2.7.08

O Estado da Nação, o Dicionário de Calão e Francisco Lucas Pires

2 de Maio – O estado da nação
Uma amiga regressa a Portugal e procura casa em Lisboa. Pede-me que a acompanhe a uma agência. Uma vez lá, diz ao que vai. Entre a Estrela e Entrecampos, está aberta a sugestões. Prefere construção dos anos 1950, não menos de 90 metros quadrados, não mais de 120, dispensa garagem, se possível duas casas de banho, ou espaço para construir a segunda. A brincar, vai dizendo que «Se puder ser num prédio do Cassiano Branco, tanto melhor», e o rapaz que nos atende, fato antracite Armani, gravata fúcsia de seda e a cabeça armada em gel, olhos no monitor, «Desse empreitreiro não temos nada». OK. Vejo desfilar somas vertiginosas. Barato significa 400 mil euros por um T3 de 1942 a precisar de obras. Um T2 de 1954, com 75 metros quadrados, a 360 mil euros, é dado como pechincha. Às tantas abstraio-me do diálogo para acompanhar num slide show algumas ofertas disponíveis. Estarei a ver bem? No centro de Lisboa, várias casas a rondar o milhão de euros. Não, não são palacetes na Lapa, nem moradias de 600 metros quadrados de área coberta no Restelo ou na Gago Coutinho, nem penthouses de 300 metros quadrados (e vista de rio) no Parque das Nações, nem apartamentos hi tech (e vista de lixo) nos novos condomínios de Alcântara. São casas vulgares, de 8 e 9 divisões, em bairros prosaicos e construção ainda mais prosaica. E, claro, meia dúzia de exemplos acima do milhão. Nisto tudo, uma coisa me intriga. Quem cobre estes lances? A banca não empresta tais somas. E os milionários não andam por aí aos pontapés. Se calhar sou eu que estou fora da realidade.
3 de Maio – Ir ao Bolso
Vejamos a situação: o sujeito A, preenchendo todas as condições, pede a aposentação. Como os serviços centrais da Segurança Social estão com um atraso de oito meses, é dada ordem ao sujeito A para continuar a trabalhar. Oito meses depois, ele é finalmente aposentado. Fim de história? Longe disso, ao sujeito A é pedido que devolva a diferença de vencimento entre o que ganhou realmente e o que teria direito oito meses antes, altura em que reunia todas as condições para se aposentar. Isto é Portugal em 2008.
12 de Maio – Porreiro, pá
Lê-se no Público: "O site do Instituto da Droga e da Toxicodependência IDT destinado a crianças e jovens a partir dos 11 anos contém um "Dicionário de Calão" que as associações de pais temem poder incentivar o consumo (...) No dicionário do site infanto-juvenil www.tu-alinhas.pt pode aprender-se que "betinho", “cocó” ou “careta” é “aquele que não consome droga e, por isso, é considerado conservador, desprezível e desinteressante”."
14 de Maio – Nojo
De novo no Público: “O primeiro-ministro, José Sócrates, o ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, e vários membros do gabinete do chefe do Governo violaram a proibição de fumar no voo fretado da TAP que ligou Portugal e Venezuela e que chegou às cinco horas da manhã de ontem a Caracas (hora de Lisboa, 23h30 na capital venezuelana). O assunto foi muito comentado durante o voo por membros da comitiva empresarial que acompanha Sócrates e causou incómodo a algum pessoal de bordo.” De acordo com António Monteiro, porta-voz da companhia, “o cliente que freta um avião pode ter regras diferentes das da companhia”, pelo que pedir autorização para fumar é um serviço especial “tão normal como pedir para se servir outra refeição, distribuir determinados jornais ou ver certos filmes”. O que nos leva à seguinte questão: Ler jornais mata?
16 de Maio – Francisco Lucas Pires, sempre actual.
«A verdadeira tolerância, no entanto, é a que assenta na fortaleza das próprias convicções e os católicos não têm que ter uma atitude política passiva, clandestina, dividida, pessimista e subalterna. Não têm que deixar “laicizar” a mais importante parte do seu campo de consciência e acção – aquele que tem a ver com a “substância” e as “expressões” mais elevadas do seu ser social. A geral fraqueza da sociedade civil portuguesa não ajuda. Contribui mesmo para a perda das últimas certezas dessa sociedade. A concepção dominante da História é ainda demasiado imediatista e é nesse contexto que se explica o activismo, dirigismo e crescimento do Estado como único arrimo para a erosão da consciência política colectiva. Mas há que reagir e os católicos, com a Igreja, podem bem ser a parte mais sólida dessa recuperação da sociedade civil. Até como via para reabilitar a política e evitar que esta continue a ser um puro jogo de superfície, onde a própria renovação “ética” acabe por se transformar numa nova demagogia. Talvez a renovação “moral”, a partir da sociedade real e dos seus valores profundos, entranhadamente cristãos, seja afinal mais simples e mais eficaz do que a renovação “ética”, a partir, outra vez, dos modelos da Revolução, do Estado e dos seus partidos.»

Nova Aliança, 30 / Maio / 2008

Sem comentários: