sócrates o mesmo incómodo que o ‘Independente’ provocava aos governos de Cavaco Silva – mas com a amplificação popular que a televisão permite. É na TVI que se discute o confuso currículo do primeiro-ministro. É aí que as ‘reformas’ são desmontadas e que muitos ministros vêem expostas as suas estreitezas. Claro que o estranho é o silêncio da restante imprensa. Fosse Sócrates de outro partido e outro galo cantaria. É a diferença entre a “boa” e a “má” imprensa.
Sócrates convive mal com quem não o aprecia. Por isso, é natural que tente imitar o seu amigo venezuelano que encerrou uma televisão que o criticava. Felizmente estamos na Europa – aqui não se fecha: manda-se comprar.
26 de Junho - Parece que o Ministério Público mandou arquivar a queixa do primeiro-ministro contra João Miguel Tavares, autor de uma crónica (no ‘DN’) que José Sócrates considerou ofensiva – mas que este despacho considera inserir-se "no direito à crítica".
O primeiro-ministro tinha todo o direito de queixar-se aos tribunais mas é bom que a justiça reconheça que não basta "não gostar dos termos" em que um texto é escrito para avançar com uma queixa.
Grande parte da crónica política e jornalística do século XIX faria os tribunais de hoje entrar em colapso; Fialho, Eça, Camilo bastariam para escandalizar a respeitabilidade frágil dos políticos e acabariam presos. Mas também o bom-senso explica que a política não apenas é um bom alvo como merece ser alvejada. Quem vai à guerra dá e leva.
21 de Junho – Quando os meus alunos, candidatos a um curso de Economia, me perguntam que emprego seguir, respondo-lhes logo: Governador do Banco de Portugal. Ganha-se bem demais ( ao nível dos países mais ricos da Europa ), há poucas responsabilidades ( ao nível das sociedades mais primitivas ) e, se acontecer algo, sempre se pode dizer que talvez se tenha sido ingénuo e que nunca se pensava que os suspeitos fossem capazes de cometer os crimes de que são acusados.

3 de Julho - Lembram-se daquela anedota que Raúl Solnado imortalizou sobre touros e campinos? Eu relembro-a: um fulano questiona outro sobre a sua proveniência geogáfica, esse responde-lhe ser ribatejano. –Ah, do Ribatejo, terra de touros e campinos. O senhor é campino? - questionou. Como a resposta foi negativa, logo concluiu: Então é touro!!

Vem isto a propósito do episódio de Manuel Pinho na Assembleia da República. Julgo que o ministro estava a contar esta anedota a Bernardino Soares, pelo que considero uma verdadeira injustiça a sua demissão.

É bom lembrar que Pinho foi quem afirmou ter a crise acabado em Outubro de 2006, aquele que tentou atrair investidores na China invocando que os “custos salariais em Portugal são mais baixos que a média da EU”, aquele que, em Maio de 2007, anunciou em Bruxelas a criação de 250 empregos em Castelo Branco pela Delphi; esqueceu-se que esses empregos já estavam ocupados desde Janeiro, aquele que afirmou numa feira de calçado em Milão: “Eu vinha cá comprar sapatos italianos, mas fiquei tão impressionado com a qualidade do sapato português que vou levá-los. Vinha comprar italianos porque têm um óptimo nome em termos de design.”.

Ora, depois de tudo isto ser demitido pelos corninhos é realmente injusto. O gesto e a consequente demissão, alvos de atenções na imprensa mundial, suscitaram de um leitor da versão online do jornal brasileiro O Globo o seguinte comentário: “Em países sérios é assim, quem faz palhaçada dança!!”.

Vejam lá ao que nos sujeitamos, sermos chamados de país sério…

Nova Aliança, 9 / Julho / 2009

As ofertas do Estado português, a administração do Garcia de Orta e as "semelhanças" Sócrates / Loureiro

1 de Junho - O novo estádio da cidade de Al-Kahder, nos arredores de Belém, na Cisjordânia, cuja construção foi financiada por Portugal, através do Instituto Português de Cooperação para o Desenvolvimento, foi inaugurado na passada segunda-feira. O recinto custou dois milhões de dólares, tem capacidade para seis mil espectadores, é certificado pela FIFA e dispõe de piso sintético e iluminação. A cerimónia de inauguração abrirá com uma marcha de escuteiros locais, conduzindo as bandeiras de Portugal e da Palestina, e a execução dos respectivos hinos nacionais.
Já fechámos urgências, maternidades, centros de saúde e escolas primárias. Disseram-nos que havia que reduzir custos. Todavia, oferecemos agora um estádio à Palestina.
Devíamos fechar o Hospital de Santa Maria e oferecer um pavilhão multiusos ao Afeganistão. A seguir fechávamos a cidade universitária e oferecíamos um complexo olímpico (também com estádio) à Somália e por último fechávamos a Assembleia da República e oferecíamos os nossos políticos aos crocodilos do Nilo.

3 de Junho - Ministros ‘incomodados’ já são uns quantos. Juízes ‘chocados’ são vários. O próprio relator do acórdão que entregou Alexandra à mãe biológica ficou “perplexo” quando viu as imagens desta a dar umas palmadas na filha.
Estas palmadas russas na criança são, metaforicamente, também para a Justiça e Estado português. O juiz decidiu, como disse, perante “os factos que estavam no processo”. Não falou com ninguém, analisou o que tinha sido julgado na primeira instância mas fez uma valoração diferente dos factos.
A sua livre apreciação da causa foi tão radicalmente diferente do tribunal inferior que o levou a apontar uma “maternidade serôdia” à mãe de acolhimento. Não quis julgar a mãe biológica pelo quadro que era estabelecido pelos técnicos da Segurança Social, mas não se coibiu de arrasar a outra parte. Já agora, baseado em quê? Em que factos? A liberdade de decisão do juiz não se discute, mas a verdade é que esta não está a resistir a umas simples imagens das palmadas e a um lamentável quadro de exposição da criança a circunstâncias que cheiram a negócio.
Uma coisa este caso demonstra: os processos de menores não podem ser decididos em circunstâncias destas. Um monte de papel, factos avaliados à distância das pessoas, pura consideração de um determinismo biológico como critério dominante. É tal a ‘defesa da família’ que, tantas vezes, a pura realidade é atirada para o caixote do lixo.


9 de Junho –De acordo com o Correio da Manhã, os responsáveis dos serviços do Hospital Garcia de Orta, Almada, estão descontentes com a nova administração. Um desagrado que se reflecte nos utentes, com as reclamações a dispararem até às mil nos últimos cinco meses.


A situação mais complicada é apontada ao Serviço de Urgência, com o atendimento a demorar horas. Os bombeiros acabam por deixar as macas de um dia para o outro.
O descontentamento é grande entre os médicos e os directores de serviço, que acusam a direcção, nomeada pela ministra Ana Jorge, há cinco meses, de não promover reuniões com as comissões médicas e de enfermagem. Dois directores de serviço saíram e outros dez tencionam abandonar a unidade hospitalar até ao final do ano: aceleraram o pedido de reforma ou vão para o privado.
O presidente do conselho de administração do Garcia de Orta é Nélson Baltazar.

12 de Junho – Dias Loureiro e José Sócrates têm em comum:
1. São titulares de cargos públicos relevantes;
2. São acusados por terceiros da prática de factos ilícitos;
3. Ambos negam a autoria de tais factos;
4. Os terceiros que os acusam são eles próprios suspeitos da prática de diversos factos ilícitos.


O que os distingue:
Dias Loureiro demitiu-se e José Sócrates permanece no lugar.

