15.7.09

Os decotes, as sentenças e as limitações dos deputados

9 de Maio - Uma escola do Pinhal Novo decidiu, no seu regulamento interno, proibir o uso de "tops com decotes pronunciados, mini-saias muito curtas e calças descaídas".
O caso não é novo; periodicamente, há escolas que impõem regulamentos sobre o vestuário a não usar dentro dos seus muros – o que suscita alguma risota entre gente cosmopolita e moderna para quem não há mal em as escolas serem uma extensão da ‘vida real’ e das passerelles. ( Ainda ) Julgo que o estudo da Gramática ou de equações de segundo grau exija algum decoro. Matemática ilustrada com decotes e umbigos pode ser uma inovação, tal como boxers à mostra em aulas de Biologia e curtas mini-saias nas bibliotecas. Na escola ( ainda ) deve existir concentração.



12 de Maio - O espectáculo degradante que ontem foi, em Braga, a entrega de uma menina, que estava numa família de acolhimento há mais de quatro anos, à mãe biológica, é um retrato implacável e particularmente infeliz do Estado português.
A entrega da criança à mãe que a abandonou aos dois anos, devido a problemas de alcoolismo, decorreu de uma sentença judicial. Por mais fundamentada que possa estar a sentença – e não sei se o estará , por mais qualificados que sejam os técnicos – e não sei se o serão -, depois daquele espectáculo há uma coisa que jamais deixará dúvidas: o sofrimento da criança decorre da própria sentença.
O espectáculo de ontem conduz a um sentimento de enorme perplexidade sobre a decisão, que parece cega à felicidade da criança e faz a habitual - e formal - opção por aquilo que algumas pessoas julgam ser "o superior interesse da criança". Por aquilo que ontem o Estado lamentavelmente nos permitiu ver, há uma criança em grande sofrimento por ter sido arrancada ao único meio familiar que até agora conheceu. Mas se e mesmo que nada disto fosse importante, o que dizer da forma impensável como se consentiu a entrega da criança num átrio de um prédio, sem resguardo dos olhares e da ira popular face ao choro e à raiva da criança? Há coisas que NUNCA podem acontecer. Pelo menos desta maneira.

16 de Maio – Um texto do “Jornal de Notícias” chamou a atenção para isso. Muito recentemente, assistiu-se à tentativa de banir expressões relativas a deficiências ou limitações físicas do debate parlamentar. Analisando seriamente a questão, até fico com a ideia que esta seria uma medida revolucionária.
É difícil imaginar o nosso hemiciclo sem a tradicional “o pior cego é aquele que não quer ver” ou o clássico “é grave o autismo do governo nesta matéria” ou ainda “há uma paralisia do seu ministério”.
Na prática a medida beneficiaria a retórica. De uma assentada eliminavam-se um sem número de lugares comuns que, por força da repetição, lá se foram banalizando. Obrigávamos os deputados a puxarem pela imaginação. O que, em alguns casos, seria um enorme desafio.
O campeão das deficiências parlamentares é “cego”. 105 cegos para ser preciso. E como se não bastasse, só de “cegueira” são 76.
Deputados “surdos” são 25. Deputados com “surdez” 13. E no caminho para uma assembleia cada vez mais inclusiva, na X Legislatura, houve 91 “autistas”.
Com tanto surdo, tanto cego, tanto autista, percebemos facilmente como é que ninguém se entende naquela sala..
“Paralisias”são 43. É muito. É imenso. Especialmente num edifício daquele género cheio de escadarias, degraus e locais de difícil acesso. Ainda no campo da paralisia fica um último registo. “Impotentes” são 28. É possível que, na verdade, sejam bem mais. 28 impotências em 230 membros é um número abaixo da média nacional. Mas todos sabemos que este é um problema complicado de assumir.
Ao todo, 381 limitações de algum género. O que dá uma simpática média de 1.6 necessidades especiais por deputado. Nada mau. Nada mau mesmo. Eles lá vão cantando e rindo.

21 de Maio – “O conselho de administração do Banco de Portugal (BdP) não terá aumentos salariais este ano, nem aumento relativos a 2008, recuando na decisão anterior de proceder a uma actualização salarial de 5 por cento” A notícia, lida assim de chofre, faz-nos engasgar de raiva: mas porque é que esta questão se colocou sequer?
Então, quando toda a gente coloca em causa a eficiência e a eficácia do BdP, quando toda a gente sabe que o presidente da instituição é um dos mais bem pagos do planeta – estamos a falar para que não existam dúvidas de duas dezenas de milhares de euros mensais, quando toda a gente ouve o senhor dizer que não tem conhecimento de nada, no quadro das suas atribuições e competências, porque raio é que esta questão implicou um "recuo"?
Este senhor será capaz de enfrentar um desempregado ou um trabalhador com salários em atraso?



Nova Aliança, 28 / Maio / 2009

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