19.11.07

A Ota, o Estatuto dos alunos e as 'vistas de olhos' nos relatórios

31 de Outubro - Segundo o estudo da CIP, Alcochete é uma localização mais competitiva do que a Ota, para o novo aeroporto de Lisboa.

Entre outras coisas e de acordo com aquilo que foi noticiado, o estudo conclui que "os custos mais baixos de Alcochete têm uma enorme vantagem competitiva que os decisores políticos não podem ignorar: por serem mais baixos, esses custos de construção e instalação do novo aeroporto de Lisboa permitirão taxas muito mais baratas e uma competitividade internacional de tal modo superior à da Ota que não poderá ser desaproveitada".

Os desertos também podem ser competitivos.....
2 de Novembro - Gosto da solução encontrada pela Ministra da Educação para o absentismo. Aluno que falta tem que fazer uma prova de recuperação e poderá ser obrigado a ficar mais tempo de castigo na escola. Isto se não faltar à prova de recuperação e ao castigo, claro. Parece que a pena para faltar à prova de recuperação e ao castigo é uma prova de recuperação e tempo de castigo na escola. Isto se não faltar à prova de recuperação e ao castigo, claro. Se faltar tem que fazer uma prova de recuperação e poderá ser obrigado a ficar mais tempo de castigo na escola. Se não faltar. Mas se faltar, castigo e prova de recuperação ...

3 de Novembro - Do Diário Digital: «Programa Risco Zero
MAI estuda sistema diferenciação entre bons e maus condutores
Risco Zero é o nome do programa, já entregue e a ser alvo de análise do Ministério da Administração Interna (MAI), que visa reduzir a sinistralidade rodoviária, através da atribuição aos condutores de um de três dísticos (verde, amarelo e vermelho), segundo o número de acidentes que já tenham provocado.»

Por exemplo escolas, hospitais, segurança social... passariam a ostentar «um de três dísticos (verde, amarelo e vermelho)» consoante cumprissem os seus objectivos. Podia assim aplicar-se esta sinalética na qualidade dos serviços…

5 de Novembro - Futuro anúncio do Ministério da Educação:
" És jovem? Queres farra? Não queres responsabilidades? Queres uma vida boa sem obrigação de cumprir horários?
Então este anúncio é para ti:
inscreve-te na escola mais próxima e junta-te à malta, vem fazer parte deste enorme grupo de borga que são as escolas e os alunos!!
Não hesites, tens um ESTATUTO."

Adendas ao Estatuto:
1. Os alunos deverão estar na aula de bonés, barretes ou gorros enfiados nas respectivas cabeças, se não, as ideias fogem-lhes e lá temos mais insucesso.

2. Os alunos poderão - melhor, deverão - durante as aulas, ouvir música nos respectivos mp-3, bem como escrever mensagens ou atender os seus telemóveis sempre que queiram. O contrário seria não entender a importância do «choque tecnológico».

3. Sempre que um aluno estiver a perturbar a aula, o professor terá de tomar uma atitude drástica, em vez de ignorar a situação, como tantos fazem: o professor deverá, pois, repreender-se a si mesmo, marcar-se falta de castigo e abandonar de imediato a sala.

4. De agora em diante, o castigo a ser aplicado aos alunos é, nos casos mais graves, três semanas de suspensão: porque quem se porta mal precisa de um tempo para descansar; quanto às faltas, como se sabe, justificadas ou não, deixarão de contar para a reprovação.

6 de Novembro - O Sr. Ministro Mário Lino "ainda não teve tempo de ler o estudo" da CIP sobre o novo aeroporto de Lisboa.
Mas já assegurou que lhe dará "uma vista de olhos".
Aliás, o Sr. Ministro recebe todos os dias muitos estudos.
Obviamente, não tem tempo para os ler.
Será que o Sr. Ministro também terá dado "uma vista de olhos" naqueles estudos irrefutáveis sobre a OTA?

7 de Novembro - O Ministro Mário Lino disse que iria dar uma vista de olhos no estudo da CIP sobre o aeroporto de Alcochete. Uma vista olhos deve ser uma boa meia hora a ler na diagonal. Como a CIP alega saber como se podem poupar 3 mil milhões de euros ao Estado, este dado permite-nos calcular qual deveria ser o salário justo de Mário Lino. Vamos partir do princípio de que o estudo da CIP tem 10% de probabilidades de estar correcto*. Trata-se de uma estimativa conservadora. Isto significa que podemos estimar que a leitura do relatório da CIP poderá representar uma poupança provável de 3 000 000 000 * 0.1 = 300 000 000. Como meia hora é tudo quanto Mário Lino consegue dispensar a este assunto, devemos concluir que ele tem coisas mais importantes para fazer. Coisas que poupariam ao Estado pelo menos cerca de 300 milhões de euros por cada meia hora de trabalho. O salário justo do ministro é portanto pelo menos 300 milhões de euros por cada meia hora de trabalho. O que dá 4 800 milhões de euros por dia e cerca de 96 mil milhões de euros por mês.

* isto é, Mário Lino tem boas razões para considerar que deve atribuir uma probabilidade de 10% à possibilidade de o estudo da CIP estar certo.

Nova Aliança, 15 / 11 / 2007

4.11.07

O filho pródigo, o "rigor" de Constâncio e o legado de Amália

17 de Outubro - Aparentemente sem surpresa, o país descobriu que o BCP violou regras bancárias e favoreceu accionistas, entre eles um filho de Jardim Gonçalves. Os casos conhecidos reportam a 2004. Como o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras está em vigor desde 1993, os eventuais ilícitos caem sob a sua alçada. O que é que aconteceu? Quanto se sabe, o BCP perdoou uma dívida de doze milhões de euros a uma empresa de Filipe Vasconcelos Jardim Gonçalves, e outra dívida de quinze milhões de euros ao accionista Goes Ferreira, que se viu dispensado de pagar os juros do empréstimo contraído para comprar acções nos aumentos de capital de 2000 e 2001. Nos dois casos, o perdão da dívida foi avalizado por Filipe Pinhal, actual CEO, bem como por Alípio Dias, administrador apontado como hipotético sucessor de Jardim Gonçalves. Em todo o caso, o banco não teve a mesma benevolência com accionistas que empataram economias modestas ou contraíram pequenos empréstimos para (induzidos pelo banco) comprarem acções nos referidos aumentos de capital. É bem verdade que o respeito se mede em milhões. A ver vamos o que a CMVM e o Banco de Portugal dizem do tratamento desigual entre accionistas. Joe Berardo e Pedro Teixeira Duarte são dois dos que estão à espera para decidir se avançam com uma queixa. E o imbróglio não fica por aqui. Sabe-se que o BCP também perdoou quase por inteiro uma dívida de 40 milhões de euros de José Jorge Valério, um dos fundadores do banco. Pode ser que tudo isto tenha vindo à tona em consequência da guerra pelo controlo do BCP. Pode ser que seja só isso. E pode ser ainda que a procissão ainda vá no adro. Uma zanga entre banqueiros de Deus tem sempre este efeito letal.

18 de Outubro - Para além da habilidade administrativa, graças ao PS, cada assessor passará a receber, sensivelmente, mais 1400 Euros/mês do que no tempo de Carmona Rodrigues. Na prática, na actual gestão do PS na CML, cada assessor tem um valor mensal (mínimo) próximo dos 4 000 Euros.
Temos, de novo, o PS no seu melhor. Nas despesas não se toca. Só se aumenta. A proposta do PS teve a santa anuência do PCP, PSD e da Helena Roseta. O Zé votou contra.
Outro aspecto curioso é o número de assessores nos Gabinetes dos Vereadores do PS. Mantêm o número de assessores aprovado na Proposta mas estão a requisitar técnicos aos Serviços autárquicos, esvaziando os respectivos Serviços de pessoal qualificado. Oficialmente os técnicos continuam afectos aos Serviços mas, no dia a dia, estão nos Gabinetes dos senhores Vereadores.

19 de Outubro – Infelizmente o senhor Constâncio do Banco de Portugal não muda. Ontem declarou que não o preocupa a subida da despesa pública, apenas está preocupado com o défice. Outros tempos, outro governo, outras exigências, não é senhor governador? A subida sustentada da carga fiscal é um peso para as famílias e uma das razões que atrasará a retoma da economia. Longe vão os tempos em que o senhor Constâncio, cheio de rigor, ”anunciava” o défice que este governo herdaria. Hoje em dia já não “convém” voltar a medir com os mesmos critérios o défice real, sem estradas e hospitais de fora e, já agora, os salários dos funcionários, públicos e não só, sem as receitas extraordinárias como as que provém da concessão das barragens à EDP por mais vinte anos e por aí adiante.

22 de Outubro - O despacho do Primeiro-Ministro que considera a Fundação Amália Rodrigues "pessoa colectiva de utilidade pública" na condição de "comprovar a regular constituição dos orgãos sociais e a inexistência de dívidas fiscais à Segurança Social e de entregar a documentação legalmente exigível" revela uma filosofia aterradora na gestão dos prémios da coisa pública.
A partir de agora, o acesso às isenções fiscais que a utilidade pública confere não obriga a nada. Basta não cometer ilegalidades; pior, podem-se cometer ilegalidades, desde que estas sejam sanadas num prazo razoável.
Dificilmente poderia conceber uma instituição que merecesse menos este reconhecimento. Conhece-se a história da Fundação Amália Rodrigues. O advogado, nomeado por Amália executor testamentário, auto-proclama-se presidente vitalício da fundação logo após a morte da fadista e estabelece estatutariamente que lhe sucede o filho, à época estudante, também vitaliciamente.
A verdade é que a Casa do Artista nunca recebeu um cêntimo, não há obras de caridade apoiadas e o espólio de Amália Rodrigues está por clarificar. A única obra visível desta fundação é a abertura da Casa-Museu e, segundo notícia do Correio da Manhã, uma dívida de 2,3 milhões de euros ao fisco.
Se exceptuarmos o advogado e o seu filho, que podem ser considerados como público, dificilmente se poderão encontrar características de "utilidade pública" nesta trapalhada.
Não parece ser este o entendimento do primeiro-ministro, que premeia a coisa com honrarias e isenções fiscais. E a pressa é tão grande que nem pede à fundação que formalize a candidatura entregando a documentação e fazendo prova de não ter dívidas. Pelo contrário, concede-lhe os privilégios a crédito, tipo "isente-se agora e mostre depois que é merecedor". Aguardo o próximo episódio.

Nova Aliança, 2 / 11 / 2007