16 de Junho – Abrantes prepara-se para aquelas corridas de aviões junto ao Tejo, como acontece anualmente no Porto. A “meta” já lá está pintada de vermelho…

Nova Aliança, 25 / Junho / 2009

As proibições dos alimentos, o caso Alexandra e o retrato da justiça

25 de Maio - Enquanto a Direcção Geral de Saúde cria uma "comissão" dentro de um "grupo consultivo" a fim de investigar as infracções à lei do tabaco, a pomposa Plataforma Contra a Obesidade (?) elabora "menus da crise" que visam regulamentar a dieta dos pobres e o Sistema Nacional de Saúde planta um nutricionista em cada região do país "para responder às necessidades dos cidadãos". Já ninguém estranha que os deputados da nação também se preocupem imenso com a saúde dos que os elegem, quer estes apreciem os cuidados, quer não.
O parlamentar socialista Jorge Almeida, autor da proposta que conduziu à limitação compulsiva do sal no pão, revelou há dias como se manipulam as massas, farináceas e populares.
Em artigo, modestamente intitulado "Uma grande causa, uma marca para o futuro", e publicado no Notícias de Vila Real, começa por avisar que o Estado não deve impor proibições aos comportamentos alimentares. Nos parágrafos seguintes, o dr. Almeida passa a descrever as inúmeras circunstâncias em que o Estado deve impor proibições aos comportamentos alimentares.
O pão, por exemplo, "não pode" ter o sal que, alegada ou realmente, vem tendo. E não pode porquê? Porque se o comermos "estamos a prejudicar o nosso organismo e a provocar doença" (sic). O meu organismo não é, precisamente, meu? Não importa, visto que o seu prejuízo é uma "factura" paga pela "comunidade". Quem diz? O dr. Almeida. E se eu discordar? Não adianta e, de qualquer modo, a discórdia é pouco provável: o dr. Almeida garante que se o teor do sal for reduzido "de forma que o consumidor não note, não proteste, se mantenha como bom consumidor", os valores exigidos por uma misteriosa Sociedade Portuguesa de Hipertensão serão alcançados sem barulho.
Eis a chave: o fundamental, portanto, é que, além de saudável, o consumidor permaneça manso. Embora deixem de utilizar a palavra "autista" nos insultos que trocam, não tencionam parar de chamar estúpido aos milhões que os elegem por inércia e acabam sujeitos aos seus desvairados caprichos. Com razão: ao contrário dos autistas, aparentemente os restantes eleitores nem reparam na ofensa. Muitos agradecem-na.

20 de Maio – Com o caso Alexandra, a justiça em Portugal parece-lhe ainda mais confusa? Não faz ideia porque é que todos os processos que envolvem pessoas importantes acabam sempre em regabofe? Por favor, diga não à desorientação! Em apenas 20 passos, eis o guia ideal para entender todos os casos que em Portugal começam com a palavra "caso":
1) Os jornais publicam uma notícia sobre qualquer pessoa muito importante que alegadamente fez qualquer coisa muito má. 2) Essa pessoa muito importante considera-se vítima de perseguição por parte de forças ocultas. 3) Outras pessoas importantes vêm alertar para o vergonhoso desrespeito do segredo de justiça em Portugal, que possibilita a actuação de forças ocultas. 4) Inicia-se o debate sobre o segredo de justiça em Portugal. 5) Toda a gente tem opiniões firmes sobre o que é preciso mudar na legislação portuguesa para que estas coisas não aconteçam. 6) Toda a gente conclui que não se pode mudar a quente a legislação portuguesa. 7) A legislação portuguesa não chega a ser mudada para que estas coisas não aconteçam. 8) As coisas voltam a acontecer: os jornais publicam notícias sobre essa pessoa muito importante dizendo que ainda fez coisas piores do que as muito más. 9) Outras pessoas importantes vêm alertar para o vergonhoso jornalismo que se faz em Portugal, que nada investiga e se deixa manipular por forças ocultas. 10) Inicia-se o debate sobre o jornalismo português. 11) Toda a gente tem opiniões firmes sobre o que é preciso mudar no jornalismo português. 12) Toda a gente conclui que estas mudanças só estão a ser debatidas porque quem alegadamente fez uma coisa muito má é uma pessoa muito importante. 13) Nada muda no jornalismo português. 14) Enquanto o mecanismo se desenrola do ponto 1) ao ponto 13) a justiça continua a investigar. 15) Após um período de investigação suficientemente longo para que já ninguém se lembre do que se estava a investigar a justiça finaliza as investigações e conclui que a pessoa muito importante: a) Não fez nada de muito mau. b) Já prescreveu o que quer que tenha feito de muito mau. c) É possível que tenha feito algo de muito mau mas não se reuniram provas suficientes. d) Afinal o que fez não era assim tão mau. 16) Pessoas importantes que são amigas dessa pessoa muito importante concluem que ela foi vítima de perseguição por parte de forças ocultas. 17) Pessoas importantes que não são amigas dessa pessoa muito importante concluem que em Portugal nada acontece às pessoas muito importantes que fazem coisas alegadamente muito más. 18) As pessoas citadas no ponto 17) iniciam mais um debate sobre a justiça em Portugal. 19) As pessoas citadas no ponto 16) iniciam mais um debate sobre o jornalismo em Portugal. 20) Os jornais publicam uma outra notícia sobre uma outra pessoa muito importante que alegadamente terá feito outra coisa muito má. Repetem-se os passos 1) a 19).

Nova Aliança, 11 / Junho / 2009

Os decotes, as sentenças e as limitações dos deputados

9 de Maio - Uma escola do Pinhal Novo decidiu, no seu regulamento interno, proibir o uso de "tops com decotes pronunciados, mini-saias muito curtas e calças descaídas".
O caso não é novo; periodicamente, há escolas que impõem regulamentos sobre o vestuário a não usar dentro dos seus muros – o que suscita alguma risota entre gente cosmopolita e moderna para quem não há mal em as escolas serem uma extensão da ‘vida real’ e das passerelles. ( Ainda ) Julgo que o estudo da Gramática ou de equações de segundo grau exija algum decoro. Matemática ilustrada com decotes e umbigos pode ser uma inovação, tal como boxers à mostra em aulas de Biologia e curtas mini-saias nas bibliotecas. Na escola ( ainda ) deve existir concentração.



12 de Maio - O espectáculo degradante que ontem foi, em Braga, a entrega de uma menina, que estava numa família de acolhimento há mais de quatro anos, à mãe biológica, é um retrato implacável e particularmente infeliz do Estado português.
A entrega da criança à mãe que a abandonou aos dois anos, devido a problemas de alcoolismo, decorreu de uma sentença judicial. Por mais fundamentada que possa estar a sentença – e não sei se o estará , por mais qualificados que sejam os técnicos – e não sei se o serão -, depois daquele espectáculo há uma coisa que jamais deixará dúvidas: o sofrimento da criança decorre da própria sentença.
O espectáculo de ontem conduz a um sentimento de enorme perplexidade sobre a decisão, que parece cega à felicidade da criança e faz a habitual - e formal - opção por aquilo que algumas pessoas julgam ser "o superior interesse da criança". Por aquilo que ontem o Estado lamentavelmente nos permitiu ver, há uma criança em grande sofrimento por ter sido arrancada ao único meio familiar que até agora conheceu. Mas se e mesmo que nada disto fosse importante, o que dizer da forma impensável como se consentiu a entrega da criança num átrio de um prédio, sem resguardo dos olhares e da ira popular face ao choro e à raiva da criança? Há coisas que NUNCA podem acontecer. Pelo menos desta maneira.

16 de Maio – Um texto do “Jornal de Notícias” chamou a atenção para isso. Muito recentemente, assistiu-se à tentativa de banir expressões relativas a deficiências ou limitações físicas do debate parlamentar. Analisando seriamente a questão, até fico com a ideia que esta seria uma medida revolucionária.
É difícil imaginar o nosso hemiciclo sem a tradicional “o pior cego é aquele que não quer ver” ou o clássico “é grave o autismo do governo nesta matéria” ou ainda “há uma paralisia do seu ministério”.
Na prática a medida beneficiaria a retórica. De uma assentada eliminavam-se um sem número de lugares comuns que, por força da repetição, lá se foram banalizando. Obrigávamos os deputados a puxarem pela imaginação. O que, em alguns casos, seria um enorme desafio.
O campeão das deficiências parlamentares é “cego”. 105 cegos para ser preciso. E como se não bastasse, só de “cegueira” são 76.
Deputados “surdos” são 25. Deputados com “surdez” 13. E no caminho para uma assembleia cada vez mais inclusiva, na X Legislatura, houve 91 “autistas”.
Com tanto surdo, tanto cego, tanto autista, percebemos facilmente como é que ninguém se entende naquela sala..
“Paralisias”são 43. É muito. É imenso. Especialmente num edifício daquele género cheio de escadarias, degraus e locais de difícil acesso. Ainda no campo da paralisia fica um último registo. “Impotentes” são 28. É possível que, na verdade, sejam bem mais. 28 impotências em 230 membros é um número abaixo da média nacional. Mas todos sabemos que este é um problema complicado de assumir.
Ao todo, 381 limitações de algum género. O que dá uma simpática média de 1.6 necessidades especiais por deputado. Nada mau. Nada mau mesmo. Eles lá vão cantando e rindo.

