15.4.09

Os nomes das ruas, os trabalhos de casa e o aniversário do Público

18 de Março - Antigamente, dar nome a uma rua pressupunha um feito distinto. Políticos, militares, escritores ou artistas enfeitavam as nossas cidades porque o mérito era coisa séria.
Tudo mudou: num país onde o mérito não existe e a vulgaridade igualitária abunda, quem sobra? Sobram, como muito bem defenderam os autarcas Carlos Encarnação e Moita Flores, duas mulheres vítimas de violência doméstica, que terão os seus nomes a enfeitar a toponímia de Coimbra e Santarém.
No Portugal de 2009, o ‘herói’ não é aquele que comete actos ‘heróicos’. Para se ser ‘herói’, ‘basta’ levar porrada e, de preferência, morrer durante o processo. Parece que, após ouvir na rádio a história de uma mulher assassinada pelo namorado, o dr. Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, decidiu baptizar uma rua da cidade com o nome da falecida. Para não perder a deixa, o dr. Moita-Flores, famoso comentador televisivo e edil, anunciou iniciativa semelhante em Santarém. Ambos os gestos provavelmente indiciam uma moda que, até às "autárquicas", varrerá a nação de norte a sul: imortalizar os alvos de companheiros psicóticos.
As senhoras em questão são exemplos do quê? Do azar? De péssimas escolhas sentimentais? O que rezarão as placas? "Avenida Manuela Pires, Receptora de Tareias Conjugais (1977 - 2009)"? Sim, parece-me bem…
Sei que, se a ideia é transformar os desafortunados em modelos, não há razão para que as vítimas de violência doméstica mereçam mais atenção que as vítimas de violência pública e de incidentes em geral. Urge que outros autarcas com apetites publicitários e fome eleitoral garantam ruas aos mortos em consequência de assaltos à mão armada, acidentes rodoviários, doenças infecto-contagiosas, suicídios, negligência médica e tombos mal dados.

23 de Março - Quem disse que os franceses não são inovadores? Repare-se na polémica do momento em França: faismesdevoirs.com. Está a causar polémica mas é legal. Os alunos franceses já podem comprar os trabalhos escolares na Internet. O website www.faismesdevoirs.com faz os trabalhos por medida e a pedido. Como?
O aluno inscreve-se , abre uma conta, compra um cartão pré-pago, que se vende em pontos de venda na cidade de Paris e é tudo. O website faz o trabalho e envia-o por email ou pelo correio. Três perguntas de matemática custam 5 euros, um ensaio de história, 10 euros, quatro problemas de física, 25 euros e um trabalho de geografia, 30 euros.
O fundador e proprietário do website, Stéphane Boukris, afirmou ao diário Le Parisien que recebeu 20 curricula vitae de professores interessados em trabalhar no website. Boukris informou que paga aos docentes entre 15 e 35 euros por hora de trabalho. Reagindo às críticas, Boukris defende-se: "por cada correcção de um problema, há anotações e comentários que ajudam o aluno a compreender melhor os assuntos".
O ministro da Educação francês diz-se chocado com esta iniciativa, que visa desenvolver o "mercado do menor esforço". Repetez-vous: menor esforço? Só pode soar bem a ouvidos tugas. Aguarda-se a todo o momento o aparecimento por cá de um faz-meoTPC.com para facilitar a vida à estudantada. É só registar o endereço e pôr a render: nada mais simples. Ou deverei dizer simplex?

25 de Março - Felicito o Público pelos seus 19 anos. São lamentáveis os ataques que o jornal tem sofrido nos últimos tempos. Eu também discordo de várias coisas que se escrevem no jornal, e nem por isso deixo de o considerar um espaço de liberdade e de opinião plural. José Manuel Fernandes transformou o Público para melhor, depois das experiências iniciais de Vicente Jorge Silva. Os infames ataques ao director do Público vêem todos do mesmo lado.

O Público tem investigado factos incómodos para o poder socialista. Tal como outros jornais, como o Sol e o Correio da Manhã. Por questões editoriais, outros não o têm feito. Por isso percebo que o PS gostasse mais do Público quando seus os critérios editoriais não colidiam com os seus interesses. Uma imprensa suave e comodista é sempre mais fácil de lidar. Mas por muito que custe ao Partido Socialista, continuará a haver uma imprensa que cumpre o seu papel de watchdog.

O comentário que António Costa acaba teceu na Quadratura do Círculo sobre a maravilha que foi o Público durante os anos Vicente Jorge Silva, por comparação à presente liderança de José Manuel Fernandes, é o exemplo acabado do estado de espírito com que este PS encara a comunicação social e a sua liberdade de expressão. Bons são os que nos são agradáveis; todos os outros são de suspeitar - e, por causa dos efeitos nefastos que a sua intervenção tem no espaço público, deve regular-se com rédea curta toda a actividade jornalística.

Nova Aliança, 9 / Abril / 2009

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