8.4.11

Idosos esquecidos e a geração rasca

7 de Fevereiro - Morta em casa há nove anos
O corpo de Augusta Duarte Martinho, que completava 96 anos no passado dia 12, esteve nove anos no chão da cozinha do apartamento onde residia sozinha, na Rinchoa, Rio de Mouro, em Sintra.
Foi encontrado pela PSP depois de o andar ter sido vendido em leilão pelas Finanças. A nova proprietária, 58 anos, que comprou o apartamento por 30 mil euros há três meses, e entrava pela primeira vez na casa, ficou em estado de choque.
"Ainda estou horrorizada", disse. O desaparecimento já tinha sido participado à GNR, em Novembro de 2002, por uma vizinha. Aida Martins explica que deixou de ver Augusta Martinho em Agosto desse ano. Três meses depois avisou a GNR. "Eles vieram cá mas disseram que não podiam arrombar a porta", refere, assegurando "que nunca houve mau cheiro". A única companhia da idosa era um cão pequeno que foi encontrado morto na varanda da habitação.
Nos nossos tempos, esta história está longe de nos espantar. Na nossa sociedade, procuramos atirar as nossas responsabilidades para cima de outros. Os tribunais não fazem o que têm de fazer e s polícias também não. Ninguém quer chatices. A senhora desapareceu? Tem a certeza? Coisa de velhos, terão pensado. Nem a segurança social, nem os serviços de saúde fizeram alguma coisa.. Ninguém. Afinal de contas, era ‘apenas’ uma velha num prédio de uns subúrbios. Passou oito anos a bater a portas. A burocracia impediu que alguém fizesse alguma coisa. A porta não podia ser arrombada.
Curiosamente, a inviolabilidade do domicílio é sagrada. Mas, claro, se o domicílio for vendido em hasta pública, sem conhecimento do dono, o novo dono já pode entrar. Mas Augusta, cidadã portuguesa, era também contribuinte. E aí deram por falta dela. Tinha uma dívida. Sem um único contato, a frieza da máquina leiloou o seu apartamento. Quando os novos donos chegaram, a porta foi finalmente arrombada. E lá estava Augusta, morta no chão da cozinha.
O que impressiona, para além da solidão que permite que alguém morra sem que ninguém dê por nada, é que o mesmo Estado que dá pelo não pagamento de uma dívida ao fisco não dê, não queira dar, pelo desaparecimento de um ser humano. Que o contribuinte exista, mas o cidadão não.
Diz-se que só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. Sabemos agora que para o Estado português só a segunda parte é verdadeira.



12 de Fevereiro – A canção dos Deolinda
Há por aí um ‘debate’ sobre uma canção dos Deolinda. A letra é repetida atá à exaustão. Mas afinal, o que cantará Ana Bacalhau? Coisas simples, mesmo muito simples: que a vida não está fácil e que ter um cursinho universitário (ainda por cima destes) não é um seguro para os anos que se aproximam.
O problema é que os portugueses se deixam enfeitiçar por refrões sobre como a vida é injusta. A canção ‘pede’ também que a geração mais velha se preocupe com as novas gerações, que não têm emprego garantido. Não têm? Lutem por ele. Estão desanimados? Festivais de rock esgotam sempre no Verão e ‘gadgets’ andam de mão em mão. A vida está difícil? Ninguém prometeu um mar de rosas, a não ser nas canções.
Perguntem aos avós e aos pais quantos iam buscar os netos e os filhos às escolas há vinte ou trinta anos atrás. Conversem um bocadinho sobre como a vida era ‘mesmo’ difícil há vinte, trinta anos. E se recuarem mais no tempo, então era mesmo muito ‘difícil’.
Vá lá, cresçam.

Nova Aliança, 17 / Fevereiro / 2011

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