25.1.06

Os Inquéritos em Portugal

Qual a finalidade dos inquéritos em Portugal? Esta é realmente uma boa pergunta mas duvido que existam duas respostas verdadeiras. Levi, dois anos, morreu em Maio de 2005 por negligência da mãe na sequência de uma decisão do Tribunal de Menores que decretava a entrega “gradual” da criança ao pai; Vanessa, cinco anos, morreu no mesmo mês, queimada viva pelo pai e pela avó, enquanto a mãe se queixava de burocracia em burocracia; Daniel, seis anos, surdo mudo e com diversas outras deficiências, morreu em Setembro, espancado até à morte pelo padrasto, depois de ter passado por três hospitais de Lisboa, sem que alguém denunciasse a situação; Joana, dez anos, morreu em Setembro de 2004, assassinada pela mãe e pelo tio; Catarina, dois anos e meio, morreu em Outubro de 2003, devido a torturas praticadas por uma tia e pelo pai, ao qual fora devolvida pela Comissão de Protecção de Menores…
Os exemplos podiam continuar até ao final deste texto e no momento em que escrevo se sabe ainda se Fátima Letícia, a bebé que encontrou em coma depois de ter sido barbaramente agredida pelos pais, sobreviverá. Certo, certo é que ficará com lesões neurológicas irreversíveis. No meio de tudo isto existem os tais inquéritos dos inquéritos dos inquéritos… Como compreender então a frase de Armando Leandro, presidente da chamada Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco segundo a qual “ a comissão agiu bem ao fazer tudo para que o bebé se mantivesse no seu seio natural de vida”. Eis o primeiro “azar” de Fátima Letícia: manter-se no seu “meio natural de vida”… Ele próprio explicava que “desta vez, o sistema até funcionou, porque houve uma avó que tentou estar sempre presente e se preocupou, tendo denunciado tudo o que se passou”. Foi o segundo “azar” da criança, o sistema ter funcionado.
Vejamos o funcionamento do sistema: entre 4 de Novembro e 9 de Dezembro, a bebé esteve internada três vezes no Hospital de S. Teotónio em Viseu, a 12 de Novembro, na segunda hospitalização, o Hospital detecta “sinais evidentes de negligência grave” e alerta a Comissão de Protecção de Menores; a 9 de Dezembro, já em coma, a bebé é de novo levada ao hospital. Ao mesmo tempo, as técnicas da Comissão organizaram reuniões para “reconciliar a família” ( a avó com o pai, já com um registo criminal por abuso de menores que ninguém averiguou, e a mãe, com um ligeiro atraso mental ), tendo inclusivamente feito uma visita, sem encontrar nada digno de registo, nem sequer marcas de abusos continuados no corpo da criança ( incluindo penetração sexual com objectos ) desde os primeiros dias de vida.
Estes “azares” e estes “sistemas”, a repetição destes “inquéritos” e destes “jogos de palavras” conduzem-nos a conceitos como “negligência” e “indiferença” pelos direitos dos outros seres humanos. Mais do que isso, são formas de cumplicidade nos atentados a esses mesmos direitos. E quem “julga” essas “cumplicidades”? Ao Levi, à Vanessa, ao Daniel, à Joana, à Catarina e à Fátima Letícia não deram oportunidade de passar o Natal junto da família. E a Bíblia lembra-nos que ter um filho é, antes de tudo, assumir uma responsabilidade e um compromisso de amor absoluto. Não se trata de um acto mecânico, consequência do trabalho conjunto de espermatozóides e óvulos. Nem se trata de um puzzle em que todas as peças supostamente encaixam umas nas outras. Todavia, analisando o comportamento de várias instituições do Estado, as crianças aparecem como seres destituídos de quaisquer direitos autónomos. Se aquilo que define a nossa civilização são os valores, onde estarão eles neste caso? Não deverá o Estado assegurar a segurança dos cidadãos? Haverá alguma justificação que sirva verdadeiramente para ilibar o Estado das suas responsabilidades?
O nosso presente está cheio de informação. Na “aldeia global”, os acontecimentos pululam. Ora, considerando acontecimento como uma ocorrência desprovida de responsabilização, lamenta-se que ninguém se tenha responsabilizado pela protecção destas crianças. A Fátima Letícia nem sequer valeu o significado do nome duplo que mistura a Fé portuguesa com a realeza espanhola…

Nova Aliança, 6 / Janeiro / 2006

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