20.9.06

Rothschild, os incêndios e o Líbano

1.Existirão limites para a interpretação? Uma boa informação será tudo o que importa? Deixem-me contar-vos a história do banqueiro Rothschild. Ao fim do dia 18 de Junho de 1815, alguém lançou um pombo-correio de Waterloo. A ave levava a primeira notícia entretanto chegada a Londres sobre o destino da Europa e aterrou nas mãos do dono, Nathan Rothschild, banqueiro e jogador na Bolsa. E foi para lá que ele entretanto se dirigiu. Encostado a uma coluna, enviou pequenos gestos tácitos aos seus empregados: “Vendam”. Eles puseram-se a vender títulos a uma velocidade tal que rapidamente a Bolsa inteira suspeitou: “Rothschild sabe!”, “Rothschild sabe!”. A notícia propagou-se como um rastilho, Napoleão tinha ganho e Wellington tinha perdido. Por isso, toda a gente se pôs a vender. Nesta confusão, ninguém reparou num “pequeno” gesto e numa mudança de ordem. “Comprem”, disse Rothschild aos empregados. Em poucos minutos, multiplicou por vinte vezes a sua fortuna e a economia da Grã-Bretanha passaria a estar nas mãos da sua família.
Lembrei-me desta história ao ouvir o ministro dos fogos, António Costa, todo ufano na televisão, que este ano é que era, o total da área de terreno entretanto ardida era a menor dos últimos anos, tinham sido feitos estudos, havia mais dinheiro, os bombeiros estavam melhor equipados, a consciência cívica era diferente, tinha havido “uma boa detecção e intervenção no controlo das ignições”, etc, etc. “Rothschild sabe!”, lembram-se? Esta atitude assemelhava-se à de um treinador de uma equipa de futebol que se congratula por não ter sofrido ainda qualquer golo aos dez minutos de jogo. Lançar foguetes antes da festa nunca dá bons resultados. Afinal de contas, estávamos a 5 de Julho. Esse estado ufano e prazenteiro durou pouco. Poucos dias depois, o avião russo Beriev quase se estatelava e, ironicamente, causou incêndios na subsequente operação de emergência, cinco bombeiros chilenos e um português morriam, as temperaturas subiam, os bombeiros queixavam-se da falta de meios, não havia meio de chegar novo material prometido desde Maio, etc, etc. O ministro mudou então de discurso: pois as temperaturas não se podiam controlar ( como se 40 graus fosse estranho em Agosto ), pois os fornecedores não tinham cumprido os prazos, pois os portugueses são uns malandros porque não limpam as matas, pois os populares são uns desleixados, pois… Sinceramente, senti pena do sujeito. Quando a jornalista da TVI lhe perguntou no meio de um incêndio de um matagal do Estado em Oliveira de Frades por que razão esse mesmo Estado não limpa as matas de que é proprietário, nem autoriza as autarquias a fazê-lo, ele respondeu que não estava ali para responder a isso. “Rothschild sabe!” Uma pergunta feita no momento oportuno deitou por terra várias horas de propaganda.

2. Existirão limites para a interpretação? Como se viu atrás, a guerra tem muitos defeitos mas sempre deu, além de excelentes romances, bons negócios. O do petróleo, por exemplo. Sabendo que no conflito em questão ninguém está isento de culpas, o primeiro-ministro libanês chorou numa reunião da Liga Árabe ao condenar um novo “massacre” de 40 civis por um bombardeamento israelita em Houala. Veja-se o vocabulário utilizado: 40 ( número redondo ), civis ( e não terroristas ), em Houala ( e não numa qualquer aldeia vizinha ). Quando acabou os soluços, o líder libanês reconheceu que, afinal, só tinha morrido uma pessoa no ataque.
Há poucos dias, a agência de notícias Reuters teve de denunciar um fotógrafo seu que tinha manipulado imagens das consequências de bombardeamentos israelitas, para as tornar mais chocantes. Outro funcionário da agência tornou-se notícia por enviar mails ameaçadores ao responsável de um site pró-israelita. “Anseio pelo dia em que vos cortem as gargantas”, era a “delicada” e “agradável” mensagem.
Nos nossos jornais, são relatados todos os dias os mortos do conflito. Os israelitas, de um lado, são divididos entre militares e civis. Os do Líbano, do outro lado, são simplesmente civis. Procurando limites para a interpretação, somos levados a concluir uma de duas coisas: ou os soldados de Israel são tão incompetentes que não conseguiram acertar num único terrorista ou então que o Hezbollah não distingue entre civis e combatentes.

Nova Aliança, 31 / 7 2006

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