2.7.08

Amy Winehouse, Mário Lino, o Latim e os Exames

31 de Maio – A desequilibrada.
Mas será que sabem quem é Amy Winehouse? A rapariga tem problemas com a droga e o excesso de alcool. Foi presa por diversas vezes, a última há cerca de 2 semanas por causa de drogas. Já se tentou matar. O marido, que está actualmente preso, chega-lhe com frequência e, ao que parece, também já a tentou despachar. O calibre é tal que os pais já por diversas ocasiões pediram (rádios, tvs) que ninguém comprasse os discos da filha. Uma das músicas mais conhecidas de Amy fala da tal "rehab" de que precisa com urgência, mas que se recusa fazer. Aparece nos concertos invariavelmente pedrada e/ou bêbeda (ontem, postei o vídeo de um concerto em que ela snifa coca em pleno palco), chega atrasada ou, simplesmente, cancela concerto atrás de concerto. Mesmo em cerimóminas de entregas de prémios aparece imprópria para (do) consumo (ver últimos Grammys, acho). Amy é, ainda assim, um fenómeno que vende discos como poucos e que no ano passado ganhou tudo o que havia para ganhar. A rapariga é, obviamente, desequilibrada, como foi Kurt Cobain e Jim Morrison na música ou Maradona no desporto. A genialidade desta gente tem o seu preço. É por isso que não compreendo quem tenha ficado admirado com a forma como Amy se apresentou hoje em Lisboa. Porventura pensaram que ela viria sóbria e na posse de todas as suas faculdades? Amy foi igual a si própria e se assim continuar está visto como é que a história vai acabar.

2 de Junho – O “eterno” Lino.
O eng. Lino é um caso. Não é possível antipatizar completamente com o homem, muito menos tomá-lo absolutamente a sério. Já se percebeu que tem poder embora não se perceba exactamente porquê. Por muito menos, outros foram afastados na maior discrição. Pelo contrário, Mário Lino, o homem que veio das águas para o betão, não só fica como "doutrina". Lurdes Rodrigues, por exemplo, nunca mais foi avistada. Desapareceu em combate. Lino, não. É braço direito e esquerdo do seu primeiro-ministro, um anacoreta em forma de pontes e de acordos com camionistas. E "doutrina", dizia eu. «O País tem plena consciência das dificuldades resultantes da situação herdada do Governo anterior, assim como do aumento do preço do petróleo», eis como Lino sintetiza o seu "pensamento" numa entrevista. Três anos depois de ser membro do governo, Lino fala como se não fosse nada com ele. Tudo subsiste à conta dos parcos meses de Santana e das circunstâncias "externas". Afinal, Lino tem estado apenas a fazer figura de corpo presente. Nem sequer temos a certeza se ele tem tido "consciência" do que é que o tem ocupado nos últimos três anos. O país, assegura, tem. Oxalá tenha.

6 de Junho – Gastar o Latim.
Em apenas dois anos a frequência das aulas de Latim diminuiu 80%. Este ano há apenas 300 alunos a fazer exame da disciplina, o que é bem pouco. A tendência portuguesa é contrária à dos outros países europeus e americanos, onde os estudos clássicos não baixaram a frequência. Não nos podemos queixar. O secretário de Estado Valter Lemos, uma luminária, diz que os alunos não têm interesse no Latim e que “as políticas educativas” não são culpadas. Está errado, como é seu costume. Basta ver a forma como “as políticas educativas” tratam as Humanidades e como o linguajar dos seus queridos técnicos têm assassinado o Português. A “sociedade” não preza o Latim como não preza o património nem o passado, e está no seu direito. Mas fica mais pobre.

17 de Junho – Os Exames.
Os exames nacionais finais do ensino básico e secundário começam na próxima terça-feira, com as provas de Português, e são protegidos por 7.000 militares da GNR.
Com a época, logo aparecem os comentadores e os tratadistas, os pedagogos, psicólogos e metodólogos, e todos os muito bem pensantes a alertar para os traumatismos e o horrendo stress que os exames provocam nas tenras mentes de quem se sujeita a tais absurdas provas.
A situação é relatada em artigo de Mário Cordeiro, professor de Pediatria, no DN do passado domingo, na Notícias Magazine.
“Exames, exames…é o stress total. Filhos angustiados, pais em pânico, horários em desordem, quartos a parecerem cenários de pós-guerra, discussões a estalarem por tudo e por nada. É assim a vida de muitas casas onde há jovens a aproximar-se da receada hora dos exames…”
Enfim, é gentinha desta que a nossa educação está a criar: florzinhas de estufa, que se enervam e estiolam a qualquer aragem…Sugiro que os ponham sempre numa redoma: na escola, no trabalho, na vida. E tenham-lhes um psicólogo sempre à mão, preferentemente com os mesmos problemas. Consolar-se-ão uns aos outros!...
Cá por mim, começo agora a ficar traumatizado por não ter ficado traumatizado com os exames que fiz!...
Até porque arranjar um qualquer traumatismo psicológico é mesmo a única forma que me resta de não ficar fora do sistema…

Nova Aliança, 27 / Junho / 2008

A noiva devolvida e o Europeu de futebol

26 de Maio – “Longa cobardia”
Ferreira Fernandes no Diário de Notícias: “Antigamente - um pouco depois dos tempos em que ele, de moca e de osso atravessado no nariz, a arrastava pelo cabelo até à caverna - o lençol nupcial era exposto no bairro. Se havia sangue, a noiva era virgem e o casamento podia seguir em frente. Antigamente..., iludo- -me eu, como se as coisas não pudessem voltar para trás. Em Lille (Norte de França), um tribunal anulou um casamento porque a noiva - muçulmana como o noivo - mentiu sobre a sua virgindade. Na madrugada do casamento, o noivo, engenheiro, levou a noiva a casa dos pais dela porque lhe faltava uma peça (assunto privado). E um tribunal, no ano de 2008!, deu-lhe razão (assunto público). Deixo para os advogados e juízes o valor jurídico do ela ter mentido, como se a lealdade pudesse existir entre desiguais (o engenheiro não teve de jurar a sua virgindade, nem tinha como a provar). A nossa cobardia está a atirar estas novas europeias para o passado. Assim, o passado virá ter com todos nós, não tarda."

28 de Maio – Talvez resquícios.
Uma destas noites ouvi parte de uma interessante conversa entre Constança Cunha e Sá e Silva Lopes, na TVI. Silva Lopes é uma daquelas figuras que apetece ouvir, mesmo quando se discorda: exibe liberdade, sinceridade e autoridade. Estas coisas, quando são verdadeiras, percebem-se até pela linguagem corporal. Silva Lopes estava descontraído e gesticulava livremente conferindo ao seu discurso uma autenticidade que os «certinhos» do costume não conseguem imitar – porque são falsos.
A conversa ia longa. Eis senão quando o professor deixou cair um comentário lateral que me deixou a pensar: para salientar o espírito algo volúvel dos portugueses utilizou o velho exemplo dos sinais de luzes que os condutores utilizam para avisar os outros da presença de forças policiais na estrada. Esse hábito português tem sido muitas vezes referido como sintoma de atraso civilizacional. Permitam-me discordar. Nesta crítica detecto um resquício invisível da herança cultural salazarista. A ideia de que o Estado através dos seus inúmeros agentes deve estar em cada esquina a vigiar-nos, pronto para mais uma multa, é tão absurda como culturalmente obsoleta. Em Espanha, por exemplo, a localização de todos os radares de controlo de velocidade está disponível em diferentes sites. Não é função do Estado garantir a nossa segurança na estrada pela via da repressão. É mais eficaz para garantir o cumprimento das velocidades autorizadas, numa auto-estrada, um carro caracterizado da BT do que um anónimo. Esse carro anónimo é uma expressão de visão repressiva do Estado e própria de sociedades que prezam mais a força do que a liberdade e a responsabilidade. E o tal sinal de luzes é mais eficaz no aconselhamento à moderação do que uma brigada escondida num arbusto. Evita a multa e obriga a travar. É isso que se espera do nosso Estado: mais do que existir para punir, deve estar presente antes do arbusto e enviar todos os sinais de luzes.



