6.10.10

As lições do futebol

11 de Julho – Ainda o desporto-rei. O homem que mudou para sempre o destino do futebol espanhol é um tipo meio estranho, daqueles para quem se olha e dificilmente se acredita que está ali um astro dos relvados. Na edição de ontem da “Marca”, Roberto Palomar assinava uma coluna de opinião que retratava o herói do momento: “Visto de perto, Iniesta poderia ser um profissional de qualquer coisa menos de futebol. Podia ser um repositor de fruta ou um funcionário do Ministério da Agricultura. Qualquer coisa, mas nunca futebolista. Limpo de tatuagens, brincos ou pulseiras, pálido como leite, calvo, só se lhe conhecem duas excentricidades: um dia mandou calar Cristiano Ronaldo e agora atreveu-se a mostrar uma camisola com uma mensagem para Dani Jarque.”
De facto, está ali tudo menos o símbolo da estrela dos novos tempos. A subida aos céus de um jogador assim, tão discreto, deve ser uma dor de cabeça para os tubarões do marketing, que devem andar em palpos de aranha para perceber como vão conseguir pôr Iniesta a vender qualquer coisa.
Quando Sara Carbonero o entrevistava, no final do Espanha-Holanda, o jogador do Barcelona ouvia-se a custo e não era por causa das vuvuzelas. O tom de voz de sempre, acabrunhado, quase a pedir desculpa por ali estar. Ontem chegava a ser difícil encontrá-lo nas fotografias de celebração que foram publicadas nos vários jornais espanhóis. Provavelmente, não aprecia grandes festas nem confusões e, por isso, prefere ficar no seu cantinho.
Há pessoas assim: que nasceram para jogar e nada mais. Há cada vez menos, é verdade, mas ainda há. E, para além de jogar, este ainda ganha. Mundial’2010, Euro’2008, duas Ligas dos Campeões (2006 e 2009), quatro campeonatos de Espanha (2004/05; 2005/06; 2008/09; 2009/10), uma Supertaça Europeia (2009), três Supertaças de Espanha (2005, 2006 e 2009), uma Taça do Rei (2008/09) e um Campeonato Mundial de Clubes (2009). Se gostasse de falar, veja-se bem o que Andrés já não teria para contar.
12 de Julho – Os portugueses são assim: optimistas, sonhadores e arrogantes. Mas, por enquanto, uma das máximas do futebol diz que o campeão é sempre justo e esta Espanha merece mais do que todos os outros porque é, indiscutivelmente e sem margem para qualquer discussão, melhor do que todos os outros. Um percalço no primeiro jogo do Mundial não impediu que La Roja fizesse uma campanha fabulosa com constantes demonstrações de força, classe e um futebol capaz de maravilhar e criar unanimidade, porventura a coisa mais difícil de colher no universo futebolístico.
As razões para este fenómeno espanhol não se resumem aos fantásticos jogadores de que dispõe. É muito mais que isso e deveria ser uma lição para Portugal. Depois de terem conseguido acabar com a malapata do “quase” no Euro’2008, os espanhóis mudaram de selecionador mas não mudaram de filosofia. Ao contrário do que sucedeu por cá, Del Bosque foi inteligente e humilde ao ponto de perceber que aquilo que está bem não se muda. Os profissionais competentes e seguros de si não necessitam de suscitar revoluções para darem o cunho pessoal. O técnico espanhol manteve a estrutura, a filosofia e tentou (e conseguiu) aumentar a qualidade, resistindo à pressão e até aos ataques ferozes do bem-sucedido antecessor. Até ao fim foi um gentleman e um profissional de extrema competência e por alguma razão são estes que têm sucesso e não outros.
Uma frase de Del Bosque, ontem depois da vitória na final sobre a Holanda, deve igualmente servir de exemplo para os portugueses. “Os jogadores merecem tudo. Estivemos juntos 50 dias e não houve qualquer problema ou incidente”, afirmou o novo campeão do Mundo. A seleção espanhola está recheada de estrelas mas nenhuma delas se julga acima de todas as outras, puxando unicamente para si os louros na hora das vitórias e a azia nas derrotas. Por isso Iniesta, Xavi e Casillas vão acabar as carreiras como campeões e senhores do futebol.
Com tudo isto, justificar, daqui em diante, o insucesso português com o facto de termos sido eliminados pelos campeões do Mundo é uma patetice e uma aberração. Gracias Espanha, pelo exemplo e pela ajuda para o Mundial’2018.


Nova Aliança, 6 / Agosto / 2010

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