27.2.09

A subida "a pulso" do Vara

8 de Fevereiro – A pedido de uns quantos, fui ler o currículo vitae de um tal Armando Martins Vara. A tarefa não me entusiasmava nem me interessava rigorosamente nada. Mas lá entrei na página respectiva: (http://www.millenniumbcp.pt/pubs/pt/grupobcp/quemsomos/orgaossociais/article.jhtml?articleID=217516).
No meio de uma depressão colectiva provocada por uma crise económica e tendo ouvido falar da subida meteórica desse administrador do BCP, procurei informações sobre esse modelo de virtudes do momento nacional que vivemos.
Comecei por ficar desiludido e tentado a pedir ao Millennium que apague a página ou, pelo menos que faça um aviso prévio, o currículo de Armando Vara só deveria ser acessível a maiores de 18 anos. Não, não se trata de nenhuma fotografia mais ousada. A verdade é que receio o colapso rápido do sistema de ensino. Se os estudantes deste país fossem ler o currículo de Armando Vara, dificilmente os seus encarregados de educação conseguiriam convencê-los a pegar num livro. O próprio “Magalhães” ficaria fechado na gaveta.
Muito provavelmente a UNI acordaria amanhã com uma fila de milhares de jovens à porta da universidade entretanto encerrada, para se escreverem no curso de relações internacionais. Aliás, se os jovens seguissem o exemplo de Vara, que não acabou filosofia para tirar relações internacionais e ir para administrador de um bano, haveria uma imensa confusão não só nos mais jovens, mas também no meio dos estudantes universitários. Os estudantes do Técnico mudariam para Literaturas Estrangeiras na esperança de chegarem a astronautas e os de medicina iriam a correr para o ISLA na esperança de virem a ganhar o Nobel da medicina.
E como explicar à malta que as pós-graduações costumam tirar-se depois das licenciaturas? Pois, mas Vara já estava a adivinhar o futuro que ia ter e antes de acabar o curso de relações internacionais em 2005, já tinha concluído uma pós-graduação em gestão empresarial no ISCTE em 2004. Como é bom antecipar problemas para os evitar no futuro. Ainda bem que foi mesmo parar à gestão bancária ou acabaria por ter uma crise de vocações.
Todavia, antes de chegarem à formação académica os nossos jovens terão de ficar a conhecer as funções do coitado, ao saberem que o nosso gestor de sucesso tem de ser vice-presidente do Conselho de Administração da Fundação Millennium bcp, Presidente do Conselho de Administração do Banco de Investimento Imobiliário, SA, vice-Presidente do Conselho de Administração do Banco Millennium bcp Investimento, SA, Gerente da BCP Internacional II, Sociedade Unipessoal, SGPS, Lda,. Gerente da BII Internacional, SGPS, Lda., gerente da VSC - Aluguer de Viaturas sem Condutor, Lda., vice-Presidente do Conselho de Administração do Millennium bcp - Prestação de Serviços, ACE, e, como se isto fosse pouco, ainda tem de dar uns saltos a Moçambique onde é vice-Presidente do Conselho de Administração do BIM - Banco Internacional de Moçambique, SA. Se considerarmos que só no Millennium Armando Vara cuida da rede corporate, da rede empresas, do factoring e leasing, do marketing de empresas, do aprovisionamento, património e segurança, da direcção de comunicação e do desinvestimento de activos. Pois é, depois disto certamente que nem vão querer saber quanto ganha o homem. Nem quererão saber que neste país se consegue ir para administrador do seu maior banco no mesmo ano em que se conclui uma licenciatura numa universidade que foi encerrada pelo actual Governo.
Bem, do mal, o menos, é gestor de um banco privado e a não ser que o Estado tenha que vir a nacionalizar o Millennium o problema é dos seus gestores. Mas mesmo assim acho que deveriam omitir esta página pelos efeitos nefastos que pode ter na nossa juventude. Três questões ficam lançadas: se este homem se transformar no modelo de sucesso do nosso país, fará sentido avançar para a avaliação dos professores, obrigar os nossos jovens a estudar e manter aberta a maioria das nossas universidades?

