22.5.09

A privacidade, o vestuário da loja do cidadão e as prioridades

12 de Abril - Leio por aí alguns autores que defendem o direito à privacidade de jornalistas e políticos. Concordo, claro, assim essa privacidade seja preservada pelos jornalistas e políticos. Apresentada a questão desta maneira, julgo que poucos deixarão de concordar. Mas quando são os jornalistas e políticos a divulgarem repetidamente, de um modo ou de outro, dados objectivos que deveriam fazer parte da sua privacidade - um exemplo, fazendo com que uma ópera comece atrasada por causa deles próprios - não vejo onde está a violação de qualquer direito que seja. Mais: qualquer jornalista tem o direito a não ser chamada de namorada de um político qualquer, mas qualquer leitor tem também o direito a desconfiar das opiniões de uma jornalista que escreve repetidamente sobre assuntos relacionados com o seu namorado.

14 de Abril – Lembram-se d’ “O Zé Faz Falta”? Pois bem, o sr. Sá Fernandes – esse triste vereador da Câmara Municipal de Lisboa, depois de ter ornamentado o Marquês de Pombal com os seus cartazes, não queria agora que os outros pusessem lá os cartazes deles. Digamos que é uma visão muito “peculiar” da democracia. Os partidos em causa ignoraram o Zé e a Comissão Nacional de Eleições até lhes deu razão. O Zé, desde que está enfiado no bolso de trás das calças do dr. António Costa, não acerta uma.

15 de Abril – Na Loja do Cidadão de Faro, que o eng. Sócrates considerou "a mais avançada do país", as funcionárias foram proibidas de envergar: saias curtas, decotes, saltos altos, roupa interior escura, gangas e perfumes agressivos.
É questão de gosto e explico porquê. Por mim, dispenso as gangas. Os perfumes, especialmente se "agressivos", também. Mas julgo que o resto da indumentária interdita faria maravilhas pelo relacionamento entre a administração pública e os cidadãos, sobretudo quando as respectivas lojas não cumprem a rapidez que a propaganda anuncia e obrigam os desgraçados a passar horas em pé para requisitar um papel que lhes será entregue meses depois. Embora dependendo de quem estivesse dentro deles, os decotes e as saias reduzidas sempre seriam uma compensação para a parcela masculina do povo em fila. E, quem sabe, talvez os devedores ao fisco aparecessem…
Segundo consta, tal decisão coube à dona Maria Pulquéria ( curioso nome!! ) Lúcio, curiosamente vogal da Agência para a Modernização Administrativa (AMA), uma das dezoito mil instituições estatais que servem a população e, principalmente, a parte da população nelas empregada.
Por curiosidade, consultei o currículo da dona Pulquéria e verifiquei que, antes da tal AMA, a senhora passou pelo PRACE, pelo CRIP, pelo SIAFE, pelo IIAE e pelo BDAP. Não serviu de muito. Sob o entulho "progressista" dos acrónimos, sobreviveu a Pulquéria proverbial, cujo nome é todo um programa e, de brinde, uma metáfora do país oficial e uma lição. Pode-se cobrir Portugal de siglas, Simplex, banda larga, Magalhães, SMS, cruzamento de dados, cartões quinze em um, chips nos cartões, nas matrículas e nas cabeças: mal se remove o verniz "funcional" do "futuro", o mofo do passado, seminarista e mandão, mostra a sua cara. Quem nos quer mudar não muda e, desculpem a rima, a dona Pulquéria não ajuda. Neste país, há sempre algo que não condiz com o resto.

18 de Abril – As prioridades da nossa comunicação social são intrigantes.Um terramoto mata perto de 300 pessoas em Itália e a primeira, e típica, preocupação dos nossos "media" é averiguar se não há portugueses entre as vítimas. A segunda preocupação é entregarem-se ao escândalo por Berlusconi ter pedido aos desalojados que se imaginassem no campismo.
Certamente que é escusado insistir na infelicidade da frase, cujo autor é useiro e vezeiro em trapalhadas semelhantes. Fiquemos pelas calamidades "naturais". Ora, por cá, a revelação de que a gripe do início do ano matou cerca de 1500 criaturas (segundo o Instituto Ricardo Jorge) suscitou ao secretário de Estado da Saúde o seguinte comentário: "a resposta à epidemia foi razoável". Não sei se uma resposta "fraquinha" se teria traduzido em cinco mil mortos, uma resposta "má" em dez mil, e uma resposta péssima na repetição da "espanhola" de 1918. Não sendo sismógrafo ou especialista em saúde pública, também não sei até que ponto as consequências de uma gripe são mais ou menos evitáveis que as consequências dos tremores de terra.
O problema reside no facto de que a mesma imprensa aflitíssima com Berlusconi ignorou generosamente o lapso do secretário de Estado, embora este exprima a indiferença da tutela perante um sistema de Saúde que trata os pobres como bichos e, implicitamente, sugere aos restantes que se curem no "privado" ou na civilização. Além disso, parece-me que 300 ( ainda ) é um número menor que 1500; ainda por cima 1500 portugueses, cuja morte, pelos vistos, só conta se acontecer no estrangeiro.

Nova Aliança, 2 de Maio de 2009

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