13.7.06

Palavras, Os futuros patrões portugueses e o preço da vida humana

1. Poderão as palavras significar aquilo que não são? Poderão elas transmitir o ininteligível? Quando recentemente o ministro da Saúde refutou algumas críticas em plena Assembleia da República e que lhe eram dirigidas por deputados da oposição, salientou que “o facto de poder haver mais doentes em lista de espera pode ser bom” por indiciar que a “disponibilidade dos serviços aumenta”. Parece assim existir vantagens numa lista de espera que cresce a olhos vistos, basta ouvir o ministro que, pasme-se, diz estas coisas sem se rir. Mais à frente, questionado sobre a criança portuguesa que morreu em Badajoz depois de ter para ali sido transportada desde Elvas, o mesmo ministro afirmou que não se tratava de uma criança, “mas de um feto inviável”. Um “feto inviável”? E ninguém reage?? E na Finlândia, as palavras também se usarão assim?

2. Uma análise cuidadosa da recente proposta de alteração do Estatuto da Carreira Docente revela que a palavra “ensinar” não aparece uma única vez no documento que tem 55 páginas. Mesmo a palavra “ensino” aparece apenas como qualificativo oficial ( “estabelecimento de ensino”, “ensino básico” ). Já a palavra “aprendizagens” aparece 13 vezes, no singular e no plural. O ponto 2 do Art. 36º, referindo-se às funções dos professores, não fala em ensinar, mas sim em “identificar saberes e competências-chave dos programas”, “desenvolver situações didácticas” e criar”situações de aprendizagem”. Entre outros, são deveres dos docentes: “Trabalhar em equipa”, “Colaborar com as famílias” e “Conceber respostas inovadoras às novas necessidades da sociedade do conhecimento”. O leitor tem todo o direito de não acreditar, por isso lhe peço que procure em www.min-edu.pt. E na Finlândia, também será assim?


3. O anúncio passa todas as noites em nossa casa. Serve para promover o TMN Mail, um serviço que permite consultar o correio electrónico a partir do telemóvel. A coisa passa-se assim: um jovem executivo chega ao seu trabalho e, depois de cumprimentar a chefe, volta a sair à socapa pala porta por onde entrou. Encontramo-lo então numa espécie de esplanada solarenta, rodeado de belas mulheres bronzeadas e em bikini. É aqui que entra o TMN Mail: o telemóvel é suficiente para estar ligado à sua empresa e, quando a chefe o convoca para uma reunião daí a 20 minutos, o nosso executivo acompanhado por outros sai disparado da esplanada e ainda chega a tempo da reunião. No nosso sofá compreendemos bem a motivação que a TMN apresenta aos seus clientes para a assinatura do novo serviço. E ela é o jeito que dá para enganar o patrão. No fundo não nos devemos surpreender, o trabalho afasta-nos das esplanadas, leia-se, dos prazeres desta vida. Considerando que este jovem executivo de hoje será o patrão de meia-idade de amanhã, deveremos ainda ter esperança. E na Finlândia também foi assim? Continuamos prazenteiramente na cauda da Europa mas atenção, temos mail no telemóvel…

4. Pedrito de Portugal foi multado em 100.000 euros por ter morto um touro na arena. Quando nos recordamos que por cada vítima do acidente de Entre-os Rios o Estado pagou 50.000 euros, que deveremos concluir?...Isso mesmo, caro leitor. Lembro o caso ao ler que um grupo de activistas portugueses se propõe ir a Pamplona protestar contra as tradicionais largadas de touros que, por esta altura, ocorrem naquela cidade de Navarra. Como já protestam há algum tempo e ninguém lhes liga, decidiram agora ser mais criativos e prometem correr nus pelas ruas ao lado dos bois, só com chifres de plástico na cabeça. Tenho uma sugestão a fazer: como em Abrantes a água que sai das torneiras na parte alta da cidade é castanha embora custe o mesmo da cristalina ( já agora, só deixaremos de ter água castanha quando o próximo presidente da câmara habitar na zona? ) seria interessante ter uma largada humana de activistas em pelota pelas ruelas abrantinas. Afinal de contas são ambientalistas. Que tal? Na Finlândia, de certeza que as coisas não se passam assim… Um último pormenor: podiam substituir os cornos por duas garrafas de água. Cristalina, claro…
Nova Aliança, 08 / 07 / 2006

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