29.7.10

O Mundial e os gravadores do deputado socialista

19 de Maio – Os portugueses não descansam. Com o Mundial à porta e a crise praticamente ultrapassada, segundo o primeiro-ministro, o futuro pertence-nos. Carlos Queiroz sugeriu há dias que a selecção nacional "pode funcionar como um estímulo e um capital importante de auto-estima para os portugueses". Se ele não o dissesse, nunca teríamos notado. Prova-se que o desempenho desportivo de uma nação reflecte-se no comportamento dos respectivos cidadãos e, consequentemente, nos indicadores colectivos de progresso. Mesmo que os estudos o não afirmassem, bastaria estarmos atentos à realidade.
O Luxemburgo, por exemplo, é um território deprimido e indigente porque nunca se habituou a celebrar vitórias em competições internacionais. Já os habitantes do Quénia e da Jamaica, estimulados pelos campeões do atletismo, acumularam o capital de auto-estima necessário para transformar esses países nas potências prósperas em que se tornaram.
Portugal é um caso intermédio. De vez em quando, há uma competição internacional, por regra de futebol, que corre razoavelmente. É nesses momentos que o optimismo do povo se alarga e rapidamente julgamos ser os melhores do mundo e, por processos que apenas alguns conhecem, até na economia. Infelizmente, tais momentos não abundam.
É verdade que o recente campeonato do Benfica empolgou sete milhões de portugueses, entretanto estimuladíssimos em benefício da pátria. Mas é preciso ter em conta os três milhões que o mesmo campeonato deprimiu e que, pelo menos durante umas semanas, querem que a pátria se lixe. É por causa disso que as competições internas não ajudam à confiança de que todos os portugueses carecem.
O Mundial da África do Sul, porém, constitui uma extraordinária oportunidade para inverter o desesperado estado das coisas. Cada golo marcado e cada drible de Cristiano Ronaldo terão efeitos imediatos nos números do desemprego. Cada vitória empurrará multidões para as ruas, a transbordar de auto-estima e de cerveja. E a crise ficará mais uma vez esquecida.
20 de Maio - O deputado Ricardo Rodrigues é uma pessoa muito popular. O seu tom de voz também ajuda a percebê-lo. Ora, estava o senhor a ser entrevistado e, alegadamente, não gostou de algumas questões colocadas. Eu entendo, preferia uma daquelas entrevistas à José Alberto Carvalho e Judite de Sousa com perguntas certinhas e respostas preparadas. Vai daí, não quis responder às perguntas dos jornalistas da Sábado e, à socapa, surripiou (nas suas palavras, "tomou posse") ou locupletou-se com os gravadores dos jornalistas, que apresentaram queixa por roubo. O deputado justifica-se com a "violência psicológica insuportável" que teria sido exercida sobre ele. Neste ponto, lembro que foram apenas umas perguntas. Argumento sério. Certamente foi por isso que apareceu a invocá-lo numa conferência, acompanhado de dois dirigentes do partido. Pelo sim, pelo não, desta vez os jornalistas agarraram bem nos gravadores. Pudera.
Há contudo uma certeza: alguém terá uma predilecção por um deputado como este. Também é determinado (veja-se a determinação com que enfia os gravadores no bolso e se pira todo lampeiro). Também procura defender o seu bom-nome (veja-se o pundonor com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Também enfrenta os jornalistas e tal (veja-se a resolução com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Também não tem medo, não hesita e não recua (veja-se a coragem com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro). Agora não é tempo para mostrar fraqueza e tal (veja-se a valentia com que enfia os gravadores no bolso e se pisga todo lampeiro).

Nova Aliança, 27 / 5 / 2010

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