21 de Maio – “O conselho de administração do Banco de Portugal (BdP) não terá aumentos salariais este ano, nem aumento relativos a 2008, recuando na decisão anterior de proceder a uma actualização salarial de 5 por cento” A notícia, lida assim de chofre, faz-nos engasgar de raiva: mas porque é que esta questão se colocou sequer?
Então, quando toda a gente coloca em causa a eficiência e a eficácia do BdP, quando toda a gente sabe que o presidente da instituição é um dos mais bem pagos do planeta – estamos a falar para que não existam dúvidas de duas dezenas de milhares de euros mensais, quando toda a gente ouve o senhor dizer que não tem conhecimento de nada, no quadro das suas atribuições e competências, porque raio é que esta questão implicou um "recuo"?
Este senhor será capaz de enfrentar um desempregado ou um trabalhador com salários em atraso?



Nova Aliança, 28 / Maio / 2009

22.5.09

Vital no 1º de Maio, as crianças nos tempos de antena e as diferenças na Educação

1 de Maio – Vital Moreira acordou hoje bem disposto. Olhou para o calendário e sorriu. Há quanto tempo não participava na manifestação do 1º de Maio? 10, 15, 20 anos? Um impulso súbito empurrou-o para a rua. Sentiu um apelo do coração para estar presente. E como se apresentaria? Como representante do PS? Mas, que diabo, ele não é sequer filiado no PS. Em anteriores eleições europeias, sempre próximas do 1º de Maio, algum outro candidato do PS se foi mostrar ao vivo na manifestação da CGTP?

2 de Maio - O deputado socialista Ricardo Rodrigues, com cara de poucos amigos, acha que é normal os miúdos de Fafe serem grosseiramente interrogados por inspectores do Ministério da Educação; em sua opinião, novamente sem se rir, grave é a ministra ter sido impedida de visitar uma escola. .
Este senhor pertence à mesma geração que achava piada quando os políticos eram recebidos com assobios e ovos, ou quando os "adolescentes rebeldes", pobres coitados, mostravam o rabo a Manuela Ferreira Leite. Adoravam quando alguém pespegava uma tarte na cara de um político e orgulhavam-se de passar pela ponte 25 de Abril (durante o bloqueio) sem pagar. Sofriam da euforia dos revolucionários, que os levava a insultar ministros ou a gritar palavrões aos adversários. Agora, não. ( Passou quanto tempo? ) Agora, respeitinho. Dá pena, mas é assim…
4 de Maio - Diálogo previsível em breve:
- Se faz favor, para o Pingo Doce?
- A senhora vai sempre em frente. Quando chegar à rotunda vira à esquerda e depois é, passando o "porreiro pá", logo à direita.
- Ora bolas, tinham-me dito que era depois do Vital Moreira e já tive que dar uma volta enorme...
- Isso foi alguém que não é de cá e fez confusão, de certeza. O Minipreço é que é logo a seguir ao Vital Moreira. Mas é o Minipreço...



6 de Maio – As diferenças entre o antes e o depois 1974. Os professores:

- Tinham menos horas burocráticas na escola do que agora!
- Algumas reuniões eram pagas como trabalho extraordinário!
- Era bem mais fácil dar aulas, os alunos respeitavam os professores!
- O prestígio dos professores era incomparavelmente maior!
- Os alunos sabiam muito mais!
- Os alunos dos colégios, mesmo os da igreja, tinham de fazer exames no ensino público para passarem de ano (não havia a batota de agora: quem tem dinheiro vai para colégios e tem notas altas).
- Qualquer pessoa com valor tinha acesso a um ensino de elevada qualidade nos liceus ou nas escolas comerciais/industriais!"

7 de Maio - Uma escola do 1º Ciclo de Castelo de Vide foi contactada para uma reportagem sobre o computador "magalhães".
O contacto foi feito por alguém que se identificou como estando a falar em nome do Ministério da Educação.
Os professores pediram então autorização para recolha de imagens aos pais das crianças.
Na data marcada foi efectuada a reportagem em nome do Ministério da Educação.
Sucede que no dia 22 de Abril, a comunidade escolar de Castelo de Vide ficou chocada com o resultado da reportagem.
Os pais, alunos e professores verificaram, pela televisão, que não se tratou de uma recolha de imagens para o Ministério da Educação, mas antes para um tempo de antena do Partido Socialista.
Passados todos estes dias ainda não foram apuradas responsabilidades.

Nova Aliança, 16 de Maio de 2009

A privacidade, o vestuário da loja do cidadão e as prioridades

12 de Abril - Leio por aí alguns autores que defendem o direito à privacidade de jornalistas e políticos. Concordo, claro, assim essa privacidade seja preservada pelos jornalistas e políticos. Apresentada a questão desta maneira, julgo que poucos deixarão de concordar. Mas quando são os jornalistas e políticos a divulgarem repetidamente, de um modo ou de outro, dados objectivos que deveriam fazer parte da sua privacidade - um exemplo, fazendo com que uma ópera comece atrasada por causa deles próprios - não vejo onde está a violação de qualquer direito que seja. Mais: qualquer jornalista tem o direito a não ser chamada de namorada de um político qualquer, mas qualquer leitor tem também o direito a desconfiar das opiniões de uma jornalista que escreve repetidamente sobre assuntos relacionados com o seu namorado.

14 de Abril – Lembram-se d’ “O Zé Faz Falta”? Pois bem, o sr. Sá Fernandes – esse triste vereador da Câmara Municipal de Lisboa, depois de ter ornamentado o Marquês de Pombal com os seus cartazes, não queria agora que os outros pusessem lá os cartazes deles. Digamos que é uma visão muito “peculiar” da democracia. Os partidos em causa ignoraram o Zé e a Comissão Nacional de Eleições até lhes deu razão. O Zé, desde que está enfiado no bolso de trás das calças do dr. António Costa, não acerta uma.

15 de Abril – Na Loja do Cidadão de Faro, que o eng. Sócrates considerou "a mais avançada do país", as funcionárias foram proibidas de envergar: saias curtas, decotes, saltos altos, roupa interior escura, gangas e perfumes agressivos.
É questão de gosto e explico porquê. Por mim, dispenso as gangas. Os perfumes, especialmente se "agressivos", também. Mas julgo que o resto da indumentária interdita faria maravilhas pelo relacionamento entre a administração pública e os cidadãos, sobretudo quando as respectivas lojas não cumprem a rapidez que a propaganda anuncia e obrigam os desgraçados a passar horas em pé para requisitar um papel que lhes será entregue meses depois. Embora dependendo de quem estivesse dentro deles, os decotes e as saias reduzidas sempre seriam uma compensação para a parcela masculina do povo em fila. E, quem sabe, talvez os devedores ao fisco aparecessem…
Segundo consta, tal decisão coube à dona Maria Pulquéria ( curioso nome!! ) Lúcio, curiosamente vogal da Agência para a Modernização Administrativa (AMA), uma das dezoito mil instituições estatais que servem a população e, principalmente, a parte da população nelas empregada.
Por curiosidade, consultei o currículo da dona Pulquéria e verifiquei que, antes da tal AMA, a senhora passou pelo PRACE, pelo CRIP, pelo SIAFE, pelo IIAE e pelo BDAP. Não serviu de muito. Sob o entulho "progressista" dos acrónimos, sobreviveu a Pulquéria proverbial, cujo nome é todo um programa e, de brinde, uma metáfora do país oficial e uma lição. Pode-se cobrir Portugal de siglas, Simplex, banda larga, Magalhães, SMS, cruzamento de dados, cartões quinze em um, chips nos cartões, nas matrículas e nas cabeças: mal se remove o verniz "funcional" do "futuro", o mofo do passado, seminarista e mandão, mostra a sua cara. Quem nos quer mudar não muda e, desculpem a rima, a dona Pulquéria não ajuda. Neste país, há sempre algo que não condiz com o resto.

18 de Abril – As prioridades da nossa comunicação social são intrigantes.Um terramoto mata perto de 300 pessoas em Itália e a primeira, e típica, preocupação dos nossos "media" é averiguar se não há portugueses entre as vítimas. A segunda preocupação é entregarem-se ao escândalo por Berlusconi ter pedido aos desalojados que se imaginassem no campismo.
Certamente que é escusado insistir na infelicidade da frase, cujo autor é useiro e vezeiro em trapalhadas semelhantes. Fiquemos pelas calamidades "naturais". Ora, por cá, a revelação de que a gripe do início do ano matou cerca de 1500 criaturas (segundo o Instituto Ricardo Jorge) suscitou ao secretário de Estado da Saúde o seguinte comentário: "a resposta à epidemia foi razoável". Não sei se uma resposta "fraquinha" se teria traduzido em cinco mil mortos, uma resposta "má" em dez mil, e uma resposta péssima na repetição da "espanhola" de 1918. Não sendo sismógrafo ou especialista em saúde pública, também não sei até que ponto as consequências de uma gripe são mais ou menos evitáveis que as consequências dos tremores de terra.
O problema reside no facto de que a mesma imprensa aflitíssima com Berlusconi ignorou generosamente o lapso do secretário de Estado, embora este exprima a indiferença da tutela perante um sistema de Saúde que trata os pobres como bichos e, implicitamente, sugere aos restantes que se curem no "privado" ou na civilização. Além disso, parece-me que 300 ( ainda ) é um número menor que 1500; ainda por cima 1500 portugueses, cuja morte, pelos vistos, só conta se acontecer no estrangeiro.

