4.11.07

O filho pródigo, o "rigor" de Constâncio e o legado de Amália

17 de Outubro - Aparentemente sem surpresa, o país descobriu que o BCP violou regras bancárias e favoreceu accionistas, entre eles um filho de Jardim Gonçalves. Os casos conhecidos reportam a 2004. Como o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras está em vigor desde 1993, os eventuais ilícitos caem sob a sua alçada. O que é que aconteceu? Quanto se sabe, o BCP perdoou uma dívida de doze milhões de euros a uma empresa de Filipe Vasconcelos Jardim Gonçalves, e outra dívida de quinze milhões de euros ao accionista Goes Ferreira, que se viu dispensado de pagar os juros do empréstimo contraído para comprar acções nos aumentos de capital de 2000 e 2001. Nos dois casos, o perdão da dívida foi avalizado por Filipe Pinhal, actual CEO, bem como por Alípio Dias, administrador apontado como hipotético sucessor de Jardim Gonçalves. Em todo o caso, o banco não teve a mesma benevolência com accionistas que empataram economias modestas ou contraíram pequenos empréstimos para (induzidos pelo banco) comprarem acções nos referidos aumentos de capital. É bem verdade que o respeito se mede em milhões. A ver vamos o que a CMVM e o Banco de Portugal dizem do tratamento desigual entre accionistas. Joe Berardo e Pedro Teixeira Duarte são dois dos que estão à espera para decidir se avançam com uma queixa. E o imbróglio não fica por aqui. Sabe-se que o BCP também perdoou quase por inteiro uma dívida de 40 milhões de euros de José Jorge Valério, um dos fundadores do banco. Pode ser que tudo isto tenha vindo à tona em consequência da guerra pelo controlo do BCP. Pode ser que seja só isso. E pode ser ainda que a procissão ainda vá no adro. Uma zanga entre banqueiros de Deus tem sempre este efeito letal.

18 de Outubro - Para além da habilidade administrativa, graças ao PS, cada assessor passará a receber, sensivelmente, mais 1400 Euros/mês do que no tempo de Carmona Rodrigues. Na prática, na actual gestão do PS na CML, cada assessor tem um valor mensal (mínimo) próximo dos 4 000 Euros.
Temos, de novo, o PS no seu melhor. Nas despesas não se toca. Só se aumenta. A proposta do PS teve a santa anuência do PCP, PSD e da Helena Roseta. O Zé votou contra.
Outro aspecto curioso é o número de assessores nos Gabinetes dos Vereadores do PS. Mantêm o número de assessores aprovado na Proposta mas estão a requisitar técnicos aos Serviços autárquicos, esvaziando os respectivos Serviços de pessoal qualificado. Oficialmente os técnicos continuam afectos aos Serviços mas, no dia a dia, estão nos Gabinetes dos senhores Vereadores.

19 de Outubro – Infelizmente o senhor Constâncio do Banco de Portugal não muda. Ontem declarou que não o preocupa a subida da despesa pública, apenas está preocupado com o défice. Outros tempos, outro governo, outras exigências, não é senhor governador? A subida sustentada da carga fiscal é um peso para as famílias e uma das razões que atrasará a retoma da economia. Longe vão os tempos em que o senhor Constâncio, cheio de rigor, ”anunciava” o défice que este governo herdaria. Hoje em dia já não “convém” voltar a medir com os mesmos critérios o défice real, sem estradas e hospitais de fora e, já agora, os salários dos funcionários, públicos e não só, sem as receitas extraordinárias como as que provém da concessão das barragens à EDP por mais vinte anos e por aí adiante.

22 de Outubro - O despacho do Primeiro-Ministro que considera a Fundação Amália Rodrigues "pessoa colectiva de utilidade pública" na condição de "comprovar a regular constituição dos orgãos sociais e a inexistência de dívidas fiscais à Segurança Social e de entregar a documentação legalmente exigível" revela uma filosofia aterradora na gestão dos prémios da coisa pública.
A partir de agora, o acesso às isenções fiscais que a utilidade pública confere não obriga a nada. Basta não cometer ilegalidades; pior, podem-se cometer ilegalidades, desde que estas sejam sanadas num prazo razoável.
Dificilmente poderia conceber uma instituição que merecesse menos este reconhecimento. Conhece-se a história da Fundação Amália Rodrigues. O advogado, nomeado por Amália executor testamentário, auto-proclama-se presidente vitalício da fundação logo após a morte da fadista e estabelece estatutariamente que lhe sucede o filho, à época estudante, também vitaliciamente.
A verdade é que a Casa do Artista nunca recebeu um cêntimo, não há obras de caridade apoiadas e o espólio de Amália Rodrigues está por clarificar. A única obra visível desta fundação é a abertura da Casa-Museu e, segundo notícia do Correio da Manhã, uma dívida de 2,3 milhões de euros ao fisco.
Se exceptuarmos o advogado e o seu filho, que podem ser considerados como público, dificilmente se poderão encontrar características de "utilidade pública" nesta trapalhada.
Não parece ser este o entendimento do primeiro-ministro, que premeia a coisa com honrarias e isenções fiscais. E a pressa é tão grande que nem pede à fundação que formalize a candidatura entregando a documentação e fazendo prova de não ter dívidas. Pelo contrário, concede-lhe os privilégios a crédito, tipo "isente-se agora e mostre depois que é merecedor". Aguardo o próximo episódio.

Nova Aliança, 2 / 11 / 2007

Sem comentários: