20.2.15

Figo e Mrs. Geraldine McEwan

2 de fevereiro – Não há nada a fazer. Nós somos mesmo assim. Só o nosso parolismo nacional em matérias de futebol pode ter levado alguns governantes a declarar o apoio a Luís Figo na sua candidatura à presidência da FIFA. Luís Marques Guedes afirmou publicamente que seria “uma honra para o nosso país poder ter Luís Figo à frente da presidência da FIFA”, que a “posição do Governo sobre essa candidatura é óbvia” e que Figo seria “sempre apoiado, de acordo com os seus meios, pelo Governo de Portugal”. Com o tempo deveríamos ir aprendendo algumas coisas e eu espero muito sinceramente que não haja um cêntimo de dinheiro dos contribuintes envolvido na promoção desta candidatura – e, se houver, que isso seja denunciado. Ter Luís Figo a concorrer à presidência da FIFA não é honra nenhuma para Portugal, e a posição do Governo nesta matéria, ao contrário do que diz Marques Guedes, é tudo menos óbvia. Nós não podemos continuar a viver num país onde as pessoas são apanhadas em manobras de ética altamente duvidosa e fingimos que nada aconteceu, só porque há um senhor que em tempos fez fintas incríveis na ala direita da selecção nacional. Luís Figo foi um futebolista admirável, sem dúvida alguma, mas o talento que ele tinha para os pontapés na bola esteve longe de ser acompanhado por uma postura fora do campo acima de quaisquer suspeitas. Os problemas começaram logo no início da carreira, ao assinar contratos com o Benfica ( onde nunca jogou ) e, em simultâneo, com o Parma e com a Juventus, punidos com a proibição de se transferir para Itália durante dois anos ( foi assim que Figo acabou no Barcelona ), e continuaram já no fim da carreira, no seu muito mal explicado envolvimento no caso Taguspark. Por o Ministério Público ter concluído que ele desconhecia que a empresa com que em Agosto de 2009 celebrou contrato era detida por capitais públicos, Figo nunca chegou a ir a tribunal, mas as explicações que deu para a coincidência temporal entre a assinatura do acordo milionário com o Taguspark, a entrevista surreal ao Diário Económico onde louvava “a energia de José Sócrates” (e que terá sido enviada pelo assessor do jogador a Rui Pedro Soares, na véspera da sua publicação, a 7 de Agosto de 2009), e ainda o pequeno-almoço de apoio dois dias antes das eleições legislativas de Setembro de 2009 nunca foram particularmente convincentes. Luís Figo vendeu os seus direitos de imagem ao Taguspark por 750 mil euros, em troca de uns vídeos para a promoção internacional do parque tecnológico de Oeiras, e logo foi acometido por um súbito amor a Sócrates. Falando como testemunha no julgamento do caso, o antigo jogador afirmou não ter de se pronunciar acerca de “coincidências” e que apenas se limitou, enquanto “cidadão”, a aceder a uma proposta da campanha do antigo primeiro-ministro. Campanha essa que começou por o tentar convencer a aparecer a “correr ao lado” de Sócrates, tendo Figo optado por um mais “discreto” pequeno-almoço – que de “discreto”, como todos sabemos, não teve nada, a começar pelo preço: 150 euros. Perante este currículo, compreender-se-á com certeza não ser Luís Figo a pessoa mais indicada para andar a criticar, com um ar muito indignado, os casos duvidosos em que o senhor Blatter e o organismo a que ele preside estão envolvidos. No vídeo de apresentação de candidatura, o antigo jogador português afirma: “Olho para a reputação da FIFA e não gosto do que vejo. O futebol merece melhor.” Substitua-se FIFA por Figo e a frase continua verdadeira. O futebol merece mesmo muito melhor. 5 de fevereiro – O tempo não volta atrás e Mrs. Geraldine McEwan morreu aos 82 anos. Todavia, não foi com esse nome que a registaram às portas do Além, na sexta-feira passada – e sim como Jane Marple, mais conhecida por Miss Marple, uma velhinha solteirona de St. Mary Mead, simpática aldeia do Hampshire britânico. Embora tivesse representado Shakespeare ao lado de Lawrence Olivier (ou Kenneth Branagh), Geraldine foi, sobretudo, o rosto da personagem de Agatha Christie nas derradeiras séries de TV (2004 a 2009) – mais do que as anteriores Margaret Rutherford ou Joan Hickson. Porquê? Pelo toque de malícia que emprestou a Miss Marple, tornando-a mais credível e humana. Ela explicou-o numa entrevista, já viúva e retirada dos palcos: "Pareço uma senhora inglesa, mas gosto muito de lingerie, ligas e perucas...". Exatamente como Miss Marple merecia. Nova Aliança 19 / fevereiro / 2015

Sem comentários: