13.12.06

A RTP, os salários dos privados e o preço das drogas

12 de Novembro - Para quem tem dúvidas sobre a governamentalização da RTP, o telejornal de hoje deve ser visto muito atentamente e deve motivar muitos estudos. Hoje foi o dia do debate parlamentar sobre o OE. Até aos primeiros minutos tudo esteve bem: o debate foi animado e permitiu uma peça dinâmica de contraditório. À saída o primeiro-ministro é questionado sobre declarações de Jardim. O problema é que, depois dos 15 segundos que são aceitáveis para a resposta, seguiu-se uma longa exposição de vários minutos, uma imensidade de televisão que desequilibra totalmente a reportagem, em que, num discurso limpo, se repetem pela enésima vez argumentos conhecidos das teses governamentais sobre o OE.

Ao contrário do que sucede muitas vezes, em que os próprios jornalistas, “ávidos” de informação, não deixam falar os convidados, o primeiro-ministro acaba por nunca ser interrompido por uma corte de jornalistas silenciosos ( pelo menos da RTP ) e por repetir, sem contraditório, o que acabara de dizer dentro da sala, reforçando nessa fala límpida tudo o que o governo queria dizer. Do ponto de vista jornalístico não há aí nada de novo, e é isso que é favorecer a propaganda do governo.

16 de Novembro - Nos últimos dois anos fez-se passar a ideia de que os funcionários públicos são mais bem pagos do que os trabalhadores do sector privado. E, desde a tomada de posse do actual governo, com a revelação em série de vários regimes de excepção ( os subsistemas de saúde de magistrados e polícias, as bonificações na contagem do tempo de serviço dos enfermeiros, a generosidade do fundo de pensões dos administradores do Banco de Portugal, etc ), os funcionários públicos tendem a ser vistos pela opinião pública como profissionais remunerados acima da média. Sucede que o actual governo encomendou um estudo à Capgemini Portugal sobre o perfil de salários no sector público versus sector privado. Esse estudo, elaborado em parceria com a Mercer Human Resource Consulting, contradiz as conclusões de um trabalho idêntico, da responsabilidade do Banco de Portugal, feito em 2001. De acordo com esta instituição bancária, há cinco anos, «os salários dos funcionários públicos, em especial no caso das mulheres, são significativamente superiores aos salários dos trabalhadores do sector privado [com] iguais qualificações.» Por seu lado, a Capgemini, num relatório de quase 300 páginas entregue há cinco meses ( em Junho ), e que contém «centenas de tabelas comparativas», prova o contrário. Consta que o ministério das Finanças não gostou do que leu ( isso explicará o atraso na sua divulgação? ). Na impossibilidade de transcrever tudo, ficam dez exemplos: director-geral ( + 114,10% no privado ), engenheiro ( + 76,50% no privado ), director de serviços ( + 73,70% no privado ), mecânico ( + 65,00% no privado ), gestor financeiro ( + 64,52% no privado ), assistente administrativo ( + 57,30% no privado ), electricista ( + 44,30% no privado ), enfermeiro ( + 36,80% no privado ), telefonista ( + 12,00% no privado ), investigador científico ( + 5,21% no privado ). Em contrapartida, os contabilistas (- 6,40% no privado ), os economistas ( - 5,40% no privado ), os educadores de infância e os professores do ensino básico ( - 3,28% no privado em ambos os casos ) e os arquitectos ( - 2,00% no privado ), são melhor remunerados ao serviço do Estado. A favor dos funcionários públicos têm jogado alguns factores não despiciendos: estabilidade no emprego, acesso à ADSE ( mediante desconto próprio ), carga horária de 35 horas semanais, e pensões de aposentação em regra superiores às da Segurança Social ( o cálculo é diferente ). Quanto ao dinheirinho, estamos conversados.
24 de Novembro - A capa do Público de hoje é um enigma: “Aeroporto da Ota vai ficar mais caro do que o previsto”. Fará sentido para um jornal diário de grande informação, um verdadeiro jornal de referência, comunicar no século XXI a descoberta do Caminho Marítimo para a Índia? Ou publicar em tipo grande na capa "Os elefantes têm uma tromba"? Ou "A Serra da Estrela é mais alta que o Outeiro de S. Pedro"? Alguém imagina um título como "A Terra Gira em Torno do Sol"? Títulos incompreensíveis, de tão óbvios que são. Espera-se sempre que uma notícia informe, ensine, traga algo de novo. Escolher como parangona o que já toda a gente sabia? Ora…

25 de Novembro - «Os grupos privados [do sector da saúde] têm a sua política e pagam aos senhores jornalistas para porem notícias nos jornais e nas televisões.» O autor desta pérola é o ministro da Saúde. O que dizer de uma afirmação desta gravidade? No mínimo, que Correia de Campos deve - ou melhor, tem de - apresentar provas que sustentem as suas afirmações?
26 de Novembro - Ainda segundo o Público, o haxixe e o LSD são mais baratos em Portugal do que no resto da Europa. Fiquei preocupado, devem ser os únicos produtos e serviços que são mais baratos "cá" do que "lá". Imagino que tudo o resto é "cá" mais caro: a água, a luz, o gás, a gasolina, os telefones, a tv cabo, a couve, a alface, o iva, enfim: tudo aquilo onde o estado pode pôr a mão e taxar convenientemente é mais caro "cá" do que "lá".
Um conselho aos toxicodependentes: não abram muito a boca. Ou este governo decide aproveitar-se da situação e a coisa vai ficar bem mais cara. E com iva a 21 %...

Nova Aliança, 8 / 12 / 2006

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