Nova Aliança, 19 / Fevereiro / 2009

13.2.09

A avaliação e o pretenso relatório da OCDE

28 de Janeiro - Uns senhores que costumam trabalhar para a OCDE fizeram um estudo sobre as políticas educativas. É um relatório de avaliação encomendado e pago pelo Governo. Embora apresentado como “estudo”, ele é antes de mais um relatório. Mas, ao contrário do que fez crer o primeiro-ministro, não é um relatório da OCDE. Mentir é feio, muito feio e a mentira, vinda de alguém com responsabilidades a nível das mais altas hierarquias do estado é mais do que feio, é gravíssimo!
Um parênteses para uma palavra aos Pais e Encarregados de Educação. Pensemos no conceito de escola a tempo inteiro. Será que o que querem para os vossos filhos é que passem cada vez menos tempo com eles?! É isso que desejam realmente?! Sei que se preocupam por terem que trabalhar e não terem onde deixar os vossos filhos, mas é legítimo assumir essa realidade? Não desejariam que este país pudesse regular os horários de trabalho para que pudessem acompanhá-los nos estudos, brincar com eles, conversar, e terem o direito de os ver, muitos de vós sem ser apenas ao fim-de-semana?! Não seria desejável que as políticas educativas pudessem contribuir para estruturar o conceito de família em vez de servir para a destruir? Não será por isso que muitos de vossos filhos se desestruturam afectiva e emocionalmente? Mas não é verdade também que muitos de vós já foram despedidos no final de um contrato a prazo por terem vindo à escola reunir com o Director de Turma?!
É de todo desejável que a Comunidade participe na escola, tenho-o dito vezes sem conta. Há ainda outro aspecto que diz respeito a este relatório - a possibilidade de passar as escolas para as autarquias. É um erro gravíssimo porque deixam de ser os professores, que detêm as competências pedagógicas, a decidir sobre educação e as escolas passam a ser geridas por gestores que pertencem a partidos políticos, que não têm que ter competências na área da educação! Estão a imaginar maior aberração?! Uma escola poder ser gerida por alguém exterior à educação? Conhecem alguém mais competente do que os professores para fazer a gestão de uma escola?
Voltemos ao dito relatório. As fontes documentais são quase todas dos organismos do ME. Os 4 peritos portugueses consultados são todos próximos ou militantes do PS. O documento baseou-se num relatório prévio feito pelo Ministério da Educação. E os 7 municípios ouvidos são todos do PS menos um que é do Major Valentim Loureiro, um independente que gosta de elogiar a ministra da educação. Os peritos internacionais devem ter deixado Portugal a pensar que o país é uma república monopartidária. Ora digam lá: que credibilidade é que este Relatório pode merecer?

Nota 1: os municípios ouvidos foram: Guimarães (PS); Santo Tirso (PS); Amadora (PS); Ourique (PS); Lisboa (PS); Portimão (PS); Gondomar (Independente). Podemos afirmar, sem estarmos enganados, que Valentim Loureiro é o mais socialista de todos os independentes. Os peritos tiveram encontros com diversos parceiros, destacando-se os nomeados Directores Regionais de Educação, entre os quais a sempre disponível Margarida Moreira, da DREN. É impossível não ficar deslumbrado com as reformas do Governo, perante uma tão isenta apreciação crítica.
Depois, os peritos, foram levados a falar com a CONFAP, mas não com a CNIPE. Para o Ministério da Educação, para ouvir os pais, basta reunir com Albino Almeida, que ou deve ter muitos filhos ou então os seus resultados escolares não são famosos, tantos são os anos que leva à frente da Confederação
Os peritos reuniram ainda com as Associações Profissionais ligadas ao Ensino Básico. Foram ouvidos os professores de Inglês, de Educação Física e até do ensino Pré-Escolar. Mas, por algum motivo estranho, não foram ouvidas a Associação de Professores de Português, nem a Associação de Professores de Matemática, nem a Sociedade de Professores de Matemática.
É insólito, se atendermos à importância que estas disciplinas têm no ensino básico.
Afastando os "observadores" internacionais dos "dissidentes", as avaliações e inspecções externas serão sempre muito positivas. Afinal, o envolvimento da OCDE no relatório fica-se pelo prefácio. O Governo, que encomendou o Estudo e escolheu os peritos, convidou também a "Deborah" da OCDE para assinar o prefácio.

