2.11.06

Taxa moderadora, Prémio Nobel da Paz, Prós e... Prós

11 de Outubro – A explicação de que “existem nove países na Europa que têm taxa moderadora no internamento” dada pelo ministro da Saúde é ridícula. Quantos países constituem a Europa? E quantos são mais ricos que Portugal? Pode um português pagar tanto como um alemão? Já agora, lembra-se o leitor qual a opinião de Sócrates sobre este tema em 2004? ( Na altura, o primeiro-ministro chamava-se Pedro Santana Lopes e
o objectivo da medida que agora se discute era garantir a sustentabilidade do SNS, permitindo aos mais pobres não pagar pelo acesso à saúde. “Quem não pode pagar, não paga. Quem pode mais, paga”, afirmava então Santana.) Em declarações à TSF, o então candidato à liderança socialista José Sócrates afirmou que a intenção do Governo não é a de promover a justiça social mas “criar um novo imposto sobre a saúde”. “Se o primeiro-ministro quer aumentar as receitas tem uma forma fácil de o fazer que é combater a fraude e evasão fiscal”, afirmou. Que exemplo de seriedade... ou como nos dá jeito a memória...

13 de Outubro – Sexta-feira, dia de peregrinação a Fátima. O ministro da Economia afirma que a crise acabou. Que bom!!! Terá sido resultado da gigantesca manifestação? Ficamos todos mais descansados: sobrará menos mês no fim do ordenado, nenhuma fábrica fechará, todos teremos emprego, não existirão mais manifestações nas ruas nem motivo para greves. O ministro estampou-se? Não, digamos apenas que não economiza no disparate.

14 de Outubro - O Prémio Nobel da Paz não poderia ser mais bem atribuído. Muhammad Yunus poderia ter permanecido nos Estados Unidos, onde estudou, poderia estar a trabalhar no Banco Mundial em Washington produzindo quilos de papel sobre estratégias de combate à pobreza, poderia escrever artigos de investigação matematicamente sofisticados sobre crescimento e desenvolvimento económico. Contudo, optou por regressar ao Bangladesh e ensinar economia fora da sala de aula observando, como um verdadeiro cientista, o pulsar da actividade diária na luta pela mais básica das necessidades, a alimentação. E, através do microcrédito, encontrou uma solução para o problema da pobreza de muitas pessoas sem sofisticados papéis de investigação.

A solução de Yunus é também um desafio para aceitar repensar o funcionamento dos bancos. A ortodoxia diz que as taxas de juro devem ser mais elevadas para quem tem menos hipótese de pagar o crédito. É este o modo de funcionamento assim dos bancos funcionam. Por isso é conhecida a imagem: "emprestar um guarda-chuva quando está sol e pedir que o devolvam quando começa a chover".

15 de Outubro - Os pais de uma escola pública em Sete Rios, Lisboa fecharam a cadeado a escola pois, para 300 alunos, existem apenas duas auxiliares de acção educativa. A DREL classificou o facto de "terrorista" e mandou a polícia repor a ordem. Também hoje, no Porto, um grupo de gente ligada ao teatro ocupou o Teatro Rivoli que é tutelado pelo município. A Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, afirmou tratar-se de uma "original e inovadora forma de luta" e até ofereceu os seus bons ofícios para "mediar" o conflito com a Câmara do Porto. É óbvio que se a Câmara do Porto fosse gerida pelo PS este último acto também seria "terrorismo", todavia, a ministra, que por acaso também é do Porto, prefere falar em originalidade e inovação das formas de luta. Será que se eu juntar quarenta pessoas para protestar contra a qualidade da água abrantina ( e garanto que não preciso sequer de um partido ) e ocupar os Serviços Municipalizados o evento passa em todos os telejornais com tanto tempo como os protestantes junto do Rivoli, com directos e entrevistas, tenho o ministro do Ambiente logo disposto a receber-me, sou tratado com benevolência como "povo" genuíno e ninguém me tira de dentro do edifício? Duvido.

16 de Outubro – Ao contrário do Prós e Prós onde se discutiu o novo Estatuto da Carreira Docente e onde apenas se ouviram vozes pró-ministra, o Prós e Contras de hoje sobre os dinheiros das autarquias foi um programa notável. Registe-se o facto de se terem convidado, desta vez, algumas vozes críticas, neste caso os autarcas que mostraram um grande domínio da realidade, um muito bom conhecimento dos mecanismos perversos da nova legislação e uma grande capacidade argumentativa. Ao contrário, António Costa foi de uma agressividade malcriada, roçando o insulto, autoritário e demagógico até ao limite. Fernando Ruas comportou-se com uma enorme delicadeza de trato e necessitou de muita paciência e sangue frio para não responder aos golpes baixos do Ministro, aos quais não era alheio um desprezo intelectual pelos seus interlocutores.

17 de Outubro – Dois fóruns televisivos sensivelmente à mesma hora sobre a greve dos professores: o da SIC Notícias recebe opiniões a favor e contra a greve, o da RTPN tem 99% de opiniões contra a greve. Um telespectador do canal público telefona, refere isso mesmo e pergunta as razões. A pivô gagueja e o telefonema é cortado. Serviço público, Portugal, 2006.

Nova Aliança, 27 / 10 / 2006

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