Nova Aliança, 2 de Maio de 2009

29.4.09

A troca de lugares, a fé dos deputados e Corin Tellado

4 de Abril - O deputado pediu a palavra, ergueu-se da cadeira e declarou:
"Os portugueses não podem confiar num primeiro-ministro que uma vez diz umas coisas e outra vez diz outras. (…) A conclusão a que chegamos é que o senhor não tem jeito para isto. (…) Mas o sr. primeiro-ministro não se vai daqui embora sem falar num último tema. (…) É o caso de um ministro do seu governo que fez uma pressão ilegítima junto de uma estação privada e que conduziu à eliminação de uma voz incómoda para o seu governo. O sr. primeiro-ministro desculpar-me-á, mas quero dizer-lhe com clareza: esse episódio é indigno de um governo democrático, e é um episódio inaceitável. E é uma nódoa que o vai perseguir, porque é uma nódoa que não vai ser apagada facilmente, porque é uma nódoa que fez Portugal regressar aos tempos em que havia condicionamento da liberdade de expressão. E peço-lhe, sr. primeiro-ministro, que resista à tentação do controle da comunicação social. Não vá por aí porque nós cá estaremos para evitar essas tentações."
A data era 14 de Outubro de 2004, dois meses antes de o presidente da República dissolver o Parlamento. O deputado chamava-se José Sócrates Pinto de Sousa e o primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. A gravação do discurso está na Internet e não me canso de a ver e de me rir ao vê-la. Julgo que o leitor entenderá que não é preciso dizer mais nada…
8 de Abril – Os jornais anunciam que Jaime Gama ordenou mudanças no regime de presenças e faltas, mas deputados podem faltar cinco dias sem apresentar justificação. Lido desta maneira, confesso que começamos por pensar tratar-se de um engano. Rapidamente nos desenganamos.
"A palavra do deputado faz fé, não carecendo por isso de comprovativos adicionais". É esta a redacção do ponto sete do novo regime de presenças e faltas dos deputados em plenários, que o presidente da Assembleia da República fez aprovar. Jaime Gama acabou por deixar a possibilidade de os deputados poderem alegar ausência por motivo de doença sem que para isso seja necessária a apresentação de quaisquer justificativos nos primeiros cinco dias. Excepto quando a doença "se prolongue por mais de uma semana". Ou seja, um deputado que falte e que com isso impeça ou prejudique uma votação pode invocar doença sem que tenha que apresentar qualquer tipo de atestado médico.
Existirá melhor exemplo de portugueses de “primeira” e de “segunda”?

12 de Abril - Eu gostaria de ter conhecido María del Socorro Tellado López mas não saberia por onde começar a conversa – se pelos 400 milhões de livros vendidos, se pelo argumento de ‘Aposta Atrevida’, se pelo desprezo que lhe votavam. Ela fez sonhar milhões de leitoras por esse mundo fora. Ela levou-lhes a paixão, o amor, a traição, a felicidade. Corín Tellado morreu anteontem, mas as suas leitoras já tinham morrido há muito. Ela não fazia apenas parte de um mundo de histórias, enredos românticos, casamentos destroçados e sonhos de subúrbio (com erotismo e ascensão social) – ela era esse mundo. Corín Tellado era uma marota. Trouxe para as suas novelas os sonhos de gente irrisória que, de outro modo, não reconheceria as suas próprias histórias. Se a designação ‘light’ assenta em alguém seria, sem dúvida nenhuma, nela que se adaptava como uma luva. A censura franquista proibiu-lhe livros e cortou-lhe muitos capítulos. Vai hoje a enterrar, nas Astúrias.

Nova Aliança, 17 / Abril / 2009

15.4.09

Os nomes das ruas, os trabalhos de casa e o aniversário do Público

18 de Março - Antigamente, dar nome a uma rua pressupunha um feito distinto. Políticos, militares, escritores ou artistas enfeitavam as nossas cidades porque o mérito era coisa séria.
Tudo mudou: num país onde o mérito não existe e a vulgaridade igualitária abunda, quem sobra? Sobram, como muito bem defenderam os autarcas Carlos Encarnação e Moita Flores, duas mulheres vítimas de violência doméstica, que terão os seus nomes a enfeitar a toponímia de Coimbra e Santarém.
No Portugal de 2009, o ‘herói’ não é aquele que comete actos ‘heróicos’. Para se ser ‘herói’, ‘basta’ levar porrada e, de preferência, morrer durante o processo. Parece que, após ouvir na rádio a história de uma mulher assassinada pelo namorado, o dr. Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, decidiu baptizar uma rua da cidade com o nome da falecida. Para não perder a deixa, o dr. Moita-Flores, famoso comentador televisivo e edil, anunciou iniciativa semelhante em Santarém. Ambos os gestos provavelmente indiciam uma moda que, até às "autárquicas", varrerá a nação de norte a sul: imortalizar os alvos de companheiros psicóticos.
As senhoras em questão são exemplos do quê? Do azar? De péssimas escolhas sentimentais? O que rezarão as placas? "Avenida Manuela Pires, Receptora de Tareias Conjugais (1977 - 2009)"? Sim, parece-me bem…
Sei que, se a ideia é transformar os desafortunados em modelos, não há razão para que as vítimas de violência doméstica mereçam mais atenção que as vítimas de violência pública e de incidentes em geral. Urge que outros autarcas com apetites publicitários e fome eleitoral garantam ruas aos mortos em consequência de assaltos à mão armada, acidentes rodoviários, doenças infecto-contagiosas, suicídios, negligência médica e tombos mal dados.

23 de Março - Quem disse que os franceses não são inovadores? Repare-se na polémica do momento em França: faismesdevoirs.com. Está a causar polémica mas é legal. Os alunos franceses já podem comprar os trabalhos escolares na Internet. O website www.faismesdevoirs.com faz os trabalhos por medida e a pedido. Como?
O aluno inscreve-se , abre uma conta, compra um cartão pré-pago, que se vende em pontos de venda na cidade de Paris e é tudo. O website faz o trabalho e envia-o por email ou pelo correio. Três perguntas de matemática custam 5 euros, um ensaio de história, 10 euros, quatro problemas de física, 25 euros e um trabalho de geografia, 30 euros.
O fundador e proprietário do website, Stéphane Boukris, afirmou ao diário Le Parisien que recebeu 20 curricula vitae de professores interessados em trabalhar no website. Boukris informou que paga aos docentes entre 15 e 35 euros por hora de trabalho. Reagindo às críticas, Boukris defende-se: "por cada correcção de um problema, há anotações e comentários que ajudam o aluno a compreender melhor os assuntos".
O ministro da Educação francês diz-se chocado com esta iniciativa, que visa desenvolver o "mercado do menor esforço". Repetez-vous: menor esforço? Só pode soar bem a ouvidos tugas. Aguarda-se a todo o momento o aparecimento por cá de um faz-meoTPC.com para facilitar a vida à estudantada. É só registar o endereço e pôr a render: nada mais simples. Ou deverei dizer simplex?

25 de Março - Felicito o Público pelos seus 19 anos. São lamentáveis os ataques que o jornal tem sofrido nos últimos tempos. Eu também discordo de várias coisas que se escrevem no jornal, e nem por isso deixo de o considerar um espaço de liberdade e de opinião plural. José Manuel Fernandes transformou o Público para melhor, depois das experiências iniciais de Vicente Jorge Silva. Os infames ataques ao director do Público vêem todos do mesmo lado.

O Público tem investigado factos incómodos para o poder socialista. Tal como outros jornais, como o Sol e o Correio da Manhã. Por questões editoriais, outros não o têm feito. Por isso percebo que o PS gostasse mais do Público quando seus os critérios editoriais não colidiam com os seus interesses. Uma imprensa suave e comodista é sempre mais fácil de lidar. Mas por muito que custe ao Partido Socialista, continuará a haver uma imprensa que cumpre o seu papel de watchdog.

O comentário que António Costa acaba teceu na Quadratura do Círculo sobre a maravilha que foi o Público durante os anos Vicente Jorge Silva, por comparação à presente liderança de José Manuel Fernandes, é o exemplo acabado do estado de espírito com que este PS encara a comunicação social e a sua liberdade de expressão. Bons são os que nos são agradáveis; todos os outros são de suspeitar - e, por causa dos efeitos nefastos que a sua intervenção tem no espaço público, deve regular-se com rédea curta toda a actividade jornalística.