Nota 2: Nelson de Carvalho não se recandidata a novo mandato. Perante a dúvida do seu futuro a curto prazo, tenho uma sugestão: preocupado como está com a posição das escolas da cidade no ranking nacional e defensor do actual estado de coisas a nível de educação, que tal regressar à sua antiga escola e integrar a “bolsa” de professores que assegura as “aulas de substituição” aos alunos. Isso sim, seria de mestre…

Nova Aliança, 5 / 2 / 2009

O menino do Ferrari, a vergonha do ministro e a questão israelita

9 de Janeiro - Partiu um Ferrari 599 GTB, num túnel perto de Manchester. Quase só por milagre não se partiu todo ele também: o impacto do embate do bólide contra as barreiras de protecção foi tão violento que toda a parte dianteira ficou destruída e uma roda desprendeu-se, aterrando a 200 metros de distância. Felizmente ileso, Cristiano Ronaldo encolheu os ombros e anunciou de imediato aos jornalistas: "Vou comprar um Bugatti." O avançado do Manchester United já tem um Rolls-Royce, um Bentley Continental, dois Porsches Cayenne e um Porsche 911: segundo os jornalistas da especialidade, o seu parque automóvel está avaliado em três milhões de euros. Pode bem dar-se ao luxo de espatifar um Ferrari. Ou dois ou três. Há uns anos, não muitos, era um menino pobre da Madeira: hoje é um perfeito símbolo da nossa era, consumista no mais alto grau. Ostenta, exibe, acelera, voa baixinho. Usa um Ferrari e deita-o fora.

12 de Janeiro - Augusto Santos Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares ficou escandalizado a respeito da votação de um projecto dos Verdes que suspenderia o tal modelo para a "avaliação" daquela gente que dá aulas nas escolas: “Houve deputados que não hesitaram em votar a favor de um projecto de lei que, a ser aprovado, constituiria uma vergonha para o parlamento democrático português”.
Sim, ele disse aquilo referindo-se ao voto de cento e treze deputados dos Verdes, do PSD, do PCP, do CDS, do BE, de dois não-inscritos ( Luísa Mesquita e José Paulo de Carvalho) e até do PS.
Independentemente do número impressionante de deputados que "não hesitaram", se atreveram à pouca-vergonha daquele voto, o que espanta é aquilo mesmo ter sido dito. Por um ministro.
Um ministro não deve falar dos deputados (e o governo está "sujeito ao" parlamento e não o inverso) naqueles termos. Um ministro digno desse nome, que tenha respeito por si mesmo e pela sua função, tem de respeitar o parlamento.
Num parlamento democrático, a votação livre de deputados e a (quase) aprovação de um documento nunca são uma vergonha para esse parlamento. Pode não ser conveniente para um governo, pode ser uma maçada, pode ser um erro, mas nunca é "uma vergonha" que alguns biltres, subentende-se, "não hesitam", isto é, têm o atrevimento, de votar. É, sim, "uma vergonha" haver um ministro que diga coisas destas.
Eu tenho vergonha deste ministro. Ele também devia ter.

