5.3.07

A Bailarina Fascista

17 de Fevereiro - Leio nos jornais do dia que, por toda a Europa, hindus de nacionalidades várias prometem contestar com vigor as intenções da ministra da Justiça alemã em criminalizar a exibição da suástica. Para a ministra, a suástica representa Hitler, o Terceiro Reich e seus projectos de dominação imperial e rácica. Para os hindus, a suástica é um símbolo milenar de paz e serenidade. Deve a União Europeia, presidida actualmente pela Alemanha, proibir o símbolo da paz e da serenidade para os hindus?

18 de Fevereiro - Em Londres, segundo parece, uma bailarina do English National Ballet, Simone Clarke, afirmou ser também membro do British National Party, um grupo de extrema-direita ferozmente antiimigração. Simone, 36, namora com um dançarino cubano, imigrante, descendente de chineses. A “salada russa” perfeita. Nada disso impediu as brigadas de irromperem pelo teatro onde Simone dançava o clássico "Giselle", insultando a bailarina e exigindo sua demissão dos palcos. Simone continuou a dançar, com notável profissionalismo, apesar dos insultos. A companhia de bailado preferiu não comentar.

19 de Fevereiro – A companhia fez bem. Não é fácil comentar a loucura: uma pessoa acaba confundindo-se com ela. E se os hindus estão errados do ponto de vista iconográfico - o símbolo nazista não é exactamente igual às suásticas das religiões dármicas - o que espanta nos protestos londrinos é a evidente selvajaria das brigadas. Sim, eu entendo que uma "bailarina fascista" é tão improvável como Saddam Hussein de biquini em concurso de beleza para misses: existe na combinação um choque visual profundo, como se a grosseria de Hitler fosse incompatível com a subtileza e a elegância do "Quebra-Nozes", que Simone dançou meses atrás (com aplausos da crítica).

Mas essa não é a questão. E não é a questão porque a ideia de punir artisticamente um fascista, ou um comunista, ou um extremista de ideologia difusa, demonstra apenas a covardia de quem o faz.

20 de Fevereiro - Cobardia real: em Londres, as brigadas insultaram quem não se podia defender. Pior: quem exercia a sua arte em palco, um acto de humilhação que só define quem o pratica. A menos, claro, que o "fascismo" da sra. Clarke não se limite às suas ideias políticas e seja exibido na forma como dança: como executa o "demi-plié", como faz o "retiré", como arrisca no "arabesque", pondo a plateia a salivar com desejos tirânicos de invadir a Polónia. Haverá um ballet fascista e ninguém avisou?

Mas a cobardia é também intelectual: se a liberdade de expressão é uma benesse, ela implica aceitar vozes discordantes que devem ser toleradas, ou ignoradas, ou debatidas --e, em casos extremos, denunciadas por pessoas concretas que se sintam atingidas no seu bom-nome. Existem tribunais para isso. Mas nenhuma sociedade livre será capaz de sobreviver pela criminalização de todas as opiniões que o "senso comum" maioritário considera ofensivas. Proibir é a atitude preguiçosa do tirano menor que, incapaz de tolerar, ignorar ou refutar intelectualmente uma opinião, prefere criminalizá-la.

O gesto é perigoso: ele transforma o extremista em mártir, e o mártir em herói. O caso recente do historiador David Irving, preso e entretanto libertado na Áustria, ilustra o ponto: em 2000, Irving ficou com a reputação intelectual desfeita, ao perder em tribunal a acção contra Deborah Lipstadt, historiadora que o acusara de ser um negacionista do Holocausto. A prisão recente serviu apenas para reabilitar Irving, como já tinha acontecido na década de 1980 com a prisão e a reabilitação de um desacreditado Robert Faurrisson. Seria improvável que Irving existisse se, antes dele, Faurrisson não tivesse emergido como o herói perseguido do revisionismo.

21 de Fevereiro - A ministra alemã e as brigadas de Londres acreditam que o extremismo na Europa se combate pela força da lei. Acreditam mal. A extrema-direita pode crescer no continente, sobretudo no Leste e, como se verá nas próximas presidenciais francesas, com o fenómeno Le Pen. Mas ela cresce por exclusiva culpa dos "partidos do centro": incapazes de reformar economicamente uma Europa estagnada e medrosa perante o "estrangeiro", os partidos instalados apenas contribuem para um mal-estar social que alimenta a besta do costume. E as bestas não quebram nozes. Quebram tudo.

Nova Aliança, 2 / 03 / 2007

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