Nova Aliança, 9 / Abril / 2009

O cartão da Zon e o 'sal' da Assembleia da República

10 de Março – Como cliente da Zon TV Cabo, um familiar meu recebeu há dias um cartão que lhe concedia uma série de entradas gratuitas nas salas de cinema da Zon Lusomundo. Como não entrava num cinema há anos, pousou o cartão sem tencionar utilizá-lo. Logo a seguir, percebeu que, de qualquer forma, não o poderia, já que o sr. Paulo Branco se queixou à Autoridade da Concorrência (AdC), a qual deu provimento à queixa e suspendeu a iniciativa.

O argumento da AdC evoca o "interesse dos consumidores", naturalmente demasiado obtusos para o descortinarem sozinhos. Sozinho, o consumidor médio acharia melhor ver umas fitas à borla do que pagar cinco ou seis euros por cada uma ou, simplesmente, não sair de casa. Valha-lhe Deus. Por sorte, a AdC tem uma concepção da concorrência muito semelhante à do sr. Paulo Branco, um empreendedor incapaz de manter uma "roulotte" de bifanas sem intervenção do Estado. Enquanto produtor de cinema, são lendárias as capacidades do homem em arrancar dinheiro dos contribuintes a fim de financiar maravilhas de que os contribuintes fogem a sete pés. Enquanto distribuidor, a coisa tem corrido pior ao sr. Branco. As salas que abriu em Santarém faliram. Os cinemas Alvaláxia faliram. O "multiplex" no Freeport de Alcochete faliu. E a prosperidade dos espaços que o visionário vai aguentando aqui e ali talvez se meça pelo desespero das suas reclamações.

Não é que as aptidões reivindicativas do sr. Branco tenham sumido, já que em 2007 ele açambarcou todos os subsídios do Instituto do Cinema e do Audiovisual para apoio da exibição comercial. A maçada é que, na ausência de público, que irresponsavelmente prefere os produtos da Lusomundo e de outros distribuidores, nem os subsídios chegam para que as salas do venerável empresário se sustentem.

É por isso que a decisão da AdC, embora saudável, não é suficiente. Além de forçar os contribuintes a pagar a produção e a exibição dos filmes que o sr. Branco produz ou escolhe, urge forçar os contribuintes a vê-los nos lugares que o sr. Branco disponibiliza para o efeito. E não fica caro: a empresa do sr. Branco até oferece aos clientes um inovador cartão com sessões grátis, de que a AdC não discorda. Só falta convencer os consumidores. Mesmo que a mal, é para o seu bem.


12 de Março - Disse, em tempos, um humorista que os saltos altos tinham sido inventados por uma mulher que já estava farta de ser beijada na testa…
Os sapatos com salto tipo aguilhão, aguçam os olhares da sugestão. Conferem o andar certo para se andar para o sítio certo que as mulheres e homens procuram sempre. Dir-se-ia que é a Natureza em evolução nos costumes. Os saltos altos, prometem altos voos, porque conferem beleza estética ao andar feminino, já de si mesmo, em certas ocasiões, um compasso de espera acelerado.

Vem isto a propósito da preocupação dos nossos distintos deputados com a normalização do sal no pão. Eu proponho que o mesmo espírito seja aplicado aos saltos dos sapatos. Das mulheres, claro que homem algum estaria para levar a vida em cima disto (é certo que há excepções mas essas só confirmam a regra). Repararão Vossas Excelências que estes saltos desgraçam os pés e os ossinhos de quem os usar. Mais, escavacam os tapetes, o soalho e os ouvidos dos vizinhos. De igual modo é de duvidar que se consiga conduzir com eles. Por outro lado e sem entrarmos em grandes análises que nos podem levar para outros assuntos, podeis reparar que os saltinhos bem usados podem arrancar pedacinhos de pele e até olhinhos a um ser mais incauto que seja agredido pela utilizadora dos ditos saltos. São milhares quando não milhões de mulheres que prejudicam a sua saúde e põem em risco os outros por se obstinarem em usar estes saltos. Direis que há outros sapatos à escolha. Pois há, senhores deputados. Mas as mulheres pouco informadas preferem estes. É necessário que Vós acauteleis o pouco discernimentos das fracas cabeças femininas. Multas para os fabricantes e vendedores destes sapatos, sessões de terapia, multas para as contumazes utilizadoras e profundos debates na AR sobre este problema impõem-se. A bem da Nação, viva a Assembleia da República transformada na grande zeladora da nossa saúde.

Nova Aliança, 19 / Março / 2009

O 'Carnaval' de Torres e os números da Caixa

21 de Fevereiro – Este Carnaval ofereceu a todos uma manancial de temas formidável. Paredes de Coura, Torres Vedras, a feira do livro no Porto e a sentença do suborno foram exemplos de algo que pensávamos estar bem afastado das nossas mentes. Infelizmente, não estão.

No Minho, os professores foram obrigados a marchar num desfile carnavalesco por uma DREN que, afinal, já depois de eles terem marchado de luto, veio dizer que não obrigara a nada.

O episódio de Torres Vedras, na verdade, não merece grande gasto de energia, porque proibir que apareça um monitor do computador Magalhães, e logo esse, com a primeira página da pesquisa «Google=mulheres» é coisa de gente demente. O que aprendemos do episódio foi que: a) em Portugal, o Ministério Público tem poderes de censura; b) o Ministério Público pode censurar uma obra sem a ver; c)o Ministério Público pode censurar uma obra sem que o autor se possa defender; d) o Ministério Público pode censurar uma obra sem que a decisão tenha que ser aprovada por um juiz.
Portanto, rimo-nos da história, atribuímo-la ao excesso de zelo de uma senhora de província – já lhe ouvi chamar Dona Pombinha, em memória de uma conhecida figura de telenovela - estacionada no tribunal local. Mas há a queixa, a miserável queixa, a queixa atenta, a denúncia por causa da moral, a queixa virtuosa que vai parar ao tribunal por causa das imagens e por causa do Magalhães a desfilar entre corpos cheios de frio, expostos à «cupidez dos foliões». Portanto, como gente decente, desviamos o olhar e rimo-nos como de costume, dizendo que não tem importância. Não tem. Hoje, é isso que não tem importância. Amanhã, a Justiça, a Justiça que tem tempo para estas minudências, manda encerrar o bom humor e põe a gargantilha depois de alguém fazer queixa por causa de sabe-se lá o quê. E nós, o que faremos?

E o suborno? – o leitor estará a pensar que história será esta que rivaliza em graça com as anteriores – eu explico: trata-se do caso em que um tribunal veio suavizar um caso de suborno, aplicando-lhe uma multa de cinco mil euros e chamando-lhe, reparem bem: “corrupção activa para acto ilícito”. E onde o facto de o réu ter subido na vida “a pulso” valeu mais do que ter dito, explicitamente, em conversa gravada: “Nisto não sou virgem. (…) Conforme faço uma escriturazinha, rapo dois mil euros aqui, 10 mil acolá. (…) Ponho isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices”. Isto sim, é pornografia. Mas dá mais nas vistas da nossa incultura um sexo de mulher num quadro de Courbet apreendido na feira do Porto. Até porque, vá-se lá perceber se o original da obra exposto no Museu d'Orsay em Paris não é, afinal, um instrumento pornográfico ao serviço de uma nova função cultural que os franceses pensaram para o equipamento cultural. Ou, o que dizer então da série recentemente estreada na televisão, que retrata a vida privada de Salazar? Uma sugestão ( trocista, atenção!!!! ): apreende-se o filme, encerra-se como medida cautelar a estação e coloca-se sob termo de identidade e residência os incitadores da devassa.
Este é ainda uma parte do País que se herdou, atrasado e sobretudo sem estrutura alguma de formação e informação. Não se poderia ministrar por aí uns cursos de cultura geral, gratuitos a quem toma essas decisões?


25 de Fevereiro – Se os números anunciados estão correctos, foram registados nos últimos tempos as seguintes entradas e aumentos de capital do Estado na Caixa:

Dezembro de 2007 – 150 milhões; Agosto de 2008 – 400 milhões; Outubro de 2008 – 390 milhões (venda de participações ao Estado); Dezembro de 2008 – 1000 milhões

Fazendo bem as contas, de Dezembro de 2007 até Março de 2009, o contribuinte (eu) enfiou 1940 milhões de euros na Caixa Geral de Depósitos. Recebeu 340 milhões. Faria de Oliveira disse hoje que ia entregar mais 300 milhões. Simpático. É fazer as contas. Já só me está a dever 1300 milhões de euros. 1300 milhões de euros é a dívida da Caixa Geral de Depósitos ao contribuinte português só no último ano e meio. Quase o dobro do buraco total do BPN. Mas é só o senhor Manuel Dias Loureiro quem é chamado a uma comissão parlamentar. Pergunto, não seria melhor para a economia nacionalizar a Caixa?

