15.7.09

As proibições dos alimentos, o caso Alexandra e o retrato da justiça

25 de Maio - Enquanto a Direcção Geral de Saúde cria uma "comissão" dentro de um "grupo consultivo" a fim de investigar as infracções à lei do tabaco, a pomposa Plataforma Contra a Obesidade (?) elabora "menus da crise" que visam regulamentar a dieta dos pobres e o Sistema Nacional de Saúde planta um nutricionista em cada região do país "para responder às necessidades dos cidadãos". Já ninguém estranha que os deputados da nação também se preocupem imenso com a saúde dos que os elegem, quer estes apreciem os cuidados, quer não.
O parlamentar socialista Jorge Almeida, autor da proposta que conduziu à limitação compulsiva do sal no pão, revelou há dias como se manipulam as massas, farináceas e populares.
Em artigo, modestamente intitulado "Uma grande causa, uma marca para o futuro", e publicado no Notícias de Vila Real, começa por avisar que o Estado não deve impor proibições aos comportamentos alimentares. Nos parágrafos seguintes, o dr. Almeida passa a descrever as inúmeras circunstâncias em que o Estado deve impor proibições aos comportamentos alimentares.
O pão, por exemplo, "não pode" ter o sal que, alegada ou realmente, vem tendo. E não pode porquê? Porque se o comermos "estamos a prejudicar o nosso organismo e a provocar doença" (sic). O meu organismo não é, precisamente, meu? Não importa, visto que o seu prejuízo é uma "factura" paga pela "comunidade". Quem diz? O dr. Almeida. E se eu discordar? Não adianta e, de qualquer modo, a discórdia é pouco provável: o dr. Almeida garante que se o teor do sal for reduzido "de forma que o consumidor não note, não proteste, se mantenha como bom consumidor", os valores exigidos por uma misteriosa Sociedade Portuguesa de Hipertensão serão alcançados sem barulho.
Eis a chave: o fundamental, portanto, é que, além de saudável, o consumidor permaneça manso. Embora deixem de utilizar a palavra "autista" nos insultos que trocam, não tencionam parar de chamar estúpido aos milhões que os elegem por inércia e acabam sujeitos aos seus desvairados caprichos. Com razão: ao contrário dos autistas, aparentemente os restantes eleitores nem reparam na ofensa. Muitos agradecem-na.

20 de Maio – Com o caso Alexandra, a justiça em Portugal parece-lhe ainda mais confusa? Não faz ideia porque é que todos os processos que envolvem pessoas importantes acabam sempre em regabofe? Por favor, diga não à desorientação! Em apenas 20 passos, eis o guia ideal para entender todos os casos que em Portugal começam com a palavra "caso":
1) Os jornais publicam uma notícia sobre qualquer pessoa muito importante que alegadamente fez qualquer coisa muito má. 2) Essa pessoa muito importante considera-se vítima de perseguição por parte de forças ocultas. 3) Outras pessoas importantes vêm alertar para o vergonhoso desrespeito do segredo de justiça em Portugal, que possibilita a actuação de forças ocultas. 4) Inicia-se o debate sobre o segredo de justiça em Portugal. 5) Toda a gente tem opiniões firmes sobre o que é preciso mudar na legislação portuguesa para que estas coisas não aconteçam. 6) Toda a gente conclui que não se pode mudar a quente a legislação portuguesa. 7) A legislação portuguesa não chega a ser mudada para que estas coisas não aconteçam. 8) As coisas voltam a acontecer: os jornais publicam notícias sobre essa pessoa muito importante dizendo que ainda fez coisas piores do que as muito más. 9) Outras pessoas importantes vêm alertar para o vergonhoso jornalismo que se faz em Portugal, que nada investiga e se deixa manipular por forças ocultas. 10) Inicia-se o debate sobre o jornalismo português. 11) Toda a gente tem opiniões firmes sobre o que é preciso mudar no jornalismo português. 12) Toda a gente conclui que estas mudanças só estão a ser debatidas porque quem alegadamente fez uma coisa muito má é uma pessoa muito importante. 13) Nada muda no jornalismo português. 14) Enquanto o mecanismo se desenrola do ponto 1) ao ponto 13) a justiça continua a investigar. 15) Após um período de investigação suficientemente longo para que já ninguém se lembre do que se estava a investigar a justiça finaliza as investigações e conclui que a pessoa muito importante: a) Não fez nada de muito mau. b) Já prescreveu o que quer que tenha feito de muito mau. c) É possível que tenha feito algo de muito mau mas não se reuniram provas suficientes. d) Afinal o que fez não era assim tão mau. 16) Pessoas importantes que são amigas dessa pessoa muito importante concluem que ela foi vítima de perseguição por parte de forças ocultas. 17) Pessoas importantes que não são amigas dessa pessoa muito importante concluem que em Portugal nada acontece às pessoas muito importantes que fazem coisas alegadamente muito más. 18) As pessoas citadas no ponto 17) iniciam mais um debate sobre a justiça em Portugal. 19) As pessoas citadas no ponto 16) iniciam mais um debate sobre o jornalismo em Portugal. 20) Os jornais publicam uma outra notícia sobre uma outra pessoa muito importante que alegadamente terá feito outra coisa muito má. Repetem-se os passos 1) a 19).

Nova Aliança, 11 / Junho / 2009

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