14 de Janeiro - O problema está, efectivamente, na morte de civis. Contrariamente ao Hamas, e aos seus adeptos mais ou menos vocais por várias partes do mundo, o governo israelita distingue os terroristas do grosso da população palestiniana. Mais: o exército israelita é provavelmente o exército no mundo com regras mais estritas no capítulo. Que uma guerra, nestas condições, e com o Hamas usando civis como escudo humano, produza a morte de inocentes, é praticamente inevitável. A questão está, efectivamente, na quantidade dessas mortes. Aqui, a quantidade interessa, e por razões morais. O Hamas (tal como o Hezbollah, que decidiu voltar a entrar agora em cena) não se coloca o problema da morte dos civis israelitas, até porque o seu objectivo é, precisamente, acabar com eles. Para Israel – para o governo de Israel e para os israelitas – a questão é de suma importância. Não por razões de “má imagem”, vale a pena repetir, mas por razões morais. Israel, tentando defender-se, encontra um problema – e um problema que explicitamente reconhece, um problema que é um problema para os israelitas - que os seus adversários não têm. A assimetria é completa. Com quem admitir isto – por outras palavras: com quem admitir o trágico dilema de Israel na sua luta contra o terrorismo e na defesa da vida dos seus cidadãos -, é possível discutir. Com quem se recusar a fazê-lo, francamente, não vale a pena.

Nova Aliança, 23 / 1 / 2009

O que aí vem...

30 de Dezembro – "Se isto fosse um país a sério..." É das expressões que mais tenho ouvido. Em cafés, entre colegas, entre pessoas das mais variadas profissões. Deixa no ar a ideia de que claramente não é. De que não há justiça, de que não há consequências perante as acções. Que se vive num regime de impunidade, onde o crime de facto compensa. É um Portugal no condicional, à condição de nação do futuro do pretérito. Coisa inacabada e sem remédio. O "se isto fosse um país a sério" dá para tudo, para todas as ocasiões. Para criticar a justiça (ou falta dela) no futebol, nos negócios pouco claros, nos processos judiciais por crimes económicos, etc, etc…

Oiço esta expressão da boca de quem, por norma, vive do seu trabalho, e assiste à não efectivação penal dos crimes vindos a público. Há como que uma sensação de frustração social, que revela a tristeza pela ignorância de saber roubar, de só saber trabalhar.


31 de Dezembro - Este ano não vale a pena fazer a tradicional revista do ano. A cada dia que passa, vemos coisas de que não estávamos à espera. Num dia nacionaliza-se um banco, no outro banqueiros prósperos vão de corda ao pescoço às finanças, mais à frente a banca privada recorre a avais do Estado... Políticos de direita e de esquerda citam Keynes ao pequeno-almoço e choram por mais regulação ao deitar. É um tempo em que apenas se espera chegar vivo ao dia seguinte e pouco mais. É por isso que olhar para trás pouco conta.


1 de Janeiro – O que vai acontecer em 2009:
Uma revolta juvenil algures na Europa será interpretada por grandes intelectuais como o rastilho que levará a uma revolta generalizada das classes oprimidas.
Os alunos portugueses continuarão a ter sucesso.
José Sócrates vai anunciar um novo grande projecto industrial que tirará a economia portuguesa da crise.
A TVI descobrirá que esse grande projecto é uma cópia do que tinha sido apresentado há três anos.
José Sócrates anunciará um novo plano de combate à crise.
Os Estados Unidos continurão a tratar os combatentes inimigos à margem da Constituição Americana e da Convenção de Genebra.
A culpa continuará a ser de Bush.
O campeonato de futebol será ganho por um dos três “grandes”.
A União Europeia continuará a sua política unilateralista acobardando-se nas missões militares internacionais.
O Tibete continuará tão esquecido como esteve nos últimos 4 meses de 2008.
Serão anunciados estudos científicos que prevêem grandes catástrofes daqui a 50 ou 100 anos.
A Ministra da Educação continuará a culpar os professores de tudo o que de mal acontece nas escolas.
A energia das ondas será anunciada como a energia do futuro.
O carro eléctrico será anunciado como o carro do futuro.
Vai emergir um novo líder de esquerda que representará a esperança num futuro melhor.
O fracasso dos planos de combate à crise provará a necessidade de mais planos.
A Islândia sairá da crise antes de Portugal.
Haverá uma onda de criminalidade no Verão.
Os candidatos autárquicos começarão a frequentar os cafés e a “misturar-se” com o povo.
O Procurador-Geral da República considerará que determinado tipo de crime é prioritário.
Maria José Morgado será nomeada para um caso importante.

Nova Aliança, 9 /1 / 2009