Nova Aliança, 5 / Março / 2009

27.2.09

A subida "a pulso" do Vara

8 de Fevereiro – A pedido de uns quantos, fui ler o currículo vitae de um tal Armando Martins Vara. A tarefa não me entusiasmava nem me interessava rigorosamente nada. Mas lá entrei na página respectiva: (http://www.millenniumbcp.pt/pubs/pt/grupobcp/quemsomos/orgaossociais/article.jhtml?articleID=217516).
No meio de uma depressão colectiva provocada por uma crise económica e tendo ouvido falar da subida meteórica desse administrador do BCP, procurei informações sobre esse modelo de virtudes do momento nacional que vivemos.
Comecei por ficar desiludido e tentado a pedir ao Millennium que apague a página ou, pelo menos que faça um aviso prévio, o currículo de Armando Vara só deveria ser acessível a maiores de 18 anos. Não, não se trata de nenhuma fotografia mais ousada. A verdade é que receio o colapso rápido do sistema de ensino. Se os estudantes deste país fossem ler o currículo de Armando Vara, dificilmente os seus encarregados de educação conseguiriam convencê-los a pegar num livro. O próprio “Magalhães” ficaria fechado na gaveta.
Muito provavelmente a UNI acordaria amanhã com uma fila de milhares de jovens à porta da universidade entretanto encerrada, para se escreverem no curso de relações internacionais. Aliás, se os jovens seguissem o exemplo de Vara, que não acabou filosofia para tirar relações internacionais e ir para administrador de um bano, haveria uma imensa confusão não só nos mais jovens, mas também no meio dos estudantes universitários. Os estudantes do Técnico mudariam para Literaturas Estrangeiras na esperança de chegarem a astronautas e os de medicina iriam a correr para o ISLA na esperança de virem a ganhar o Nobel da medicina.
E como explicar à malta que as pós-graduações costumam tirar-se depois das licenciaturas? Pois, mas Vara já estava a adivinhar o futuro que ia ter e antes de acabar o curso de relações internacionais em 2005, já tinha concluído uma pós-graduação em gestão empresarial no ISCTE em 2004. Como é bom antecipar problemas para os evitar no futuro. Ainda bem que foi mesmo parar à gestão bancária ou acabaria por ter uma crise de vocações.
Todavia, antes de chegarem à formação académica os nossos jovens terão de ficar a conhecer as funções do coitado, ao saberem que o nosso gestor de sucesso tem de ser vice-presidente do Conselho de Administração da Fundação Millennium bcp, Presidente do Conselho de Administração do Banco de Investimento Imobiliário, SA, vice-Presidente do Conselho de Administração do Banco Millennium bcp Investimento, SA, Gerente da BCP Internacional II, Sociedade Unipessoal, SGPS, Lda,. Gerente da BII Internacional, SGPS, Lda., gerente da VSC - Aluguer de Viaturas sem Condutor, Lda., vice-Presidente do Conselho de Administração do Millennium bcp - Prestação de Serviços, ACE, e, como se isto fosse pouco, ainda tem de dar uns saltos a Moçambique onde é vice-Presidente do Conselho de Administração do BIM - Banco Internacional de Moçambique, SA. Se considerarmos que só no Millennium Armando Vara cuida da rede corporate, da rede empresas, do factoring e leasing, do marketing de empresas, do aprovisionamento, património e segurança, da direcção de comunicação e do desinvestimento de activos. Pois é, depois disto certamente que nem vão querer saber quanto ganha o homem. Nem quererão saber que neste país se consegue ir para administrador do seu maior banco no mesmo ano em que se conclui uma licenciatura numa universidade que foi encerrada pelo actual Governo.
Bem, do mal, o menos, é gestor de um banco privado e a não ser que o Estado tenha que vir a nacionalizar o Millennium o problema é dos seus gestores. Mas mesmo assim acho que deveriam omitir esta página pelos efeitos nefastos que pode ter na nossa juventude. Três questões ficam lançadas: se este homem se transformar no modelo de sucesso do nosso país, fará sentido avançar para a avaliação dos professores, obrigar os nossos jovens a estudar e manter aberta a maioria das nossas universidades?

Nova Aliança, 19 / Fevereiro / 2009

13.2.09

A avaliação e o pretenso relatório da OCDE

28 de Janeiro - Uns senhores que costumam trabalhar para a OCDE fizeram um estudo sobre as políticas educativas. É um relatório de avaliação encomendado e pago pelo Governo. Embora apresentado como “estudo”, ele é antes de mais um relatório. Mas, ao contrário do que fez crer o primeiro-ministro, não é um relatório da OCDE. Mentir é feio, muito feio e a mentira, vinda de alguém com responsabilidades a nível das mais altas hierarquias do estado é mais do que feio, é gravíssimo!
Um parênteses para uma palavra aos Pais e Encarregados de Educação. Pensemos no conceito de escola a tempo inteiro. Será que o que querem para os vossos filhos é que passem cada vez menos tempo com eles?! É isso que desejam realmente?! Sei que se preocupam por terem que trabalhar e não terem onde deixar os vossos filhos, mas é legítimo assumir essa realidade? Não desejariam que este país pudesse regular os horários de trabalho para que pudessem acompanhá-los nos estudos, brincar com eles, conversar, e terem o direito de os ver, muitos de vós sem ser apenas ao fim-de-semana?! Não seria desejável que as políticas educativas pudessem contribuir para estruturar o conceito de família em vez de servir para a destruir? Não será por isso que muitos de vossos filhos se desestruturam afectiva e emocionalmente? Mas não é verdade também que muitos de vós já foram despedidos no final de um contrato a prazo por terem vindo à escola reunir com o Director de Turma?!
É de todo desejável que a Comunidade participe na escola, tenho-o dito vezes sem conta. Há ainda outro aspecto que diz respeito a este relatório - a possibilidade de passar as escolas para as autarquias. É um erro gravíssimo porque deixam de ser os professores, que detêm as competências pedagógicas, a decidir sobre educação e as escolas passam a ser geridas por gestores que pertencem a partidos políticos, que não têm que ter competências na área da educação! Estão a imaginar maior aberração?! Uma escola poder ser gerida por alguém exterior à educação? Conhecem alguém mais competente do que os professores para fazer a gestão de uma escola?
Voltemos ao dito relatório. As fontes documentais são quase todas dos organismos do ME. Os 4 peritos portugueses consultados são todos próximos ou militantes do PS. O documento baseou-se num relatório prévio feito pelo Ministério da Educação. E os 7 municípios ouvidos são todos do PS menos um que é do Major Valentim Loureiro, um independente que gosta de elogiar a ministra da educação. Os peritos internacionais devem ter deixado Portugal a pensar que o país é uma república monopartidária. Ora digam lá: que credibilidade é que este Relatório pode merecer?

Nota 1: os municípios ouvidos foram: Guimarães (PS); Santo Tirso (PS); Amadora (PS); Ourique (PS); Lisboa (PS); Portimão (PS); Gondomar (Independente). Podemos afirmar, sem estarmos enganados, que Valentim Loureiro é o mais socialista de todos os independentes. Os peritos tiveram encontros com diversos parceiros, destacando-se os nomeados Directores Regionais de Educação, entre os quais a sempre disponível Margarida Moreira, da DREN. É impossível não ficar deslumbrado com as reformas do Governo, perante uma tão isenta apreciação crítica.
Depois, os peritos, foram levados a falar com a CONFAP, mas não com a CNIPE. Para o Ministério da Educação, para ouvir os pais, basta reunir com Albino Almeida, que ou deve ter muitos filhos ou então os seus resultados escolares não são famosos, tantos são os anos que leva à frente da Confederação
Os peritos reuniram ainda com as Associações Profissionais ligadas ao Ensino Básico. Foram ouvidos os professores de Inglês, de Educação Física e até do ensino Pré-Escolar. Mas, por algum motivo estranho, não foram ouvidas a Associação de Professores de Português, nem a Associação de Professores de Matemática, nem a Sociedade de Professores de Matemática.
É insólito, se atendermos à importância que estas disciplinas têm no ensino básico.
Afastando os "observadores" internacionais dos "dissidentes", as avaliações e inspecções externas serão sempre muito positivas. Afinal, o envolvimento da OCDE no relatório fica-se pelo prefácio. O Governo, que encomendou o Estudo e escolheu os peritos, convidou também a "Deborah" da OCDE para assinar o prefácio.

