17.11.10

Acreditar na Constituição, o Caso Casa Pia e a leitura dos indicadores económicos

14 de Setembro – Devemos acreditar na Constituição?
O Público dá hoje destaque na 1ª Página a uma reportagem cujo tema é “Quanto custa educar um filho?”. Não se percebe de que estão a falar. A Constituição diz que cabe ao Estado estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino e a criação de uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. Educar um filho é, 35 anos após a gloriosa revolução de Abril, totalmente gratuito.
Andam a propagar a mentira de que o futebolista José Torres terá tido dificuldades financeiras no fim da vida, agravados pelo facto de sofrer de Alzheimer. Não pode ser verdade porque a Constituição portuguesa garante que o direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.
Será impressão minha ou a Constituição anda-nos a enganar?
16 de Setembro – O que sabemos do processo Casa Pia.
Terá terminado o processo Casa Pia? Se descontarmos os recursos que aí vêm, parece que sim. Será que se fez justiça? Tirando melhor opinião, parece que sim, e exactamente do modo que a opinião pública desejava. Não é verdade que, antes da leitura da sentença, todos os inquiridos, anónimos ou não, afirmavam querer que a dita justiça se fizesse? E acrescentavam, por palavras meias ou inteiras, esperar que os arguidos fossem condenados, o que sugere que a justiça não tinha muita escolha e não se teria feito em caso de absolvição.
Não sei, não posso realmente saber, o que sucedeu nas referidas casas de Elvas e de Lisboa, e não sei se o sucedido envolveu os sujeitos apontados pelas testemunhas e agora confirmados pelo tribunal. Mas sei algumas coisas: sei que se mandou em paz a senhora que, na opinião dos juízes, era a anfitriã dos presumidos regabofes e logo conheceria cada um dos respectivos participantes; sei que o julgamento foi adiado para o dia seguinte a duas sucessivas, e relevantes, alterações ao Código Penal; sei que os condenados não ficaram detidos e que um deles andou, com ou sem advogado furioso a tiracolo, a insultar o tribunal que assim decidira frente às câmaras de tudo quanto é estação; sei que o julgamento demorou seis inacreditáveis anos; sei que a confiança que os poderes judiciais inspiram no momento em que o processo Casa Pia termina não é idêntica à que inspiravam no momento em que começou; sei que o processo Casa Pia é menos causa do que consequência deste desgraçado, e talvez irremediável, estado das coisas; sei que, por isto e por aquilo, já não se consegue fazer justiça em Portugal sem espalhar a proverbial sombra de uma dúvida. E sei que a alegria de muitos face à condenação de meia dúzia de suspeitos contrasta com a indignação de uns tantos enquanto, até certa altura, houve um sétimo e peculiar suspeito no rol. Quem? Vocês sabem de quem eu estou a falar…
29 de Setembro – Ainda teremos memória?
É bom não esquecer que: 25 de Novembro de 2009 Sócrates garantiu que não aumentaria impostos; a 8 de Março de 2010 Sócrates vangloriou-se: “O mais fácil seria aumentar impostos”; a 12 de Maio de 2010 Sócrates estava satisfeito com o crescimento no primeiro trimestre; a 6 de Junho de 2010 Sócrates garantiu que o mais recente aumento de impostos era suficiente; a 2 de Julho de 2010 Sócrates dizia que o crescimento do desemprego vai continuar a abrandar ; a 13 de Agosto de 2010 Sócrates garantia que o crescimento do PIB no segundo trimestre consiste num “sinal de grande encorajamento e confiança para a recuperação da economia portuguesa”; a 24 de Agosto de 2010 Sócrates afirmava que o crescimento da economia portuguesa, entre Janeiro e Junho, foi o dobro do previsto pelo Governo; a 29 de Setembro de 2010 Sócrates anuncia o segundo aumento de impostos do ano e decreta mais um roubo na função pública. Perante tal “responsabilidade”, “coerência” e “competência”, é fácil seguir o seu raciocínio:
1. De entre os indicadores disponíveis, escolher os mais favoráveis.
2. Entre a variação homóloga e a trimestral escolher a mais favorável.
3. Se todos os indicadores pioram, escolher os que pioram menos que os dos restantes países europeus.
4. Se um dado indicador é pior que os dos restantes países europeus, comparar com as previsões do governo/FMI/Bando de Portugal.
5. De entre várias previsões (União europeia/FMI/Bando de Portugal), escolher a mais favorável ao governo.
6. Se o desemprego aumenta, atribuir o aumento à sazonalidade.
7. Se o desemprego diminui, destacar as políticas do governo.
8. Se os dados estatísticos são desfavoráveis, alegar que estão desactualizados e que os dados mais recentes vão provar que o governo está no bom caminho.
9. Se um indicador for desfavorável atacar a credibilidade da fonte.
10. Justificar os maus indicadores com factores que não dependem do governo (crise internacional, preço do petróleo, desvalorização do euro, valorização do euro).
11. Se um indicador piora ligeiramente, alegar que estabilizou. Se melhora ligeiramente falar em retoma sustentada.
12. Evitar gráficos que dêem uma visão global dos indicadores, excepto quando os gráficos são favoráveis.
13. Se os resultados de curto e médio prazo são desfavoráveis, citar a tendência de longo prazo.

Nova Aliança, 14 de Outubro de 2010

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