8.2.06

A Gripe das Aves

Num relatório divulgado recentemente sobre os riscos à escala global, visando os anos de 2005 e 2006, o Fórum Económico Mundial recomenda uma compreensão mais sofisticada do problema. Assim, terrorismo e pandemias são os riscos que lideram uma lista de 25 identificados no relatório.
O risco que mais problemas colocará é a mudança climática, enquanto se salienta que os destaques de 2005 como o terrorismo, subida do preço do petróleo, crises orçamentais, pandemia de gripe, doenças como sida / HIV, tuberculose e malária e crises humanitárias, resultantes da vulnerabilidade de muitas partes do mundo a desastres naturais continuarão a verificar-se em 2006. A crescer de importância estão riscos como a mudança climática, a litigação contra empresas, a contrafacção e as expectativas sobre os campos magnéticos. No que diz respeito a este último risco, precisa-se que se se provasse que estes campos tinham efeitos perniciosos para a saúde , mesmo com baixos níveis de exposição, isto poderia ter um “impacto imenso, tanto em termos económicos como sociais”, dada a difusão crescente de aparelhos electrónicos.
Deveremos levar ainda em linha de conta outros riscos como o impacto do comportamento do sol na meteorologia espacial, ou a perda de biodiversidade, “invisíveis e desconhecidos para o grande público”. Os autores do relatório seleccionam quatro cenários de risco: aumentos do preço do barril de petróleo para um nível entre os 80 e os 100 dólares, pandemia de gripe aviária, terrorismo e mudança climática.
Centremos a nossa atenção na gripe das aves. Alguma coisa que tomou o avião na Ásia, fez escala na Médio Oriente e mudou-se de armas e bagagens para o Leste da Europa. Em breve estará nas nossas casas. Deveremos ficar assustados? A resposta é afirmativa. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 7 milhões de pessoas podem morrer em atroz agonia. As Nações Unidas falam em 150 milhões. Michael Osterholm, epidemiologista americano, fala em 360 milhões.
A ideia de uma pandemia trágica dá que pensar. Primeiro, que o vírus responsável pela morte das aves se propaga para a espécie humana. E, além disso, que a espécie humana é capaz de se contaminar, como aconteceu em 1918 com a famosa gripe espanhola. Cenário improvável. Até ao momento, morreram 60 pessoas em 117 casos de gripe do frango conhecidos. Repito: 60. Na Ásia, onde as populações rurais praticamente vivem no meio das aves e os cuidados de saúde não são os melhores, explica dessa maneira a mortandade - uma mortandade residual, é certo - e, tendo em conta a expressão demográfica da zona, absolutamente ridícula. E entre nós?
Bom, por cá, existe e persiste o nosso hábito mediático que todos os anos inventa uma nova catástrofe para liquidar a Humanidade. Há uns anos, a doença das vacas loucas, pronta para arruinar milhares de vidas, praticamente arruinou os criadores de gado da Europa. Os preços bateram mínimos históricos. Muita gente se converteu ao vegetarianismo. Afinal, a loucura das vacas foi como veio.
A verdade, a cruel verdade, é que nunca se esteve tão bem como agora. Vivemos mais e melhor. A medicina alcançou progressos que seriam impensáveis para os nossos antepassados. Claro que existem situações de miséria, sobretudo em África, onde a fome persiste. Mas até em África o mundo avança: de acordo com as Nações Unidas, a percentagem de povos do Terceiro Mundo que passam fome desceu de 35% em 1970 para 18% nos dias de hoje. Apesar da explosão demográfica.
Sobram as guerras, claro. Mas se pensa que o mundo está menos pacífico, está enganado. A percepção dos conflitos através da comunicação social não significa que os conflitos aumentaram. Pelo contrário: o mundo está mais pacífico e a guerra --a guerra entre Estados e a guerra dentro dos Estados-- foi gradualmente diminuindo nas últimas décadas. Segundo o historiador britânico Niall Ferguson, só nos últimos três anos terminaram 11 conflitos maiores: de Angola ao Ruanda, do Sri Lanka à Indonésia. E nunca, como hoje, existiram tantas democracias na face da Terra.
Não admira que a Humanidade esteja perdida de tédio, criando, recriando e até filmando a sua própria aniquilação física. O clima. As vacas loucas. A gripe do frango. Tudo serve para aliviar o sentimento de culpa que sentimos no meio de tanto conforto.
São horas de jantar e uma voz informa-me que o frango já está assado. Até já. E se o vírus do bicho bater entretanto, por favor, digam que eu estou ocupado.

Nova Aliança, 3 / Fevereiro / 2006

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