Nota 2: Nelson de Carvalho não se recandidata a novo mandato. Perante a dúvida do seu futuro a curto prazo, tenho uma sugestão: preocupado como está com a posição das escolas da cidade no ranking nacional e defensor do actual estado de coisas a nível de educação, que tal regressar à sua antiga escola e integrar a “bolsa” de professores que assegura as “aulas de substituição” aos alunos. Isso sim, seria de mestre…

Nova Aliança, 5 / 2 / 2009

O menino do Ferrari, a vergonha do ministro e a questão israelita

9 de Janeiro - Partiu um Ferrari 599 GTB, num túnel perto de Manchester. Quase só por milagre não se partiu todo ele também: o impacto do embate do bólide contra as barreiras de protecção foi tão violento que toda a parte dianteira ficou destruída e uma roda desprendeu-se, aterrando a 200 metros de distância. Felizmente ileso, Cristiano Ronaldo encolheu os ombros e anunciou de imediato aos jornalistas: "Vou comprar um Bugatti." O avançado do Manchester United já tem um Rolls-Royce, um Bentley Continental, dois Porsches Cayenne e um Porsche 911: segundo os jornalistas da especialidade, o seu parque automóvel está avaliado em três milhões de euros. Pode bem dar-se ao luxo de espatifar um Ferrari. Ou dois ou três. Há uns anos, não muitos, era um menino pobre da Madeira: hoje é um perfeito símbolo da nossa era, consumista no mais alto grau. Ostenta, exibe, acelera, voa baixinho. Usa um Ferrari e deita-o fora.

12 de Janeiro - Augusto Santos Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares ficou escandalizado a respeito da votação de um projecto dos Verdes que suspenderia o tal modelo para a "avaliação" daquela gente que dá aulas nas escolas: “Houve deputados que não hesitaram em votar a favor de um projecto de lei que, a ser aprovado, constituiria uma vergonha para o parlamento democrático português”.
Sim, ele disse aquilo referindo-se ao voto de cento e treze deputados dos Verdes, do PSD, do PCP, do CDS, do BE, de dois não-inscritos ( Luísa Mesquita e José Paulo de Carvalho) e até do PS.
Independentemente do número impressionante de deputados que "não hesitaram", se atreveram à pouca-vergonha daquele voto, o que espanta é aquilo mesmo ter sido dito. Por um ministro.
Um ministro não deve falar dos deputados (e o governo está "sujeito ao" parlamento e não o inverso) naqueles termos. Um ministro digno desse nome, que tenha respeito por si mesmo e pela sua função, tem de respeitar o parlamento.
Num parlamento democrático, a votação livre de deputados e a (quase) aprovação de um documento nunca são uma vergonha para esse parlamento. Pode não ser conveniente para um governo, pode ser uma maçada, pode ser um erro, mas nunca é "uma vergonha" que alguns biltres, subentende-se, "não hesitam", isto é, têm o atrevimento, de votar. É, sim, "uma vergonha" haver um ministro que diga coisas destas.
Eu tenho vergonha deste ministro. Ele também devia ter.

14 de Janeiro - O problema está, efectivamente, na morte de civis. Contrariamente ao Hamas, e aos seus adeptos mais ou menos vocais por várias partes do mundo, o governo israelita distingue os terroristas do grosso da população palestiniana. Mais: o exército israelita é provavelmente o exército no mundo com regras mais estritas no capítulo. Que uma guerra, nestas condições, e com o Hamas usando civis como escudo humano, produza a morte de inocentes, é praticamente inevitável. A questão está, efectivamente, na quantidade dessas mortes. Aqui, a quantidade interessa, e por razões morais. O Hamas (tal como o Hezbollah, que decidiu voltar a entrar agora em cena) não se coloca o problema da morte dos civis israelitas, até porque o seu objectivo é, precisamente, acabar com eles. Para Israel – para o governo de Israel e para os israelitas – a questão é de suma importância. Não por razões de “má imagem”, vale a pena repetir, mas por razões morais. Israel, tentando defender-se, encontra um problema – e um problema que explicitamente reconhece, um problema que é um problema para os israelitas - que os seus adversários não têm. A assimetria é completa. Com quem admitir isto – por outras palavras: com quem admitir o trágico dilema de Israel na sua luta contra o terrorismo e na defesa da vida dos seus cidadãos -, é possível discutir. Com quem se recusar a fazê-lo, francamente, não vale a pena.

Nova Aliança, 23 / 1 / 2009

O que aí vem...

30 de Dezembro – "Se isto fosse um país a sério..." É das expressões que mais tenho ouvido. Em cafés, entre colegas, entre pessoas das mais variadas profissões. Deixa no ar a ideia de que claramente não é. De que não há justiça, de que não há consequências perante as acções. Que se vive num regime de impunidade, onde o crime de facto compensa. É um Portugal no condicional, à condição de nação do futuro do pretérito. Coisa inacabada e sem remédio. O "se isto fosse um país a sério" dá para tudo, para todas as ocasiões. Para criticar a justiça (ou falta dela) no futebol, nos negócios pouco claros, nos processos judiciais por crimes económicos, etc, etc…

Oiço esta expressão da boca de quem, por norma, vive do seu trabalho, e assiste à não efectivação penal dos crimes vindos a público. Há como que uma sensação de frustração social, que revela a tristeza pela ignorância de saber roubar, de só saber trabalhar.


31 de Dezembro - Este ano não vale a pena fazer a tradicional revista do ano. A cada dia que passa, vemos coisas de que não estávamos à espera. Num dia nacionaliza-se um banco, no outro banqueiros prósperos vão de corda ao pescoço às finanças, mais à frente a banca privada recorre a avais do Estado... Políticos de direita e de esquerda citam Keynes ao pequeno-almoço e choram por mais regulação ao deitar. É um tempo em que apenas se espera chegar vivo ao dia seguinte e pouco mais. É por isso que olhar para trás pouco conta.


1 de Janeiro – O que vai acontecer em 2009:
Uma revolta juvenil algures na Europa será interpretada por grandes intelectuais como o rastilho que levará a uma revolta generalizada das classes oprimidas.
Os alunos portugueses continuarão a ter sucesso.
José Sócrates vai anunciar um novo grande projecto industrial que tirará a economia portuguesa da crise.
A TVI descobrirá que esse grande projecto é uma cópia do que tinha sido apresentado há três anos.
José Sócrates anunciará um novo plano de combate à crise.
Os Estados Unidos continurão a tratar os combatentes inimigos à margem da Constituição Americana e da Convenção de Genebra.
A culpa continuará a ser de Bush.
O campeonato de futebol será ganho por um dos três “grandes”.
A União Europeia continuará a sua política unilateralista acobardando-se nas missões militares internacionais.
O Tibete continuará tão esquecido como esteve nos últimos 4 meses de 2008.
Serão anunciados estudos científicos que prevêem grandes catástrofes daqui a 50 ou 100 anos.
A Ministra da Educação continuará a culpar os professores de tudo o que de mal acontece nas escolas.
A energia das ondas será anunciada como a energia do futuro.
O carro eléctrico será anunciado como o carro do futuro.
Vai emergir um novo líder de esquerda que representará a esperança num futuro melhor.
O fracasso dos planos de combate à crise provará a necessidade de mais planos.
A Islândia sairá da crise antes de Portugal.
Haverá uma onda de criminalidade no Verão.
Os candidatos autárquicos começarão a frequentar os cafés e a “misturar-se” com o povo.
O Procurador-Geral da República considerará que determinado tipo de crime é prioritário.
Maria José Morgado será nomeada para um caso importante.

Nova Aliança, 9 /1 / 2009

1.1.09

Nós, os Portugueses

6 de Dezembro – Um dia destes as pessoas não aguentam mais. Tantos sacrifícios infligidos àqueles que pouco ou nada têm – a esmagadora maioria – são insuportáveis. E tanto zelo a proteger os que tudo têm – a escandalosa minoria – é intolerável. Qualquer dia vai tudo raso!
Os cidadãos anónimos começarão a fazer – em público e em coro – perguntas assassinas a um governo de maioria absoluta, que de socialista só tem o nome, e que, na prática, só protege os senhores do dinheiro, sacrificando os que apenas vivem do seu trabalho.
Poderão dizer que é demagogia, mas faz todo o sentido perguntar porque é que seria tão prejudicial para a imagem deste país deixar falir o BPP, um minúsculo e ridículo banco que apenas gere fortunas dos muito ricos – especulando sem freio na bolsa – e já não é prejudicial para essa imagem deixar que fechem as portas dezenas de empresas que nem sequer faliram – algumas fecham tão-só para reduzir os custos das multinacionais – e que, assim, lançam no desemprego e na pobreza vários milhares de trabalhadores?!
Mais: porque é que o Estado saca do dinheiro dos contribuintes para proteger o BPN, banco de vigaristas de alto coturno afogado em burlas de toda a espécie, como se fosse bom para a imagem do país salvar a face de uma instituição corrupta que tem enchido os bolsos de alguns dos mais indignos representantes do chamado «bloco central»?!
Há limites de tolerância para tão flagrantes injustiças e tanto escândalo. Será que ainda não perceberam que o «capitalismo de compinchas» é uma vergonha e está a ruir?

10 de Dezembro - Isto da alta finança é uma coisa complicada. Não é por isso fácil explicar os escândalos financeiros aos portugueses. Felizmente, os portugueses estão familizarizados com um esquema semelhante ao esquema Madoff que era assim como a Segurança Social portuguesa. Os clientes de Madoff eram assim como o jovem de 23 anos que começa a descontar para a segurança social. Primeiro faziam um depósito. Qualquer coisa como os 33% que cada trabalhador desconta para a segurança social por mês. Madoff prometia aos clientes uma rentabilidade de cerca de 10% ao ano. O Estado português promete ao jovem de 23 uma reforma valorizada relativamente ao salário actual a pagar daqui a 42 anos. Madoff usava os depósitos dos novos clientes para pagar juros aos antigos. O Estado português usa as contribuições dos novos contribuintes para pagar reformas aos mais antigos. É tudo. Portanto, os dois esquemas são muito semelhantes. Há apenas uma diferença. Bernard Madoff vai preso. Os políticos portugueses que criaram a Segurança Social fizeram leis que tornam o seu esquema perfeitamente legal.

14 de Dezembro – A Ministra da Saúde não gostou de uma pergunta à sua colega da Educação e ralhou à jornalista. Um jornalista da RTP tentou questionar a ministra da Educação sobre os protestos dos professores. Ana Jorge não gostou e reagiu à pergunta, dizendo-lhe: "O quê? O senhor não sabe o que está combinado? Que hoje só pode fazer perguntas sobre esta cerimónia e sobre o plano de combate à sida nas escolas? Ainda por cima é a RTP, a televisão pública, a fazer uma coisa destas. E, depois, logo à noite, não sai a reportagem."
Este episódio é de tal modo esclarecedor sobre o actual estado de coisa que me abstenho de fazer qualquer comentário.
16 de Dezembro - "O problema da violência na escola tem uma explicação raramente focada. Nos anos 1950, quando apenas 13% dos jovens permanecia na escola após a 4ª classe, a cultura que se vivia no então chamado ensino secundário - do actual 5º ao 12º anos - era semelhante à que reinava nas famílias. A mortalidade escolar encarregava-se de libertar as escolas dos filhos dos pobres. Tanto os pais como os professores pertenciam à mesma classe. (...) Era fácil ser-se pai e docente. Nas décadas de 1970 e 1980, os adolescentes passaram a contestar com crescente virulência, a autoridade. (...) A indisciplina tornou-se a nota dominante. Hoje, quem carece de estímulo à auto-estima, não são os meninos, mas os adultos. (…) Não vejo uma solução fácil para o problema [a violência na escola moderna]. A esquerda continua a defender que as crianças são como as flores; a direita que tudo se resolve com um par de bofetadas. (...) Muitas das crianças que hoje frequentam a escolaridade obrigatória não são capazes de estar sentadas durante mais de quinze minutos; não suportam um revés, sem se insubordinarem; provêm de um mundo de tal forma esquálido que o esforço que o estudo exige se lhes parece inútil. O reconhecimento de que parte da violência escolar tem causas de natureza social não me leva a ser complacente com o mau comportamento nas escolas de aula. Vítimas, ou não, os alunos devem ser julgados pelos seus actos, não pelos seus traumas.”

Maria Filomena Mónica, "Nós, os Portugueses", Quasi Edições, 2008 (página 66).

Nova Aliança, 26 / Dezembro / 2008

O Zé e a educação 'kafkiana'

26 de Novembro - O ministro português Fernando Teixeira dos Santos é considerado pelo jornal britânico "Financial Times" (FT) como o pior ministro das Finanças entre os 19 países da União Europeia (UE) analisados. Logo ele de quem dizem que salvou o país da recessão. O fraco desempenho da economia nacional e o baixo perfil europeu justificam a escolha. O melhor é o finlandês.

4 de Dezembro – Conhecem-no certamente. José Sá Fernandes é o responsável pelo facto de os lisboetas terem ficado privados durante muito tempo do túnel do Marquês. Num país a sério, o senhor teria sido responsabilizado criminalmente pelo facto. Era a velocidade no interior, era a altura, era o nível de inclinação e, como podemos verificar diariamente, tudo está mal e os acidentes “sucedem-se”.
Por sua responsabilidade, o túnel foi embargado levando a horas intermináveis de espera por parte dos automobilistas, não falando já no prejuízo do comércio da zona. Esse episódio foi apenas mais um onde a personagem se vangloriava de se colocar sempre ao lado do cidadão, assumindo mesmo o epíteto de “consciência crítica” da cidade. Era a época do slogan “O Zé Faz Falta!”.
Curiosamente, o balão cívico esvaziou e uma piscadela de olho socialista fê-lo desaparecer da circulação. Enfim, nem tanto… o sujeito propôs, na semana passada, um "corredor pedonal e ciclável na terceira travessia do Tejo". No texto da proposta, Sá Fernandes lamenta que as actuais pontes não tenham uma ciclovia. É, de facto, injusto que os almadenses não possam vir de bicicleta para Lisboa. O facto da ponte sobre o Tejo estar a 70 metros de altura e só um pormenor. É verdade que, em dias de algum vento, a travessia é proibida a motas com menos de 125cc. Mas isso não é nada que não se resolvesse com um pouco de lastro nas bicicletas.
E se os políticos de outros tempos tivessem a visão de Sá Fernandes teriam permitido que os almadenses fizessem a viagem para Lisboa de bicicleta na ponte Vasco da Gama. São só 17 quilómetros. O suficiente para o triatlo.
Seja como for a ideia de permitir ciclistas na nova ponte Chelas-Barreiro é mais uma inovação digna de registo. É o Zé no seu melhor. Seis ou sete quilómetros a mais de quarenta metros de altura. Vamos a isso, Zé. Tu vais à frente.




5 de Dezembro - A ministra da Educação vivia no melhor dos mundos. As escolas rebentavam pelas costuras com a pressão burocrática que sobre elas tem sido exercida. Os apelos à suspensão de um modelo que parece ter sido importado da lógica de funcionamento do castelo kafkiano multiplicam¬ se pelo país. A ministra vem confessar que afinal há alguns acertos a fazer, bem, não são só as tais duas folhinhas apregoadas... A leitura atenta da legislação implicada neste processo vem desmentir a falácia dos responsáveis ministeriais, quando alegam que a possibilidade de reduzir a dimensão burocrática do processo está ao alcance das escolas. Não está, pois ela deriva em exclusivo daquilo que é imposto por todo o material legislativo que foi despejado sobre as escolas. Ignorar isso parece mais um sinal de que os responsáveis ministeriais desconhecem as leis que eles mesmo assinaram.
Perante um sistema que obriga a gastar cerca de dois dias de trabalho de uma escola para avaliar cada professor, parece justo aplicar o termo de hipertelia ao monstro avaliativo do ministério. Este conceito parte da noção de finalidade (telos) para se referir à lógica que determina o movimento de um sistema para além de todo o propósito racional. O sistema procura, assim, legitimar a sua existência através de uma reprodução infinita, destituída de qualquer finalidade externa a si; toda a sua energia é gasta para o manter em funcionamento, o que pode ser comparado à proliferação enlouquecida das células cancerosas. É, pois, para o estado de saturação inerte que a situação das escolas portuguesas está a ser empurrada.
Isilda Jana (IJ) respondeu a um pedido do seu chefe e vem defender a ministra. Não sei de que escola se lembra IJ mas eu lembro-me que a escola de IJ era uma escola de animação, hoje é uma escola de burocracia; era como um bosque mediterrânico, hoje é uma floresta negra cheia de impressos para preencher; era uma escola sem memória, hoje é uma escola que não esquece aquilo que é feito para a tornar pior. E o homem, como diz o poeta galego Ramiro Fonte, “entre outras moitas consideracións, é um ser memorioso que necessita crear lembranzas para valerse na súa vida.[…] Porque a memoria é como a auga, foxe das nosas mans”. Há coisas que não deviam fugir-nos das mãos.

Nova Aliança, 11 / Dezembro / 2008