8.4.11

Como chegámos a isto?

16 de Março: Em tempo de crise ouvimos perguntar: Como chegámos a ‘isto’? A resposta não é nada complicada. Basta olhar à volta, pegar no papel e apontar exemplos. Aí vão dois.
Lembram-se do que aconteceu no dia 17 de Abril de 1969? Durante uma cerimónia na Universidade de Coimbra, o líder da associação de estudantes violou o protocolo e pediu a palavra ao presidente Américo Tomás. Ao contrário dos outros, não foi convidado para jantar. A cerimónia terminou ali, o dirigente associativo, que se chamava Alberto Martins, acabou detido, e o resto é história.
Os anos passaram e a história que continua nos nossos dias, agora com Alberto Martins licenciado e no cargo de ministro da Justiça. É uma história feia, muito feia. Segundo o DN, é a seguinte: Maria da Conceição Correia Fernandes, cônjuge de Martins e procuradora adjunta, recebeu 72 mil euros do ministério que o marido curiosamente tutela. A verba, que respeita a uma situação de funções acumuladas, teve o aval de um ex-secretário de Estado de Martins e o parecer negativo da Procuradoria-Geral. E a senhora teve sorte, visto que um seu colega, em condições laborais iguaizinhas, também curiosamente, não viu um único cêntimo.
Perante isto, qual foi a reacção do ‘valente’ dr. Martins? A julgar pela ousadia revelada na juventude e pelos hábitos dos políticos em democracias normais, seria de esperar que o homem devolvesse o dinheiro e apresentasse imediatamente a demissão. Convém verificar à nossa volta se temos bancos e esperarmos sentados: Alberto Martins limitou-se a pedir uma investigação ao episódio, que não lhe pareceu digno de investigações quando os 72 mil euros entraram na conta da família e só se lembrou da ética no momento da divulgação pública.
Conhecem a história da mulher de César? Este caso já desceu à cave onde os pequeninos Césares perderam toda a vergonha.
Mais um salto no tempo, desta vez para 16 de Março de 2011. Durante a inauguração do ano judicial, Martins afirmou que o sector "enfrenta duras dificuldades". Disse ainda querer "restabelecer" a "confiança" dos cidadãos na Justiça. Ninguém o interrompeu, ninguém lhe pediu a palavra.
O segundo caso conta-se também rapidamente. A notícia de que Armando Vara passou à frente dos pacientes de um centro de saúde de modo a obter um atestado suscitou o inevitável, e repugnante, populismo das massas. Ora, na opinião de Vara, as ‘massas’ deviam até ter ficado satisfeitas. Ver uma pessoa tão importante e que tanto deu ao país recorrer aos mesmos clínicos do contingente geral, sabe Deus com que riscos para a saúde, deveria ser um motivo de orgulho.
Em segundo lugar, os privilegiados a sério não fazem recados, contam com empregados para lhos fazerem. Vara faz os recados pessoalmente, comprometendo a sua atarefada agenda nestas coisas pequenas.
Em terceiro lugar, quando não arranjam alternativa, os privilegiados a sério visitam hospitais particulares. O coitado do Vara resigna-se aos serviços públicos, expondo-se inclementemente aos vírus, bactérias e populares que os frequentam.
Em quarto lugar, os privilegiados a sério possuem jactos privados. Vara explicou a urgência no atendimento com a pressa de apanhar um mero avião comercial, o transporte dos simples.
Em quinto lugar, os privilegiados a sério não dão satisfações a ninguém. A ética de Vara obriga-o a justificar as ausências, do emprego ou das sessões do "Face Oculta", mediante documento adequado.
Em sexto lugar, os privilegiados a sério não expõem as maleitas ao comum dos mortais. A rapidez com que a médica do centro de saúde assinou o atestado prova que Vara não teme exibir a sua debilidade e, além disso, prova que o homem está realmente doente.
Tenhamos respeito por quem sofre e por quem anda atarefado. Se cada um de nós imitasse Vara e, em lugar de ocupar a preguiça nos centros de saúde a aguardar a sua vez, passasse à frente na fila dos centros de saúde, a produtividade nacional seria outra.
Aí têm como chegámos a ‘isto’.


Nova Aliança, 31 / Março / 2011

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