14.11.05

Wikipedia, Camionistas e Propostas Eleitorais

1. Quando queremos consultar uma enciclopédia, não podemos ignorar a Wikipedia. ( www.wikipedia.org ). Trata-se de uma enciclopédia on-line feita à custa do trabalho de milhares de colaboradores anónimos e onde toda a gente pode alterar, corrigir, acrescentar ou apagar as entradas feitas pelos outros.
Nascido em 2001, o projecto cresceu até atingir quase dois milhões de artigos escritos em duzentas línguas, tudo – repita-se – fruto do trabalho gratuito de imensos colaboradores. O seu autor chama-se Jimmy Wales, um ex-yuppie americano de 38 anos. Ele foi também o seu primeiro financiador e permanece o seu máximo dirigente, continuando a deter a última palavra sobre os critérios da obra, que não possui fins lucrativos e vive à base de donativos. Idealista, Wales acredita que a sua enciclopédia pode atingir a perfeição se existir um grande número de pessoas interessadas e que do confronto dos vários autores nascerá a excelência, de acordo com os princípios de selecção natural. Dessa forma, as entradas erradas serão corrigidas, as superficialidades darão lugar à profundidade, a mediocridade será substituído pelo brilhantismo e os debates serão consensuais. A verdade é que, de uma forma geral, a maior parte dos artigos da Wikipedia tem uma qualidade muito apreciável e a maior parte das entradas revela uma preocupação de rigor e isenção, até nos temas mais sensíveis.
Os críticos lembram a não existência de garantia de fiabilidade do projecto, a impossibilidade de responsabilização dos autores, a disparidade de critérios, mas, mesmo assim, este é um modelo que tem imensas potencialidades. Antes de mais, arrasta consigo o conceito de trabalho cooperativo, o debate permanente e a abertura á participação de todos. Todavia, não estamos perante um modelo anticapitalista e globalista que muitos imaginam. Wales é conservador e economicamente situa-se claramente no campo liberal. Na origem da Wikipedia, está viva a doutrina populista e antielitista. Na verdade, há um mundo objectivo e pessoas que o estudam e que adquirem mais conhecimentos sobre determinadas áreas do conhecimento do que outras. A competição aberta permite alcançar o melhor resultado na economia, mas em ciência as coisas não se passam bem assim.
Há, com toda a certeza, muitas tarefas estimulantes e úteis que poderão ser levadas a cabo colectivamente com este tipo de ferramentas, mas daí a pensar ser o mercado a melhor escola possível para os nossos filhos e que a “selecção natural da informação” vai permitir encontrar os factos mais relevantes para lhes transmitir, vai uma distância considerável.
Sem qualquer dúvida, a Wikipedia é um excelente site para procurar pistas mas não deixe de as confirmar nas verdadeiras obras de referência, escritas pelos especialistas em quem podemos confiar.

2. Em Espanha começou, há dias, uma greve de camionistas. Os piquetes de greve – leia-se, comités de caciques que obrigam os outros trabalhadores a aderir às suas posições – exercem também o seu controlo sobre os camionistas portugueses. Camiões com matrícula portuguesa têm sido apedrejados, os pneus cortados e os motoristas ameaçados. Até hoje não se ouviu nenhuma tomada de posição sobre estes factos, chamando-os declaradamente xenófobos. Que têm feito as autoridades portuguesas para defender os interesses do país? Quem vai pagar os prejuízos pelo atraso das mercadorias? E pelos danos nos camiões? Quem dirá aos piquetes espanhóis que não podem patrulhar as fronteiras portuguesas e mandar para trás quem lhes apetece?

3. A revista Sábado, no número anterior às eleições autárquicas, publicou um trabalho interessante. Convidou um grupo de políticos de diferentes quadrantes a adivinhar a origem partidária de propostas constantes de programas eleitorais não identificados. Os resultados do “jogo” foram interessantes: Francisco Louçã, por exemplo, confundiu uma proposta de Fátima Felgueiras com uma do Bloco de Esquerda; o presidente do CDS trocou a autoria dos programas do PS e do PSD e uma proposta da CDU foi peremptoriamente qualificada por Maria de Belém como “impossível de ser de um partido de esquerda”. A Sábado conclui e bem que “se para políticos experientes é difícil detectar diferenças entre os programas eleitorais dos diversos partidos, imagine-se para o comum dos eleitores”. É verdade.

Nova Aliança, 11 / Novembro / 2005

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