30 de Maio – Vem aí o cansaço.
A vida cansa. O Verão está quase aí e a selecção Scolari prepara-se para mais um mês de paciência moída, esperas a jogadores, desvario de jornalistas em reportagem, peregrinações de autocarro e outras deambulações pelo lado mais negro da alma humana.
Avanço pelo cinismo dentro, claro, admitindo que talvez, reafirmo, talvez, passe este mês colado ao ecrã, de jogo em jogo, adequando horário laboral às melhores partidas e aos jogos da selecção. Eu sei que assim será, mas bem que me poderiam poupar os preliminares. Vamos falar claro: não quero telejornais infindáveis sobre a dieta dos jogadores, os treinos dos jogadores, as mulheres dos jogadores, a ausência de vida sexual dos jogadores, as fãs dos jogadores, os velhos da aldeia que vêem a banda passar sem que a banda se digne a parar por eles (mas um microfone, esse, pára por qualquer coisa); aceito um pouco de comentário do Luís Freitas Lobo ou do António Tadeia, mas por favor não convidem o Oliveira do alho no balneário ou o Artur "olho negro" Jorge para dissertar sobre o trabalho do seleccionador ou as vicissitudes do apoio de um país à selecção; transmitam na televisão as grandes partidas de campeonatos de outros tempos, mas evitem os vislumbres dos toques do Ronaldo (apesar de andarem pelo You Tube umas imagens fantásticas de Ronaldinho e outros jogadores da selecção brasileira a curtirem com a bola num treino); podem mostrar entrevistas do Eusébio a falar do Mundial de 66, mas recusem o facilitismo da conversa com o emplastro sobre as decisões tácticas do seleccionador nacional.
Eu sei que posso escolher: mudar de canal, desligar o televisor, sentar-me a ler um livro - ou até voltar a ligar o aparelho e aproveitar para ver na Eurosport as retransmissões de partidas clássicas de antigos campeonatos. Mas, por defeito cultural ( a minha portugalidade ), queixo-me. Um mês de paz e sossego (relativos), de comemorações na rua, alegria para esquecer o cansaço da vida, uma dieta contida de transmissões sem gordura, sem refegos e enchidos para dar cabo do colesterol e da paciência.
A maior conquista de Scolari? Pôr um país inteiro um mês de quarentena. Portugal prepara-se para se exilar de si próprio.

