14.11.05

O Nobel da Literatura

O Prémio Nobel da Literatura foi, este ano, atribuído ao dramaturgo inglês Harold Pinter. Ele é o décimo cidadão de Sua Magestade a receber tal galardão e o segundo em cinco anos a ser distinguido com o maior prémio do mundo das letras, no valor de 1,1 milhões de euros.
A Academia justificou a escolha pelo facto de Pinter ser "o principal representante da dramaturgia britânica da segunda metade do século XX" e de ter recriado o teatro como forma de arte. Um autor que fez uma síntese inovadora das principais correntes do teatro - clássico e contemporâneo -, criando "uma atmosfera e ambiência específicas" que o próprio baptizou com um adjectivo adaptado do seu nome "pintaresco". Nas suas obras típica - e para citar mais uma vez a Academia - "encontramos pessoas que se defendem de intrusões estranhas ou das suas próprias pulsões, refugiando-se numa existência reduzida e controlada".
Sobre a sua obra, o autor diz: "Não consigo resumir nenhuma das minhas peças. Não consigo descrever nenhuma. O que sei dizer: foi assim que se passou, foi isto o que disseram, isto o que fizeram."
Esta "auto-apreciação" encaixa no que sobre ele disse João Barrento, o catedrático que assinou, em 1964, uma tese precisamente sobre o teatro de Harold Pinter "É alguém atento ao quotidiano do nosso tempo, que ia beber informação aos autocarros de Londres. A sua obra é um espelho de uma situação que não é necessariamente simples, ainda que os problemas de que fala possam ser os vividos por qualquer um de nós." Um teatro onde o não dito é mais importante do que o que se diz.
Este ano o nome de Harold Pinter constava da longa "lista" dos candidatos ao Nobel, que incluía ainda os escritores norte-americanos Philip Roth e Joyce Carol Oates, o poeta sueco Thomas Transtromer, o checo Milan Kundera ou o poeta sul-coreano Ko Un. Embora o favoritismo recaísse sobre o turco Orhan Pamuk ou o poeta sírio Adonis ( cujo nome verdadeiro é Ali Ahmad Said ), não se pode dizer que o anúncio do nome de Pinter como vencedor deste ano tivesse causado tanta surpresa como a que provocou Elfriede Jelinek, a escritora austríaca que ganhou o Nobel em 2004.
Curiosamente, durante mais de vinte anos, Harold Pinter julgou ser de origem portuguesa. Filho de judeus, Pinter atribuiu a origem do seu apelido a Portugal, uma variação de Pinto ou Pinta. O primeiro pseudónimo que usou foi Harold da Pinta, porque achava que, como Espinosa, descendia de portugueses. O aprofundar da pesquisa sobre Portugal levou-o a dedicar algumas páginas da sua dramaturgia ao galo de Barcelos. O equívoco só seria desfeito pela escritora Antónia Fraser, com quem viria a casar, que descobriu que Pinter, afinal, descende de polacos.
No passado mês de Março, Pinter anunciara a intenção de abandonar a escrita para teatro, três anos depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro no esófago. Foi um período em que ficou conhecido, sobretudo, pelas suas posições políticas. Crítico acérrimo da Administração Bush e de Tony Blair, manifestou-se contra a intervenção no Iraque. Uma oposição que deixou registada em poema. Agora, diz que quer dedicar-se apenas à poesia. Ao saber que tinha vencido o Nobel da Literatura declarou "Estou estupefacto. (...) tenho de parar de me sentir assim quando chegar a Estocolmo."
Numa rápida análise da sua obra, notamos que as suas peças de cultivam uma fascinante noção de economia. Como em Old Times (1971), jogo de memórias e confrontos que nos deixa muito poucas certezas mas que capta com inteligência uma inegável nebulosidade nos nossos afectos e lembranças. Podemos considerar o dramaturgo inglês como um realista preocupado com que o domínio da linguagem ultrapasse o simples naturalismo, através de uma extrema atenção aos ritmos, repetições, pausas, saltos lógicos, banalidades. Martin Esslin, num estudo clássico, escreveu que se em teatro o diálogo é acção, então nas peças pinterianas as situações concretas com pessoas concretas existem acima de tudo através dos diálogos lacónicos mas extremamente precisos. Com um ouvido excepcional, Pinter usa diálogos oblíquos como imagem de personagens e situações oblíquas, sobre as quais sabemos pouco. Dessa forma, pausas e silêncios são essenciais. Esslin explica que Pinter joga com o que já sabemos para que os silêncios sejam produtivos, e joga com o que não sabemos para que as ambiguidades se confundam com a situação. O próprio dramaturgo confirma isso mesmo: "As minhas personagens dizem-me alguma coisa, mas não muito, sobre a sua experiência, as suas aspirações, as suas motivações, a sua história. Entre a minha escassez de dados biográficos sobre elas e a ambiguidade do que elas dizem está um território que não só vale a pena explorar mas que é obrigatório que exploremos". É que nós somos muitas vezes esquivos e evasivos, "mas é desses atributos que nasce uma linguagem".
Por tudo isto, o Nobel atribuído a Harold Pinter foi uma excelente escolha e premeia com justiça aquele que é considerado o maior dramaturgo vivo.

Nova Aliança, 11 / Novembro / 2005

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