29.11.06

Matemática, a greve dos professores e a Eurodisney

4 de Novembro – Foi hoje lançado ( com coordenação de ) Nuno Crato um livro interessante. “Desastre no Ensino da Matemática: Como recuperar o tempo perdido” ( Sociedade Portuguesa de Matemática / Gradiva, Lisboa, 2006 ).
É reconhecido por toda a gente o desastre no ensino da matemática no nosso país. A extrema gravidade da coisa não suscita qualquer dúvida. Estamos ainda longe de saber como resolver o problema, mas pelo menos já se reconhece a existência de alguns problemas. Aqui há poucos anos, quando a evidência do colapso era já tão cristalina como hoje, governantes e especialistas com responsabilidades juravam a pés juntos que não havia problema algum. Jorge Sampaio chamava-lhes “diagnósticos catastrofistas” e António Teodoro preocupações “da classe média”.
Recordemos que o problema não foi detectado (e muito menos denunciado) pelo Ministério da Educação, nem por nenhum Grupo de Trabalho ou Comissão de Estudo dependente ou nomeada por esse Ministério. O problema não foi denunciado por nenhuma associação de especialistas em Ciências da Educação. Também não foi por nenhum Sindicato de Professores. E também não por nenhuma Associação de Pais, e muito menos por qualquer Associação de Estudantes.
Se hoje em dia sabemos a situação confrangedora em que nos encontramos isso deve-se a meia-dúzia de pessoas, de formação, personalidades, e preferências políticas muito diversas que, sem apoios nem subsídios, decidiram tocar a rebate. ( Estão praticamente todas no livro).
Coloca-se então a questão: é razoável esperar que as instituições que sempre se recusaram ver o problema possam agora dar a solução?

7 de Novembro – Na blogosfera surgiu um texto de Margarida Ribeiro, publicado no Abrupto sobre a greve dos professores. “A verdadeira greve dos professores seria, não estar ausente, mas cumprir as regras que o Ministério exige “stricto senso”.
Assim, os professores estariam na escola as horas semanais exigidas.
Claro que não poderiam trabalhar a preparar aulas, corrigir testes ou estudar, porque não têm gabinetes disponíveis e ninguém consegue concentrar-se numa sala de professores onde os sucessivos intervalos são 15 minutos de imperiosa e barulhenta descontracção, ou corridas esbaforidas de 5 minutos de fecha porta, desce escadarias, atravessa o pátio, sobe escadarias, troca o livro de ponto e despacha as pernas para atravessar de novo o pátio e trepar novas escadarias de um outro bloco do edifício, isto enquanto consulta rapidamente e em equilíbrio precário as suas notas sobre o que deve ser a aula seguinte..
Também seria impossível usar os computadores, numa média de 5 para setenta professores (com sorte). Quando se acaba de reformatar o programa que antes tinha sido usado por um colega e se começa um trabalho, descobre-se que estão dois professores em pé, à porta do cubículo, à espera de que acabemos. Impossível a concentração.
Claro que também que sucederiam cenas como esta:
- Setôra, arranja um bocadinho para falar comigo!!! Os meus pais nunca têm tempo!
- Setôra, o meu dente está a cair!
- Setôra, o Zé bateu-me…
E a resposta seria – “Meu filho, não posso fazer nada. Tenho muita pena mas o meu horário acaba dentro de 25 segundos.”

Depois iríamos para casa e olharíamos sem stress os materiais e instrumentos que durante anos pagámos do nosso bolso, desde computadores e impressoras (esses, valha a verdade, com alguma redução no IRS) os dossiers, as rimas de papel, os livros, dezenas e dezenas de livros, os Cds, as canetas, os acetatos, etc, etc (todos estes sem qualquer desconto no IRS). Nada para ali fazer, o nosso horário estaria cumprido. Poderíamos até despachar toda aquela tralha que durante tantos anos nos obrigou a pagar uma casa maior.
………………………
É no entanto impossível fazer esta greve. Nenhum verdadeiro professor seria capaz disso. Nenhum verdadeiro professor quereria dar aos seus alunos o exemplo de incumprimento de tarefas, nenhum verdadeiro professor deixa de consolar e ajudar um aluno aflito, sejam quais forem as horas para que será obrigado a atrasar a sua saída do local de trabalho.”

Portanto, tendo-lhe sido impossível fazer uma parte importante do seu trabalho na escola durante as horas obrigatórias de presença, enfrenta em casa mais 2, 3 ou 4 horas de papéis, computador o caneta vermelha. Se, de estafado, não consegue, olhará o fim-de-semana como a salvação. Os fins-de-semana já eram a salvação dos professores, em muitos casos. Temo é que agora deixem de ser tempo suficiente antes de se ir para o hospital.”


8 de Novembro – Dificilmente encontraremos, em alguns sectores, uma Câmara Municipal mais benemérita do que a de Abrantes. Depois das festinhas para as crianças, as escolinhas, os escuteiros, a cultura da cidade tem agora as feiras de doçaria que servem, alegadamente, para pagar viagens à Eurodisney. Pessoalmente, preferia organizações cujo lucro revertesse para as obras de canalização que a população merece. Quantas feiras da doçaria será necessário organizar? Não seria possível patrocinar uma equipa de basebol ? A publicidade nas camisolas poderia ostentar: “Novas Canalizações” ou “Água, a Vergonha da Cidade?

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