Nova Aliança, 13 / Junho / 2008

O Estado da Nação, o Dicionário de Calão e Francisco Lucas Pires

2 de Maio – O estado da nação
Uma amiga regressa a Portugal e procura casa em Lisboa. Pede-me que a acompanhe a uma agência. Uma vez lá, diz ao que vai. Entre a Estrela e Entrecampos, está aberta a sugestões. Prefere construção dos anos 1950, não menos de 90 metros quadrados, não mais de 120, dispensa garagem, se possível duas casas de banho, ou espaço para construir a segunda. A brincar, vai dizendo que «Se puder ser num prédio do Cassiano Branco, tanto melhor», e o rapaz que nos atende, fato antracite Armani, gravata fúcsia de seda e a cabeça armada em gel, olhos no monitor, «Desse empreitreiro não temos nada». OK. Vejo desfilar somas vertiginosas. Barato significa 400 mil euros por um T3 de 1942 a precisar de obras. Um T2 de 1954, com 75 metros quadrados, a 360 mil euros, é dado como pechincha. Às tantas abstraio-me do diálogo para acompanhar num slide show algumas ofertas disponíveis. Estarei a ver bem? No centro de Lisboa, várias casas a rondar o milhão de euros. Não, não são palacetes na Lapa, nem moradias de 600 metros quadrados de área coberta no Restelo ou na Gago Coutinho, nem penthouses de 300 metros quadrados (e vista de rio) no Parque das Nações, nem apartamentos hi tech (e vista de lixo) nos novos condomínios de Alcântara. São casas vulgares, de 8 e 9 divisões, em bairros prosaicos e construção ainda mais prosaica. E, claro, meia dúzia de exemplos acima do milhão. Nisto tudo, uma coisa me intriga. Quem cobre estes lances? A banca não empresta tais somas. E os milionários não andam por aí aos pontapés. Se calhar sou eu que estou fora da realidade.
3 de Maio – Ir ao Bolso
Vejamos a situação: o sujeito A, preenchendo todas as condições, pede a aposentação. Como os serviços centrais da Segurança Social estão com um atraso de oito meses, é dada ordem ao sujeito A para continuar a trabalhar. Oito meses depois, ele é finalmente aposentado. Fim de história? Longe disso, ao sujeito A é pedido que devolva a diferença de vencimento entre o que ganhou realmente e o que teria direito oito meses antes, altura em que reunia todas as condições para se aposentar. Isto é Portugal em 2008.
12 de Maio – Porreiro, pá
Lê-se no Público: "O site do Instituto da Droga e da Toxicodependência IDT destinado a crianças e jovens a partir dos 11 anos contém um "Dicionário de Calão" que as associações de pais temem poder incentivar o consumo (...) No dicionário do site infanto-juvenil www.tu-alinhas.pt pode aprender-se que "betinho", “cocó” ou “careta” é “aquele que não consome droga e, por isso, é considerado conservador, desprezível e desinteressante”."
14 de Maio – Nojo
De novo no Público: “O primeiro-ministro, José Sócrates, o ministro da Economia e Inovação, Manuel Pinho, e vários membros do gabinete do chefe do Governo violaram a proibição de fumar no voo fretado da TAP que ligou Portugal e Venezuela e que chegou às cinco horas da manhã de ontem a Caracas (hora de Lisboa, 23h30 na capital venezuelana). O assunto foi muito comentado durante o voo por membros da comitiva empresarial que acompanha Sócrates e causou incómodo a algum pessoal de bordo.” De acordo com António Monteiro, porta-voz da companhia, “o cliente que freta um avião pode ter regras diferentes das da companhia”, pelo que pedir autorização para fumar é um serviço especial “tão normal como pedir para se servir outra refeição, distribuir determinados jornais ou ver certos filmes”. O que nos leva à seguinte questão: Ler jornais mata?
16 de Maio – Francisco Lucas Pires, sempre actual.
«A verdadeira tolerância, no entanto, é a que assenta na fortaleza das próprias convicções e os católicos não têm que ter uma atitude política passiva, clandestina, dividida, pessimista e subalterna. Não têm que deixar “laicizar” a mais importante parte do seu campo de consciência e acção – aquele que tem a ver com a “substância” e as “expressões” mais elevadas do seu ser social. A geral fraqueza da sociedade civil portuguesa não ajuda. Contribui mesmo para a perda das últimas certezas dessa sociedade. A concepção dominante da História é ainda demasiado imediatista e é nesse contexto que se explica o activismo, dirigismo e crescimento do Estado como único arrimo para a erosão da consciência política colectiva. Mas há que reagir e os católicos, com a Igreja, podem bem ser a parte mais sólida dessa recuperação da sociedade civil. Até como via para reabilitar a política e evitar que esta continue a ser um puro jogo de superfície, onde a própria renovação “ética” acabe por se transformar numa nova demagogia. Talvez a renovação “moral”, a partir da sociedade real e dos seus valores profundos, entranhadamente cristãos, seja afinal mais simples e mais eficaz do que a renovação “ética”, a partir, outra vez, dos modelos da Revolução, do Estado e dos seus partidos.»

Nova Aliança, 30 / Maio / 2008