13.2.09

O menino do Ferrari, a vergonha do ministro e a questão israelita

9 de Janeiro - Partiu um Ferrari 599 GTB, num túnel perto de Manchester. Quase só por milagre não se partiu todo ele também: o impacto do embate do bólide contra as barreiras de protecção foi tão violento que toda a parte dianteira ficou destruída e uma roda desprendeu-se, aterrando a 200 metros de distância. Felizmente ileso, Cristiano Ronaldo encolheu os ombros e anunciou de imediato aos jornalistas: "Vou comprar um Bugatti." O avançado do Manchester United já tem um Rolls-Royce, um Bentley Continental, dois Porsches Cayenne e um Porsche 911: segundo os jornalistas da especialidade, o seu parque automóvel está avaliado em três milhões de euros. Pode bem dar-se ao luxo de espatifar um Ferrari. Ou dois ou três. Há uns anos, não muitos, era um menino pobre da Madeira: hoje é um perfeito símbolo da nossa era, consumista no mais alto grau. Ostenta, exibe, acelera, voa baixinho. Usa um Ferrari e deita-o fora.

12 de Janeiro - Augusto Santos Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares ficou escandalizado a respeito da votação de um projecto dos Verdes que suspenderia o tal modelo para a "avaliação" daquela gente que dá aulas nas escolas: “Houve deputados que não hesitaram em votar a favor de um projecto de lei que, a ser aprovado, constituiria uma vergonha para o parlamento democrático português”.
Sim, ele disse aquilo referindo-se ao voto de cento e treze deputados dos Verdes, do PSD, do PCP, do CDS, do BE, de dois não-inscritos ( Luísa Mesquita e José Paulo de Carvalho) e até do PS.
Independentemente do número impressionante de deputados que "não hesitaram", se atreveram à pouca-vergonha daquele voto, o que espanta é aquilo mesmo ter sido dito. Por um ministro.
Um ministro não deve falar dos deputados (e o governo está "sujeito ao" parlamento e não o inverso) naqueles termos. Um ministro digno desse nome, que tenha respeito por si mesmo e pela sua função, tem de respeitar o parlamento.
Num parlamento democrático, a votação livre de deputados e a (quase) aprovação de um documento nunca são uma vergonha para esse parlamento. Pode não ser conveniente para um governo, pode ser uma maçada, pode ser um erro, mas nunca é "uma vergonha" que alguns biltres, subentende-se, "não hesitam", isto é, têm o atrevimento, de votar. É, sim, "uma vergonha" haver um ministro que diga coisas destas.
Eu tenho vergonha deste ministro. Ele também devia ter.

14 de Janeiro - O problema está, efectivamente, na morte de civis. Contrariamente ao Hamas, e aos seus adeptos mais ou menos vocais por várias partes do mundo, o governo israelita distingue os terroristas do grosso da população palestiniana. Mais: o exército israelita é provavelmente o exército no mundo com regras mais estritas no capítulo. Que uma guerra, nestas condições, e com o Hamas usando civis como escudo humano, produza a morte de inocentes, é praticamente inevitável. A questão está, efectivamente, na quantidade dessas mortes. Aqui, a quantidade interessa, e por razões morais. O Hamas (tal como o Hezbollah, que decidiu voltar a entrar agora em cena) não se coloca o problema da morte dos civis israelitas, até porque o seu objectivo é, precisamente, acabar com eles. Para Israel – para o governo de Israel e para os israelitas – a questão é de suma importância. Não por razões de “má imagem”, vale a pena repetir, mas por razões morais. Israel, tentando defender-se, encontra um problema – e um problema que explicitamente reconhece, um problema que é um problema para os israelitas - que os seus adversários não têm. A assimetria é completa. Com quem admitir isto – por outras palavras: com quem admitir o trágico dilema de Israel na sua luta contra o terrorismo e na defesa da vida dos seus cidadãos -, é possível discutir. Com quem se recusar a fazê-lo, francamente, não vale a pena.

Nova Aliança, 23 / 1 / 2009

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