3.11.05

O Nobel da Economia 2005 e a Liberdade

1. A atribuição do Nobel da Economia ao americano Thomas Shelling e ao israelo--americano Robert Aumann, especialistas no campo da “teoria dos jogos”, é, no mínimo, curiosa. No fundo, tal distinção reflecte a evolução da economia enquanto ciência do comportamento.
No comunicado da Academia de Ciências sueca lia-se: “Porque é que alguns grupos de indivíduos, organizações ou países conseguem promover a cooperação e outros sofrem com conflitos? [Aumann e Shelling] estabeleceram a ‘teoria dos jogos’ como técnica dominante para responder a esta questão milenar”. Vejamos três exemplos práticos da aplicação desta teoria:

a) Se dois países tiverem um conflito territorial, cada um pode optar por mobilizar o seu exército. Partamos do princípio que ambos o fazem, a probabilidade de guerra será então muito elevada; se nenhum deles o fizer, a probabilidade de se poder negociar um acordo é maior. A questão reside no facto de cada país não saber as intenções do outro. É, pois, possível manter um equilíbrio se existirem “ameaças credíveis” de ambos os lados, de tal forma que “a retaliação é suficientemente provável” e com danos superiores aos benefícios de um ataque vitorioso.
b) As taxas de juro são fixadas pelos bancos centrais dos países que têm, por isso, algum controle sobre a inflação. Eles podem ser tentados a usar essa mesma inflação para “enganar” os agentes económicos, levando-os a pensar que o aumento dos preços significa um aumento da procura, e assim a produzir mais. O que a ‘teoria dos jogos’ aqui nos diz é que, em certas circunstâncias, é do interesse dos decisores políticos delegar as suas responsabilidades em decisores independentes – mesmo que um político procure agir sempre de acordo com o interesse público, a transferência da responsabilidade para um banco central europeu evita a geração de conflitos entre governos e agentes económicos.
c) Um jogador americano de hóquei no gelo sofreu, em 1969, graves lesões cerebrais quando foi atingido na cabeça, por não usar um capacete. Como na altura não era obrigatório, os jogadores resistiam a usá-los. Tal razão residia no facto de muitos jogadores, embora conscientes do risco, não quererem ser apelidados de ‘medrosos’. A ‘teoria dos jogos’ explicava que a expectativa de uma lesão era demasiado baixa para contrabalançar a perda de respeito dos outros jogadores. Shelling teorizava que, se uma maioria de jogadores passasse a usar capacete, o problema desapareceria.

Para percebermos estas aplicações, devemos entender a palavra ‘jogos’ como interacção humana. Ao contrário da maioria das modalidades desportivas, que são jogos de “soma zero” ( existe um vencedor e um perdedor ), em quase todas as interacções humanas há uma mistura de interesse comuns e conflitos. O matemático americano John Nash, também ele galardoado com o Nobel em 1984 e imortalizado no filme Uma Mente Brilhante, contribuiu para este campo com diversas teorias sobre “jogadores” que podem atingir situações de equilíbrio, em que todos saem beneficiados.
Embora nunca tenham trabalhado juntos, a Academia sueca considera complementares os seus trabalhos e em declarações à imprensa, Aumann – que vive em Jerusalém - tem esperança de que a sua ‘teoria’ seja parte da solução no conflito israelo-palestiniano.
No fundo, a atribuição deste ano mostra-nos a Economia por um lado menos mecanicista e mais humano.

2. Perante alguém que, assumidamente, violou a lei de um país estrangeiro como fez aquele jovem há uns tempos atrás no Dubai, o Governo decidiu enviar um peso-pesado da diplomacia que rapidamente “manobrou os seus cordelinhos”, o libertou e o trouxe de regresso a Portugal. O piloto Luís Santos, inocente até prova em contrário, permanece preso na Venezuela sem qualquer tipo de ajuda das autoridades portuguesas ( segundo as suas palavras ) e viu até hoje o julgamento ser adiado por vinte cinco vezes. Que diferença existirá entre os dois? Quando sair da prisão, o piloto deve seguir a carreira artística e voar para o Dubai, caso pense dedicar-se, de novo ou pela primeira vez, ao tráfico de droga. Aí é tudo mais claro. Pelo menos não se faz de conta que o poder judicial funciona independentemente do político. Bons contactos no meio artístico transformam rapidamente a prisão numa causa mediática. A liberdade não demorará...

( Nova Aliança, 28 / 10 / 2005 )

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